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Walter Sorrentino: a nova agenda da mídia e a oposição

Há coisas imperdíveis hoje (19) na grande imprensa. Antes de mais nada André Singer, em O Estado de S.Paulo, no artigo “A história e seus ardis”. Ele resume e dá continuidade aos importantes artigos que vem elaborando em função de sua experiência acadêmica enriquecida pela passagem no governo Lula.

Por Walter Sorrentino

Destaco o que julgo a ideia central: o país, nesses anos, abriu uma nova agenda, que pode se constituir num ciclo político longo. Em suma, há um realinhamento no país, não “mexicanização” do sistema político. Há muitas outras ideias importantes no artigo, mas não é intenção de meu comentário aprofundar isso no momento. Insisto apenas em que Dilma vencerá porque o país tem um rumo, que trouxe bonança econômica imediata, e o eleitorado já se definiu pela continuidade desse rumo — aliás, desde o fim de agosto (o que confere um tom aparentemente despolitizado à disputa).

Cotejo isso com a manifestação de próceres da oposição e seus áulicos.

FHC vem de se manifestar. “Acabar com a desigualdade não é tudo”, assim intitulou a matéria do O Estado de S.Paulo. De certo modo, ele já digeriu a derrota previsível daqui a duas semanas. Mas sinaliza adiante, e matiza a insistente pregação feita nas últimas semanas, aliás, provocada pelo próprio meses atrás. Rapidamente: sim, Lula teria tendência a cultivar uma variante para a democracia popular, embora não tenha esse propósito. Quer dizer, haveria tendência a não respeitar a lei, a Constituição, as minorias e a diversidade política.

Outro desses pensadores, J. A. Gianotti, também em O Estado de S.Paulo, situa toda a contenda numa “feroz disputa entre duas concepções de Estado (e de democracia)”. Para ele, Lula tratou “de dissolver as oposições políticas … para se colocar acima do Estado, como demiurgo salvador e inovador”. Criticamente, ele afirma que “a oposição deixou que a situação pregasse no governo anterior a etiqueta de liberal”, deixou de “pensar a si mesma… sem pensar um projeto de país”.

Creio que o debate sobre Estado e democracia, fundamento do projeto de nação pelo qual lutamos, é algo infindável. Estará sempre no centro da contenda, nunca subestimado. Venho argumentando que dificilmente os líderes da oposição podem dar lições de democracia. Recordo, aliás, que a crítica ao “demiurgo” Lula nem poderia ser base para uma crítica da futura presidência de Dilma, haja vista as diferenças de embasamento político entre ambos. Está fora de contexto.

A questão que quero ressaltar, mesmo de passagem, é que o centro da disputa que se realiza no país (e no mundo) é por um projeto de nação, de desenvolvimento soberano, democrático, de maior integração regional e de atendimento às históricas carências sociais a que foram relegadas a maioria da população nos países ditos em desenvolvimento.

A oposição está pensando o presente, arcando com o peso do passado do qual não se desvencilhou, sem pensar o futuro. A agenda no país mudou, o mundo mudou, e a oposição ficou à deriva. Que pensam do futuro? Onde esperam que o país esteja situado em dez, 20 anos? Até mesmo a questão da distribuição de benesses sociais compensatórias a oposição aceita. Mas qual o projeto de nação, repito? Gianotti responde: não têm um projeto de país!

Ainda agora, às vésperas de uma terceira derrota eleitoral, que será também uma poderosa derrota política, os por quês podem ser mapeados. O Estado de S.Paulo em editorial insiste que o país perdeu não aderindo à Alca. Ex-chanceleres todo dia peroram que a política externa brasileira levou o país a derrotas e prejuízos. Vários pediram que o Brasil investisse contra os países vizinhos mais débeis economicamente. Jabor, cansado “dessa merda toda”, diz que se Dilma ganhar o país vai acabar no chavismo. As críticas ao Bolsa Família, já registrei no blog, são do teor da afirmação de alguém como Jereissati: “Vai acabar todo mundo no Bolsa Família e ninguém vai querer produzir”. A lista seria interminável, pois nessas situações as redações apelam e vivem “batendo bumbos” sem ressonância na maioria da opinião pública.

FHC é mais uma vez maroto em nuançar essas críticas, para não desmoralizar de vez a oposição. Mas ela só sinaliza de fato o projeto anterior: inserção subordinada sob o manto dos EUA, desregulamentação, desestatização, Estado capturado por interesses privatistas, em especial os do capital financeiro. Foi o rumo que levou o país a quebrar três vezes no governo FHC, diante de crises de magnitude infinitamente menor que a crise irrompida em 2008, a qual o Brasil enfrentou vitoriosamente.

Enfim, repito: a agenda no país mudou, o mundo mudou, a oposição está fora do contexto da nova realidade. Só Aécio manobra para uma oposição moderada no futuro, aceitando o fato de uma nova agenda, pelo que se diz na imprensa.

Democracia é importante sim, uma sociedade civil fortalecida é parte disso. Há poucos dias comentei a abordagem de F. W. Reis, para o qual o “desafio é fazer do Estado o instrumento de todos”, na presente conjuntura. Ou seja, a crítica “democrática” desligada do projeto nacional, vale dizer, de um Estado nacional fortalecido que anda sendo feita ao campo popular, é unilateral. Ela tem por base, no caso da oposição, enfocar a questão da democracia como contraposição entre Estado e sociedade.

Igualmente, a distribuição de renda como meio de busca permanente de maior igualdade social é igualmente decisivo. Falar em democracia sem incorporar à cidadania as maiorias sociais incide também numa visão meramente normativa de democracia.

Mas tudo isso se articula sob as asas de um novo projeto nacional, de desenvolvimento soberano e integração regional, como forma de o país disputar seu lugar no mundo. A isso a oposição não tem alternativa a oferecer. Quer dizer, é preciso articular intrinsecamente a questão nacional, democrática e social.

Duas palavras mais. Para os mais lúcidos da oposição, a eleição presidencial está resolvida. O denuncismo recente, a par de falta de alternativas e um vezo udeno-golpista, tem mais em vista as contendas do futuro governo Dilma. De passagem, quem sabe, “segurar” alguns dedos nos quais faltam já os anéis, em estados como São Paulo. Às vezes funcional, embora, por repetição, os métodos e as personagens sejam cada vez mais farsescas. Há quem entre nessa, em São Paulo. Essa gente não conta votos, mas quantas capas de Veja ainda restam para o combate.

A outra é o comentário de FHC sobre o desabafo de Dora Kramer de que “a academia está inativa por iniciativa própria”. A indômita jornalista bate forte, segundo FHC, mas de fato, para ele, “a academia está muito distante da vida, produzindo análises vazias. Lidam mais com conceitos do que com a realidade. Falam muito sobre livros, em vez de falar e escrever sobre o processo da vida”. Lembra-me a crítica de Merleau-Ponty a Lukács, se não me engano: a dialética é diáfana, a realidade é muito opaca. Por que finalizo assim? Por que a oposição, também na academia, perdeu a luta de ideias na sociedade. A nova agenda do país está se impondo.