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Bloqueio a Cuba é ato unilateral que deve cessar unilateralmente

"A política dos EUA contra Cuba não tem sustento ético ou legal algum, credibilidade, nem apoio. Isso é demonstrado pelos mais de 180 votos na Assembléia Geral da ONU, que, nos últimos anos, reivindicaram que se ponha fim ao bloqueio econômico, comercial e financeiro".

As palavras são do chenceler cubano Bruno Rodríguez Parrilla, durante Sessão da Assembleia Geral da ONU que aprovou, nesta terça (26), pela 19ª vez, a condenação ao bloqueio contra a ilha. Leia abaixo a íntegra do discurso, traduzido pelo Vermelho:

O bloqueio é um ato unilateral que deve cessar unilateralmente
Discurso do Ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez Parrilla em Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, nesta terça-feira, 26 de outubro. 
Sr. Presidente:

Graves e iminente perigos ameaçam a existência da nossa espécie. Para preservar a vida humana deve ser preservada a paz. Apenas o uso de uma parte ínfima do enorme arsenal nuclear mundial seria o fim da espécie. A única garantia de que as armas nucleares não poderão ser utilizados pelos Estados ou por qualquer pessoa, será a sua destruição, assim como da geração de armas convencionais de quase similar letalidade desenvolvidas no período recente. A única solução é o desarmamento.

Para sobreviver, é essencial um salto na consciência da humanidade, só possível através da divulgação de informações precisas sobre estas questões, que a maioria dos políticos escondem ou ignoram, a imprensa não publica e que, para as pessoas, são tão horrendas que parecem inacreditáveis.

Estamos numa nova época e, em nossa opinião, cabe a esta Assembléia Geral, com toda a urgência, como incessantemente pede Fidel Castro, liderar uma campanha internacional para exigir o respeito ao direito dos seres humanos e ao direito dos povos de viver.

Devemos construir uma outra ordem mundial, fundademos uma ética coletiva, baseada na solidariedade humana e na justiça, encontramos soluções para os conflitos através do diálogo e da cooperação, que cessem o egoísmo e os saques que levam à guerra e ao uso da força. Ante o sério perigo, apartemos o que nos confronta ou divide e nos unamos para salvar a paz, o planeta e a vida das gerações futuras.

Sr. Presidente:

Especialmente nestas circunstâncias, a política dos Estados Unidos contra Cuba não tem sustento ético ou legal algum, credibilidade, nem apoio. Isso é demonstrado pelos mais de 180 votos na Assembléia Geral das Nações Unidas, que, nos últimos anos, reivindicaram que se ponha fim ao bloqueio econômico, comercial e financeiro.

No relatório do Secretário-Geral colocados à nossa disposição, mais de 180 países e organismos especializados do sistema das Nações Unidas documentam sua oposição a essa política.

A rejeição da América Latina e do Caribe é forte e unânime. A Cúpula da Unidade, realizada em Cancún, em fevereiro de 2010, expressou isso energicamente. Os líderes da região comunicaram isso diretamente para o atual presidente dos EUA. É possível assegurar que o repúdio explícito do bloqueio e a Lei Helms-Burton identifica, como poucos temas, a comunidade política da região.

Visões igualmente inequívoca foram aprovadas pelo Movimento de Países Não Alinhados, pelas Cúpulas Ibero-americanas, pelas Cúpulas da América Latina e Caribe com a União Europeia, pela União Africana, pelas Cúpulas do Grupo ACP e praticamente por qualquer conjunto de nações que tenha se pronunciado a favor do direito internacional e do respeito aos princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas.

É amplo e crescente o consenso na sociedade norte-americana e na emigração cubana nesse país contra o bloqueio e a favor da mudança na política para Cuba. Pesquisas recentes mostram que 71% dos americanos defendem a normalização das relações entre Cuba e os Estados Unidos, enquanto 64% deles e uma proporção similar de cubanos que vivem no sul da Flórida se opõem à proibição de viajar a Cuba, que viola seus direitos civis.

Sr. Presidente:

Tal como acontece com outros assuntos, dois anos depois de ter proclamado o presidente dos Estados Unidos "um novo começo com Cuba", os fatos confirmam que nada mudou, nem ele usou suas amplas prerrogativas para flexibilizar o bloqueio.

As sanções contra Cuba permanecem intactas e são aplicadas com todo o rigor.

Em 2010, o cerco econômico se endureceu e seu impacto cotidiano ainda é visível em todos os aspectos da vida em Cuba. Tem consequências particularmente graves em áreas tão sensíveis para a população, como a saúde e a alimentação.

Os serviços oftalmológicos cubanos não podem usar a terapia térmica transpupilar, por meio do microscópio cirúrgico, no tratamento de crianças que padecem do tumor retinoblastoma, quer dizer, de câncer na retina, porque é impossível a compra de equipamentos para este tratamento, que só podem ser adquiridos na empresa norte-americana Iris Medical Instruments. Sem essa tecnologia, não é possível tratar o tumor da retina e preservar o olho afetado.

As crianças cubanas não podem dispor do medicamento Sevoflurane, o mais avançado agente anestésico geral inalatório, ou seja, de anestesia para operar as crianças, porque seu fabricante, a companhia norte-americana Abbot, está proibida de vender a Cuba.

Tampouco se pode adquirir o Tomógrafo de Coerência Óptica (OCT) para estudos de retina e nervo ótico da empresa alemã Carl Zeiss, pois possui componentes que a empresa dos EUA Humphrey aporta.

As onerosas e discriminatórias condições que prevalecem para as compras de alimentos norte-americanos, que supostamente se amparam em uma exceção humanitária, enquanto violam todas as normas do comércio internacional, repercutiram na drástica queda dessas operações no ano passado. Esta realidade não só prejudica o nosso povo, mas também os agricultores norte-americanos. Se alguém nesta sala voltasse a qualificar de "sócio comercial" um país ao qual Cuba não pode vender nem mesmo uma dose de medicamento ou um grama de níquel, estaria faltando com a verdade.

Embora Washington tenha autorizado muito seletivamente alguns intercâmbios culturais, acadêmicos e científicos, estes ainda estão sujeitos a severas restrições, e muitos projetos deste tipo não puderam ser executados por causa das negativas de licenciamentos, vistos e outras autorizações. É pouco conhecido que artistas cubanos são proibidos de receberem remuneração por suas apresentações nesse país.

Recrudesceu a perseguição contra os bens e ativos cubanos e contra as transferência comerciais e financeiras de e para Cuba ou que envolvam instituições e pessoas estabelecidas em nosso país.

As multas dos Departamentos do Tesouro e de Justiça contra as entidades de seu país e da Europa no ano passado, por transações realizadas com Cuba, entre outros Estados, superam os US $ 800 milhões.

O governo dos EUA, numa escalada evidente, se apropriou também de transferências em moedas de países terceiros, como o euro. O confisco de uma transferência de mais de 107 mil euros pertencentes à empresa Cubana de Aviación e realizado por meio do Banco Popular Espanhol, de Madri a Moscou, foi um roubo.

O dano econômico direto causado ao povo cubano pela aplicação do bloqueio supera, nesses 50 anos, os 751 bilhões de dólares, no valor atual dessa moeda.

Sr. Presidente:

Apesar da rejeição universal a esta política, altos funcionários deste governo têm reiterado que ela permanecerá inalterada. Em 02 de setembro, o próprio presidente Obama ratificou as sanções contra Cuba, referindo-se ao suposto "interesse nacional" dos Estados Unidos. Mas todos sabem que a Casa Branca seque prestando mais atenção aos "interesses especiais", bem financiados, de uma pequena minoria que tem feito da política contra Cuba um negócio muito lucrativo.

É evidente que os Estados Unidos não têm intenção de eliminar o bloqueio. Nem sequer se vislumbra a vontade de seu governo de desmantelar os aspectos mais irracionais do que é hoje o conjunto de sanções e medidas econômicas coercivas mais amplas e prolongadas que já foi aplicado contra qualquer país.

Historicamente, cada vez que desabam os pretextos esgrimidos como supostos obstáculos ao levantamento do bloqueio contra Cuba, eles são substituídos por novas desculpas para justificar a continuidade de uma política que é insustentável sob todos os pontos de vista.

Mais recentemente, em 19 de outubro, o presidente Obama qualificou, segundo agências de notícias, como insuficientes os processos que, no seu julgamento, ocorrem hoje em Cuba e condicionou qualquer novo passo à realização das mudanças internas que eles gostariam de ver em nosso país.

O presidente se equivoca assumir que tem o direito de interferir e qualificar os processos que ocorrem hoje em Cuba. É lamentável que esteja tão mal informado e assessorado.

As transformações que os cubanos realizamos hoje respondei às aspirações dos cubanos e às decisões soberanas do nosso povo. Destinam-se a atualizar e tornar eficiente o nosso modelo econômico, aprefeiçoar a nossa sociedade, aprofundar nossa cultura e desenvolver nosso socialismo. Não se propõem a atender aos desejos ou satisfazer os interesses do governo dos Estados Unidos, até hojem sempre opostos aos do povo cubano.

Para a superpotência, tudo o que não conduza ao estabelecimento de um regime que se subordina aos seus interesses será insuficiente, mas isso não vai acontecer, porque muitas gerações de cubanos dedicaram e dedicam a maior parte de suas vidas a defender a soberania e a independência Cuba.

O governo norte-americano ignorou também as muitas declarações e as propostas apresentadas pelo governo de Cuba, de forma pública ou privada, que confirmam a nossa vontade de estabelecer um diálogo sério, construtivo, em condições de plena igualdade e respeito a nossa independência.

Não responderam sobre os novos projetos de cooperação apresentados durante o ano 2010 pelo governo de Cuba, para avançar nas questões de interesse comum, como a luta contra o narcotráfico e o terrorismo, a proteção ambiental, a prevenção de desastres naturais e até mesmo o enfrentamento a possíveis acidentes na exploração de petróleo no Golfo do México. Mais uma vez escapa a oportunidade de avançar em áreas que poderiam beneficiar ambos os povos.

Pelo contrário, tal governo continuou a arbitrária prática de colocar Cuba em espúrias listas, incluindo a dos estados que supostamente patrocinam o terrorismo internacional, fabricada pelo Departamento de Estado para qualificar o comportamento de outras nações. Este país não tem autoridade moral para fazer tais listas que, como regra, teria que encabeçar, nem existe uma única razão para a inclusão de Cuba em nenhuma delas.

O governo dos EUA também mantém a punição injusta dos Cinco cubanos lutadores antiterroristas que estão presos em seus cárceres há mais de 12 anos, um caso que atraiu ampla solidariedade da comunidade internacional.

Cuba, que tem sido e é uma vítima do terrorismo de Estado, apela a este governo que acabe com a dupla moral e a impunidade de que gozam, no seu território, os autores confessos de atos terroristas, que foram gerados com amparo da política anti-Cuba naquele país, concebida com fins de desestabilização na década de 60, e que incluiu sabotagem, seqüestro, assassinato e agressão armada. Isso seria uma verdadeira contribuição para a luta internacional contra este flagelo.

Sr. Presidente:

É escandaloso e insólito que a política de bloqueio e de subversão dos Estados Unidos contra Cuba continue a ser orientada pela lógica do memorando do subsecretário assistente de Estado, Lester Mallory, escrito em 06 de abril de 1960 e divulgado há alguns anos, cujo texto passo a citar:

"A maioria dos cubanos apoio Castro […] Não há nenhuma oposição política efetiva […] A única maneira possível de fazer-lhe perder o apoio interno é causar decepção e desânimo por insatisfação econômica e penúria […] Temos que colocar em prática rapidamente todos os meios possíveis para enfraquecer a vida econômica […] negando dinheiro e suprimentos a Cuba, a fim de reduzir os salários nominais e reais, com o objetivo de provocar fome, desespero e a derrubada do governo." Fim de citação.

É uma política de agressão, cruel e absolutamente contrária ao direito internacional, que este governo continua a manter, com o conhecimento de que causa danos, provoca dor e viola os direitos humanos de todo um povo.

Não é uma questão bilateral, como muitas vezes repetem os representantes dos EUA. Seu marcado caráter extraterritorial está consagrado na legislação, e há exemplos suficientes da aplicação das medidas coercivas aos cidadãos e entidades de países terceiros.

O bloqueio, por sua natureza e extensão, se caracteriza como um ato de genocídio, nos termos do artigo II da Convenção de Genebra de 1948 sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio; e também como um ato de guerra econômica, de acordo com a Declaração sobre o Direito da Guerra Marítima adotada em 1909.

É um ato hostil e unilateral que deve cessar unilateralmente.

Mais uma vez, em nome do povo de Cuba, solicito aos representantes de todos os países aqui reunidos que votem a favor do projecto de resolução que tenho a honra de apresentar com o título "Necessidade de pôr fim ao bloqueio econômico, comercial e financeiro governo dos Estados Unidos da América contra Cuba ".

Sr. Presidente:

Nós cubanos nos orgulhamos de nossa obra. Se esta guerra econômica, embora provoque privações, não custa vidas e não conseguem causar danos traumáticos e generalizados a nossa população, é graças ao esforço e sacrifício dos cubanos e à vontade e compromisso de seu governo.

Apesar da perseguição econômica ser o principal obstáculo ao desenvolvimento nacional e à melhoria dos padrões de vida das pessoas, Cuba mostra resultados indiscutíveis na eliminação da pobreza e da fome, nos índices de saúde e educação – que são referência mundial-, na promoção da igualdade de gênero, na liberdade e no bem-estar equitativo dos cubanos, no consenso social, na participação democrática dos cidadãos nas decisões do país, na reversão da degradação ambiental e no desenvolvimento da cooperação internacional com uma centena de países do Terceiro Mundo.

Cuba pôde declarar aqui, há algumas semanas, um elevado e excepcional cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio. Estes resultados, alcançados em Cuba, ainda são uma utopia para grande parte da população do mundo.

Os cubanos assumimos nosso destino histórico, com compromisso, otimismo e criatividade. Nos inspiram os sentimentos de paz, justiça e solidariedade que caracterizam o nosso povo, e a amizade com que o mundo se identifica com a nossa ilha livre e rebelde.

Cuba continuará disposta a desenvolver relações pacíficas e respeitosas com os Estados Unidos, como as que desfruta com a imensa maioria da comunidade internacional e com todo o hemisfério.

Cuba não vai desistir nunca de denunciar o bloqueio e não vai deixar de reivindicar o direito legítimo de seu povo de viver e trabalhar por seu desenvolvimento sócio-econômico em condições de igualdade, em cooperação com outras nações, sem cerco econômico nem pressões externas.

Cuba agradeceu à comunidade internacional a firme solidariedade com o nosso povo, confiante de que um dia a justiça vai ser feita e essa resolução já não será necessária.

Muito obrigado.