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Chile precisa olhar o passado, diz documentarista sobre ditadura

Houve um período não muito distante em que ditaduras militares se multiplicaram pela América do Sul. Dos 13 países do continente, nove sofreram com o autoritarismo a partir dos anos 60. Brasil (1964-1985), Argentina (1976-83), Uruguai (1973-85), Chile (1973-90), Paraguai (1954-89), Peru (1968-75), Bolívia (1971-78), Equador (1974-78) e Suriname (1980-88) estiveram às voltas com a censura, resistência, autoritarismo e torturas.

Algumas cinematografias já têm refletido sobre o passado de seus países. Uma contribuição ao tema é dada pelo documentário Mi Vida Con Carlos, filme chileno que terá a primeira exibição na Mostra Internacional de Cinema nesta quinta-feira (28/10), às 18h20, no Unibanco Artplex 3.

Desenvolvido em primeira pessoa, o documentário é a busca de um filho por um pai praticamente desconhecido. Carlos Hertz, militante comunista, foi assassinado treze meses após o golpe de 11 de setembro de 1973, quando os militares, liderados pelo general Augusto Pinochet, derrubaram o governo democrático de Salvador Allende.

Germán Berger-Hertz, diretor de Mi Vida Con Carlos, tinha um ano quando seu pai foi assassinado. No filme, ele busca reconstruir a figura do pai a partir de relatos da família, fotografias, silêncios e imagens de arquivo. Colocar a família para encenar/reconstituir a vida de alguém que, a exemplo de milhares de outros chilenos, brasileiros, paraguaios e sul-americanos, faz parte da memória.

“O Chile precisa olhar para o passado”, afirmou o diretor à imprensa em agosto, durante o Festival de Gramado, quando Mi Vida Con Carlos também foi exibido. O documentário de Berger-Hertz saiu do festival sulista com o Kikito de Melhor Filme Estrangeiro.

Na proposta de fazer um documentário ora afetivo, ora político, havia uma série de armadilhas nas quais Mi Vida Con Carlos poderia ter sucumbido. A primeira, e mais grave, um sentimentalismo que tornasse o filme melodramático, em vez de dramático.

Germán Berger-Hertz conseguiu falar de sentimentos particulares com a necessária dimensão universal de um filme, sem apelar à busca pela lágrima. Se ela vem, é decorrência da própria história, não de efeitos narrativos. Afinal, a história da família Berger-Hertz é de uma desgraça ímpar: Carlos é assassinado em 1974; o irmão Ricardo é reduzido a gerente de fábrica; Eduardo, o mais jovem, foge para o Canadá; a esposa Carmen se refugia com o filho pequeno em Buenos Aires e, na sequência, Barcelona. Dez anos depois, pai e mãe se suicidam.

O diretor explica que decidiu fazer um filme quando se tornou pai e teve de explicar à filha quem foi o avô. “Se fosse para falar só da minha família, teria reunido meus tios em uma sala fechada. Meu objetivo é tornar essa história coletiva, uma entre milhares”, afirma Gemán.

Do ponto de vista político e histórico, Carlos integra a longa lista de atrocidades cometidas por Pinochet, das milhares de pessoas assassinadas em Chuquicamata, no massacre do Estádio Nacional ou perdidas na imensidão de Chacabuco.

Na perspectiva individual, é a história da ausência na relação pai-filho, mas principalmente da diáspora de uma família desintegrada pela morte. Com o assassinato, perdeu-se não apenas a presença de Carlos, mas qualquer tipo de base que permite a continuação da vida. Foi preciso recomeçar.

Mi Vida Con Carlos tem também suas imperfeições. Por vezes, é seco em demasia e se distancia da construção poética, imprescindível quando se trata de uma história essencialmente afetiva. É também esquemático na estrutura e nas conversas do diretor com sua família na frente da câmera – que às vezes vai mais para a encenação do que para a expressão de uma dor interna.

“Talvez apontem que meu filme é emocional demais, mas eu me comprometo com a emoção no cinema. Tentei superar essa etapa, mas a história é triste na essência”, diz Berger-Hertz.

Serviço – Sessões de Mi Vida Con Carlos
Quinta-feira (28/10), às 18h20, no Unibanco Artplex 3 (Sessão 613)
Domingo (31/10), às 21h, no Cinema Tam 4 (Sessão 1007)
Segunda-feira (1/11), às 14h, no Cinesesc (Sessão 1067)
Sexta-feira (4/11), às 16h, no Espaço Unibanco Pompeia 1 (Sessão 1383)

Fonte: Cineclick