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Espanha e a crise econômica global

A crise financeira desencadeada nos Estados Unidos, e que transformou-se em uma crise econômica mundial, atingiu a Espanha mais duramente que outros países da Comunidade Europeia. A razão para isso provém, sobretudo, das debilidades estruturais da economia espanhola, que estiveram encobertas durante o longo período do Boom econômico que o país conheceu durante os anos de 1994 até 2007.

Por Holm-Detlev Köhler, Professor em Oviedo

A economia nacional espanhola – a oitava maior do mundo e a quinta da Europa, com um PIB de 1,05 trilhão de dólares americanos -, passou por uma drástica queda a partir da segunda metade de 2008, que aprofundou-se ainda mais depois. Em 2009, o PIB foi negativo (menos 3,6%), e a demanda interna teve uma baixa de 6,4%. Isso teve consideráveis efeitos sobre o mercado de trabalho: o desemprego, que em 2006 havia estado em 8,3% (em 1994, foi de 24,2%), subiu no primeiro trimestre de 2010 novamente a mais de 20%, atingindo 4,6 milhões de trabalhadores. A crise atingiu não apenas os bancos, a construção civil e a indústria, mas todos os setores e ramos da economia.

Mas o que levou a economia desse país, que mais fortemente cresceu na Europa em finais dos anos noventa e início da última década, a uma queda tão imediata e rápida?

As debilidades estruturais da economia espanhola

O crescimento da economia na Espanha na virada do milênio tem vários componentes, e alguns dos quais têm uma sólida natureza – como o desenvolvimento industrial no País Basco, em Navarra e em Valência. Porém, o núcleo do crescimento ocupacional esteve nos ramos do turismo e da construção civil, com suas atividades correlatas – hotéis, restaurantes, agências de viagem, imobiliárias, etc. Eles são, ao lado dos serviços domésticos e pessoais, o principal campo de atividades para os imigrantes. A construção civil, após uma década de crescimento contínuo, chegou a representar em 2007 o equivalente a 11% do PIB – mais do que em qualquer outro país europeu. Durante o Boom, eram construídas anualmente 100 mil novas residências, mais do que a soma conjunta da construção na França e na Alemanha. Mas em 2009, o número de novas construções teve uma queda de 80%.

Com estes dois setores pode-se identificar também os pontos fracos estruturais do modelo anterior de crescimento. Os postos de trabalho criados por eles são frequentemente precários, provocam danos à saúde e exigem pouca qualificação profissional. Os efeitos do crescimento são de curto prazo, e as consequências ecológicas são cada vez mais críticas – sobretudo na costa marítica do sul da Espanha.

Baixa produtividade, força de inovação débil e falta de investimento em pesquisa atuam como obstáculos dos produtos espanhóis nos mercados internacionais. E a concorrência cada vez maior com os novos países industrializados da Ásia e do Leste Europeu ameaçam reduzir o espaço ainda ocupado pela Espanha no comércio internacional.

A ampliação da Comunidade Europeia no leste do continente provocou o deslocamento da produção e dos serviços que exigem trabalho intensivo, além de uma redistribuição dos fundos regionais europeus, que antes haviam contribuído para o crescimento da economia espanhola – incluindo o setor da construção civil. Desde finais da década de oitenta, Bruxelas investiu cerca de 150 bilhões de euros no país, o que correspondeu de 1995 até 2005 a mais de 1% do PIB. Mas o atual orçamento da Comunidade Européia (2007 até 2013) reduz esse valor para a sua metade, e a partir de 2014 prevê-se o seu fim – em favor dos seus novos países membros.

Um outro fator que debilita a capacidade inovativa da economia espanhola é o caráter fragmentado de sua empresas: 95% das 3,35 milhões de empresas (2009) têm menos de 20 empregados, e a metade delas não possui nenhum, mas apenas o seu proprietário. Isso dificulta investimentos em produtividade e pesquisa.

Em resumo, no caso espanhol trata-se do encontro da crise econômica e financeira internacional com as debilidades estruturais de seu modelo de crescimento, o que levou ao fim de um ciclo de crescimento.

Mercado de trabalho: dinâmica e tragédia

O maior atingido pela crise na Espanha foi o seu mercado de trabalho. O país que nas décadas anteriores havia criado o maior número de postos de trabalho, os viu desaparecer rápidamente com a duplicação da taxa de desemprego em apenas um ano. Mais de 4 milhões e 500 mil pessoas estão desempregadas, o que representa mais de 20% da população. O desemprego entre os jovens de 16 a 24 anos dobrou nos dois anos de crise, e atinge o recorde mundial de 41,2%. Entre 2007 e 2009, foram eliminados na Espanha 1,64 milhão de postos de trabalho, cifra muito maior que a de outros países na Europa.

O governo espanhol foi pego de surpresa pela crise. Inicialmente, ele preparou um programa de construção civil pública prevendo a distribuição de 8 milhões de euros para as províncias e cidades. Complementarmente, anunciou um programa de incentivo a reformas de casas, edifícios, etc., mas apenas depois que o setor de construção praticamente paralisou.

Para os setores estratégicos como a indústria automobilística e de aparelhos domésticos foram introduzidos os prêmios para aquisição de novos produtos. Empresas autônomas, pequenas e médias foram apoiadas com créditos e incentivos fiscais especiais. E os desempregados que estavam prestes a perder o direito ao auxílio-desemprego, tiveram a garantia de mais seis meses de benefício. Essas medidas, porém, tiveram um efeito pontual e não foram suficientes para debelar a crise. Além disso, surgiram as dificuldades nos orçamentos das prefeituras e governos.

A atual política econômica espanhola consiste em quatro elementos: o fim do programa conjuntural, um programa de reorganização sustentada da economia, a reforma do setor bancário e a consolidação do orçamento estatal, por meio de um drástico programa de contenção de gastos públicos. Mas o futuro da economia espanhola é incerto. Mesmo havendo a recuperação da economia mundial e o aumento da demanda às empresas do país, as mencionadas debilidades estruturais continuarão presentes. Além disso, tanto a Espanha quanto os demais países da Comunidade Europeia sofrem as consequências da falta de instituições econômicas em condições de regular o euro na esfera do continente. Como muitos analistas já afirmaram, entre eles Paul Krugman, uma moeda comum só pode funcionar sem grandes turbulências com a existência de uma política econômica comum. Sem uma política monetária e financeira unitária e sem o controle do mercado de capitais, há sempre o risco de movimentos e ataques especulativos, além de uma concorrência regional que pode ter sérias consequências para os países envolvidos.

A Espanha terá que enfrentar nos próximos anos problemas fundamentais colocados pelo reordenamento de sua estrutura econômica e social, para cuja superação ela está mal equipada e preparada. Desse modo, o mais provável é que haja uma recuperação econômica muito lenta e moderada, sem a eliminação de seus graves problemas estruturais.

Fonte: Aus Politik und Zeitgeschichte, 6 setembro 2010. Tradução do alemão por Luciano C. Martorano