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O Brasil e a chamada “guerra cambial”

Falando de forma clara, qual a postura que o Brasil deve assumir diante desta “guerra cambial” em franco desenvolvimento e sem data para terminar? No plano internacional, qual o principal inimigo a se combater e isolar? Domesticamente, qual o caminho a seguir de forma que nosso mercado interno e a sua indústria sejam protegidos e impulsionados?

Por Renato Rabelo*

No plano internacional existe a semeadura dos falsos problemas, entre eles o do “câmbio artificial” chinês. Enquanto isso, é pouco destacado o fato de que as nossas relações comerciais com os Estados Unidos passaram a ser marcadas por déficits crescentes. É evidente que contenciosos comerciais com a China estão na ordem do dia, afinal sua taxa de câmbio ao mesmo tempo em que fortalece suas exportações também é síntese de uma conta que enceta a paz social em seu território. Por outro lado, é bom que fique claro que não são os chineses que sugerem a política monetária brasileira, não são eles que pautam a necessidade de uma taxa de câmbio nacional ditada pelas “forças do mercado”.

As opções brasileiras nesta matéria são as principais responsáveis pela invasão de aço e máquinas chineses em nosso mercado. Que se diga de passagem, tanto aço quanto máquinas que poderiam ser fabricados em nosso país. Além disso, outro exemplo: em 1995 os aviões fabricados pela Embraer eram compostos de 70% de componentes industriais nacionais, número que não chega a 30% atualmente. Assim fica mais evidente que é preciso abrir caminho para o redirecionamento de nossa política macroeconômica.

Não podemos cair na chamada “macroeconomia da desindustrialização”, num modelo muito semelhante ao da Espanha e da Grécia na década de 1990. Ambos os países, impulsionados pela construção civil e o turismo, cresceram a altas taxas por um tempo, com grande decréscimo em suas taxas de investimento. Quando se abateu uma crise externa, pouca e quase nenhuma indústria havia para a manutenção dos índices de emprego via incentivos governamentais.

Assim como no Brasil, também pesa o fato destes países não terem autonomia de manejo de suas políticas monetárias. Lá este tipo de ação depende de ações do BC Europeu, aqui de um Banco Central ortodoxo que pratica uma política de juros (em plena “guerra cambial”!) que redunda numa valorização do real ante o dólar de 20%, enquanto que os chineses mantêm o iuan desvalorizado em 40% em relação a este mesmo dólar.

E os Estados Unidos? Estes sim são os verdadeiros responsáveis por este problema cambial internacional ao tentar exportar para o mundo sua crise, seu grave problema interno. Sim, problema interno sintetizado na necessidade de manutenção dos índices astronômicos de consumo; capacidade de consumo esta que se confunde com a própria natureza da “democracia” norte-americana que é mais medida pelos índices de inflação anuais que pela participação popular em esferas de governo.

A grave crise financeira internacional que teve seu epicentro nos EUA levou o Estado norte-americano a dispender bilhões de dólares para tentar salvar grandes bancos e agentes financeiros, elevando astronomicamente seus déficits públicos. Sua necessidade de importar, aliada a gastos militares que passam a casa de U$ 1 trilhão ao ano, impele o governo a encomendar mais e mais levas de impressões de dólares, que na ponta do processo resulta numa super-liquidez internacional e ondas especulativas sobre países de livre circulação de capitais como o Brasil e a Turquia. O resultado é a grande valorização de moedas como o real em relação ao dólar e consequentemente a perda de competitividade industrial, abrindo nova quadra no já citado processo de desindustrialização.

E o Brasil, que fazer? Nessa grande disputa internacional estão em jogo os grandes interesses hegemônicos das grandes potências imperialistas, sobretudo dos Estados Unidos. Eles querem empurrar o peso da crise, ônus das suas retomadas de desenvolvimento econômico nos ombros dos países em desenvolvimento, que melhor saíram da recessão criada por eles. Portanto é uma disputa de monta que tem lado: ou o lado dos países em desenvolvimento da chamada periferia, ou o lado dos EUA. Não existe um “terceiro lado”, uma terceira alternativa.

Em primeiro lugar, o Brasil não pode se utilizar de espaços em fóruns internacionais para se fazer paladino do “politicamente correto” em matéria de comércio internacional (por exemplo, “denúncia” do protecionismo chinês, dando o "nosso exemplo" de câmbio e juros pautados pelo livre mercado). Neste caso o “politicamente correto” é imposto pelo imperialismo como em 1979, quando Paul Volcker – então presidente do Fed (Federal Reserve, o Banco Central Americano), de forma unilateral elevou os juros americanos, empurrando para os países devedores o pesado ônus de suas dívidas externas. É preciso colocar o dedo na ferida dos verdadeiros responsáveis por esta insanidade econômica, notadamente os Estados Unidos.

Quanto à nossa realidade interna, é preciso enfrentar a denominada “guerra cambial” resguardando o interesse nacional com a proteção da economia e da moeda do país. Administrar as flutuações do câmbio com a finalidade de alcançar uma taxa capaz de beneficiar o processo de industrialização. Para tal, entre outras medidas, é necessário estabelecer limites e prazos para a entrada e saída de dólares do país. Além disso, é preciso reduzir a taxa de juros ao patamar da média dos demais países emergentes para que o Brasil deixe de ser um atrativo especial.

Tornar mais onerosas e com regulamentação restritiva as operações cambiais no mercado futuro e outras operações financeiras com contratos e derivativos. Fortalecer o Fundo Soberano do Brasil e utilizá-lo na ação governamental contra a volatilidade cambial. Preservar as contas externas da vulnerabilidade combatendo o crescimento do déficit em transações correntes. Incentivar o uso de outras moedas que não o dólar nas relações comerciais com outras nações. A defesa do interesse nacional requer uma ação articulada e conjunta com os países em desenvolvimento para que a unidade desse campo tenha força política internacional capaz de impedir a investida das grandes potências imperialistas, em especial dos Estados Unidos, de lançar o ônus da crise por elas criada sobre os ombros das demais nações do mundo.

*Presidente nacional do PCdoB