Calil: filmes marginais são lição para o cinema brasileiro atual
Os filmes da Coleção Cinema Marginal Brasileiro deveriam ser lição de casa obrigatória para os diretores em atividade no país. Não apenas por serem itens fundamentais e pouquíssimos vistos da nossa história audiovisual, como também por oferecerem uma aula sobre a importância do erro a uma cinematografia hoje obcecada com a perfeição técnica.
Por Ricardo Calil, na Folha.com
Publicado 14/11/2010 19:40
Depois da primeira leva de quatro DVDs lançada no começo do ano, chegam às lojas mais dois volumes, com os filmes Hitler 3º Mundo (1968), de José Agrippino de Paula, e Lilian M – Relatório Confidencial (1975), de Carlos Reichenbach. Mais conhecido como autor do romance Panamérica (1967), o paulistano Agrippino fez Hitler com sobras de rolos, de forma clandestina e na base do improviso. Nunca lançado comercialmente, tornou-se um mito do cinema marginal.
Como Panamérica, o filme é feito de estilhaços pop, episódios aparentemente absurdos e desconexos que misturam Hitler, Cristo, o (personagem de quadrinhos) Coisa e Jô Soares. Este encarna um samurai-gueixa que, entre outras coisas, enfia crianças faveladas em uma Kombi, tenta arranhar uma TV e comete haraquiri, contracenando com pessoas reais e provocando um curto-circuito entre ficção e documentário.
Com problemas evidentes de áudio, iluminação e continuidade, o filme é exemplo acabado de como a precariedade pode funcionar como estimulo à invenção -e não como um impedimento.
Experimentos
Segundo longa-metragem de Carlos Reichenbach, Lilian M já traz elementos que marcam a obra do cineasta: as referências cinéfilas, o vaivém entre gêneros, a defesa da liberação feminina. A narrativa articula-se a partir do depoimento da protagonista (Célia Olga Benvenutti) sobre seus amantes, a partir do momento em que abandona o marido no campo, foge com um caixeiro-viajante e conhece a cidade grande, seus tipos e perigos.
Embora seja mais estruturado e menos precário que Hitler 3º Mundo, Lilian M é igualmente libertário por suas experimentações com diferentes gêneros e suas sofisticadas brincadeiras sonoras e visuais.