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Correia da Fonseca: Informação Now

Era um filme policial. Norte-americano, naturalmente. Agora dá-me um bocado para aí: crime por crime, escolho por vezes a ficção, talvez para durante uns minutos ter a ilusão de que a bruteza, a impostura, a falta de escrúpulos, são apenas ou sobretudo coisas de faz-de-conta, não mais que produtos de argumentistas de Hollywood e arredores.

Por Correia da Fonseca*

Abandono então os telenoticiários lusos, muito deprimentes, e emigro para estórias que me falam dos pontos cardeais por onde se orienta pelo menos uma parte da atual sociedade norte-americana: dólares, sucesso, poderes, coisas assim.

Estão longe os valores, míticos ou não, por vezes citados como sendo os dos “pais fundadores” da sociedade norte-americana. E na noite do passado sábado a estória que a TV me contava partia de um jornal que buscava o êxito, isto é, os dólares, sem quaisquer complexos obsoletos: inventava, comprava informações falsas, abria caminhos para a chantagem, destruía reputações, vendia, vendia-se. Tudo eminentemente pragmático.

Bem vistas as coisas, aquilo surge apenas como a versão talvez um pouco caricatural, talvez nem isso, da struggle for life que parece ser, a par da Bíblia ou talvez mesmo antes dela, a cartilha por que se rege uma enorme parte do quotidiano da “grande democracia americana”. Perante uma estória assim, começamos a perceber que a vertente ficcional não é tão dominante que dê para esquecermos a realidade: nem sempre é eficaz a fuga para o faz-de-conta. Mas talvez possamos ter esquecido um pouco os telenoticiários portugueses, não custa nada tentar.

Ou, não os tendo esquecido, talvez possamos refletir que ainda podiam ser piores. O que, pelo caminho que as coisas levam, talvez um dia destes tenhamos oportunidade de confirmar.
De qualquer modo, parece certo que por cá ainda estamos longe das performances norte-americanas tal como eram descritas no telefilme policial onde no passado sábado procurei refúgio.

Por cá, isto é, na informação que nos é fornecida pelos canais portugueses de TV e também pelos outros media que para estas colunas são pouco ou nada chamados. O que assusta, porém, é que podemos estar, como se dirá?, no bom caminho para que se desemboque no atoleiro como destino consensualmente aceite.

Os telenoticiários e seus complementos ainda estão muito longe do pragmatismo sem quaisquer embaraços éticos que são o caminho tido por normal em grande parte do sistema mediático norte-americano, mas é lúcido reconhecer que já temos gente muito vocacionada para optar por esse percurso. Com o que podemos designar por resistências, ainda que mais indiretas que frontais já que os tempos e as circunstâncias não lhes estão muito propícias: não só surgem aqui e além, sobretudo se em canais menos visitados e em lugares discretos, programas que justificam a nossa teima em ver televisão, mas também na própria área da informação acontecem trabalhos que a honram, à informação, e a quem os faz.

Mas é preciso ir deliberadamente à sua procura, não acontece que saltem ao caminho dos nossos olhos com a facilidade de um encontro natural.

O mais significativo é que o clima mediático de que dão testemunho certos telefilmes como o que dá pretexto a estas linhas não surge como perversão anómala num clima generalizado de correção deontológica mas sim, pelo contrário, como comportamento que naturalmente emerge de uma espécie de filosofia social adotada pela sociedade norte-americana que privilegia o êxito financeiro sem excessivas higienes éticas, que consagra a luta concorrencial como “lei da vida”, que remete os eventuais escrúpulos para o velho armário das regras caducas e fora de uso.

Esta espécie de doutrina não escrita alarga-se, como é sabido, para a área dos comportamentos internacionais, por aí desembocando na prática do crime em colossal escala pretensamente praticado para defesa dos grandes interesses mascarados de american way of life sinonimizado de democracia. E essa subcivilização, adotada por países satélites e vassalos entre os quais se conta o nosso, como que cauciona a adesão aos comportamentos pútridos em várias áreas, entre as quais a mediática.

Ainda não, provavelmente, com a intensidade e o descaro vigentes na Grande América. Mas com muitas boas-vontades para que se atinja esse nível que, decerto, como agora se diz, dá boas oportunidades de negócio.

*Correia da Fonseca é colaborador de odiario.info

Fonte: odiario.info