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Eduardo Campos: esquerda discutirá frente a médio e longo prazo

A poucas semanas da posse da presidente eleita, Dilma Rousseff, o governador reeleito de Pernambuco e presidente nacional do PSB, Eduardo Campos, defende a formação de uma Frente Ampla de esquerda no Congresso Nacional. “Isso está posto na mesa para ser discutido no médio e longo prazos”, afirma Campos, em entrevista às repórteres Vera Brandimarte, Paulo Totti e Maria Cristina Fernandes, do Valor Econômico.

A frente foi proposta originalmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva — que, segundo Campos, “sempre defendeu uma tese que não tinha grande audiência em setores importantes do PT, PSB, PCdoB e PDT. Ele não entendia porque nós éramos tantos partidos. Por ele seríamos um só”.

Campos, porém, lembra que as agremiações de esquerda são herdeiras “de todo esse conjunto de partidos que, de certa forma, vem de três grandes origens — dos partidos comunistas, dos socialistas da esquerda democrática e dos trabalhistas. Apesar desse conjunto, a gente não construiu uma frente no estilo do que o Uruguai em outras circunstâncias históricas foi capaz”.

Confira abaixo trechos da entrevista.

Valor: O PSB tinha duas pastas e uma expressão eleitoral mais reduzida. Agora o partido cresceu e ganhou expressão nacional. Como isso vai se refletir no ministério?
Eduardo Campos: Tenho convicção de que Dilma sabe a qualidade da aliança que nós temos com seu projeto porque viu a relação do PSB com o presidente Lula nas horas boas do governo, mas sobretudo nas horas difíceis. Fizemos uma aposta estratégica no êxito do governo e fomos o partido da esquerda brasileira que mais cresceu. Nossa preocupação não é a participação quantitativa, mas qualitativa. Queremos ser ouvidos, participar das decisões, discutir projetos inovadores para a gestão pública que estamos desenvolvendo em estados e municípios e podem ser aproveitados pelo governo.

Valor: Mas o senhor não recebe pressão do partido para negociar mais espaço no governo?
Campos: Os seis governadores do PSB sabem o quanto é importante ter bons aliados quando se vai formar equipe porque. Se a gente transformar a montagem da equipe numa feira livre, não vai ter resultado. Fiquei muito feliz em ver Dilma colocar com todas as letras que vai apostar na gestão, exigir currículo, experiência e padrão de conduta de ministros, secretários executivos e diretores de empresa. A esquerda levou uma bandeira muito importante para a Constituinte, que foi o concurso público. Era uma aposta para acabar com o pistolão. Agora precisamos avançar e garantir a meritocracia também nos postos de gestão do serviço público.

Valor: E como se faz isso com o PMDB?
Campos: Quem tem que responder é Dilma, mas há quadros no PMDB que tiveram gestões consideráveis em prefeituras e governos estaduais. Agora, é preciso construir uma outra relação com os partidos. E não só com o PMDB, mas com o PT também e com todos os partidos da aliança. A regra não pode ser "leva cargo quem grita mais". A gestão pública tem que ser blindada. Por que um partido quer um fundo de pensão?

Valor: Como está o projeto da Frente Ampla em que o PSB teria uma participação importante?
Campos: O presidente Lula sempre defendeu uma tese que não tinha grande audiência em setores importantes do PT, PSB, PCdoB e PDT. Ele não entendia porque nós éramos tantos partidos. Por ele seríamos um só. Ele tem uma relação com todos os nossos partidos e muita intimidade com a tese, a história, os quadros e a direção dos partidos. Somos herdeiros de todo esse conjunto de partidos que, de certa forma, vem de três grandes origens — dos partidos comunistas, dos socialistas da esquerda democrática e dos trabalhistas. Apesar desse conjunto, a gente não construiu uma frente no estilo do que o Uruguai em outras circunstâncias históricas foi capaz. Isso está posto na mesa para ser discutido no médio e longo prazos.

Valor: Quem cabe nessa frente? A questão dos royalties do pré-sal, que tanto divide os aliados, está incluída?
Campos: A gente tem que definir com muita clareza o conteúdo que essa frente vai representar, para ver aí quem cabe e quem não cabe. A depender das teses que a frente carregue, caberão uns e não outros. Podemos fazer uma frente para enfrentar determinada situação. Se colocarmos temas mais complexos e chegarmos à conclusão de que não dá para ter frente e é melhor ter a vida própria de cada partido, as alianças eleitorais e os projetos dos governos.

Valor: Essa frente seria formada com os quadros da nova geração da política brasileira?
Campos: Essa renovação de quadros ainda não acontece na proporção que gostaríamos que ocorresse até porque a política foi ficando feia e afastando as pessoas de bem que encontraram outra forma de se realizar, de contribuir com a mudança. A gente não consegue animar jovens, trabalhadores, intelectuais e pessoas do povo para participar, disputar mandato e viver vida partidária.

Acho que está na hora de usar o voto, a imprensa livre e o debate público para ir limpando a política. Se o Brasil que estamos construindo está mudando de patamar na economia, também tem que mudar de patamar na política, senão não será possível garantir a continuidade desse processo de desenvolvimento e amadurecimento das instituições. Temos que ter a firme preocupação de encantar as pessoas.

Valor: O senhor teve participação muito decisiva na sustentação do governo ao longo das crises políticas dos últimos oito anos. Como o senhor acha que a presidente Dilma vai enfrentar as turbulências políticas que virão?
Campos: O governo terá que manter a mão firme na economia para não deixar que essas turbulências internacionais afetem esse bom momento do Brasil. Com isso você garante a satisfação de quem luta pela sobrevivência. Mas acho que a presidente também terá que conquistar os segmentos de classe média que se expressaram na votação da Marina Silva e que reclamam princípios republicanos na condução da máquina pública, de compromisso com a liberdade de imprensa e com a meritocracia.

Valor: O senhor fala em meritocracia e gestão. Esta é uma plataforma de esquerda?
Campos: Um Estado eficiente pode não ser inclusivo, mas para ter uma gestão mais inclusiva você precisa transformar o gasto ruim do custeio em gasto bom. Vai fazer a triplicação numa faixa de rodovia que poderia aguardar um pouco ou vai optar por uma creche para melhorar a qualidade da educação pública já na educação infantil e diminuir o grau de repetência? Você vai investir em saneamento para quem não pode pagar uma taxa que remunere a empresa que cuida do esgoto? Isso não é fundo perdido, é investimento. É escolher prioridades para a presença do Estado na vida de quem dele precisa.

Valor: Não será inevitável uma nova pressão sobre a carga tributária?
Campos: Fui o único governador que, nos últimos quatro anos, não aumentou nenhum tributo nem mandou projeto para a Assembleia nesse sentido. Sem vender nenhum patrimônio público, consegui investir em alguns anos quatro vezes a média de governos anteriores. E consegui aumentar o repasse de ICMS para municípios que alcançaram metas na educação e na segurança pública. Tem prefeito que conseguiu dobrar a receita de ICMS. A sustentação fiscal do município dele passa a depender da qualidade do serviço público. Isso muda a cabeça dos prefeitos. Hoje você abre o jornal e tem encontro de prefeito discutindo gestão. Copiamos experiências de consórcios de São Paulo, Minas e do Paraná para que os munícipios possam compartilhar a gestão de um hospital regional, por exemplo.

Valor: Não é uma gestão mais próxima do PSDB do que do PT?
Campos: O PT é o partido mais importante do Brasil. Ninguém pode pensar em fazer política sem o PT e sem reconhecer a importância do partido e de sua militância, mas nós nunca nos confundimos com o PT. Não compartilho de todos os seus amigos e também não sou obrigado a herdar todos os seus adversários.

Valor: O senhor talvez seja o governador mais próximo do Lula. O que o senhor acha que ele vai fazer fora da Presidência?
Campos: Vai tirar uns dias de férias e depois volta para montar o instituto. Está interessadíssimo em ajudar e 100% comprometido com o projeto Dilma. Vai viajar muito dentro e fora do país. E não quer voltar a disputar eleições. Está convencido de que dificilmente um presidente pode sair do cargo numa situação melhor do que a que ele está deixando agora.