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Rio de Janeiro avança no combate ao tráfico

Um dia depois da retomada do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, das mãos do crime organizado, a rotina no conjunto de favelas parece começar a voltar ao normal. O barulho dos blindados, as rajadas de tiros e o clima de guerra declarada — no último domingo, 28 — deram espaço a uma relativa tranquilidade nesta segunda-feira (29).

Na rua Joaquim de Queiroz, um dos principais acessos usados para entrada de saída de moradores, vários trabalhadores eram vistos descendo o morro por volta das 6h30. Muitas pessoas estavam trancadas dentro de casa desde sexta-feira (26), quando o confronto entre traficantes e autoridades se intensificou.

O comércio, que permaneceu fechado nos últimos dias por conta dos tiroteios entre policiais e traficantes, abriram as portas esta manhã.

Veículos blindados e membros das forças de segurança do Rio ainda podem ser observados fazendo rondas nas principais avenidas do complexo. A polícia continua vasculhando as cerca de 30 mil casas da região, à procura de armas e drogas abandonadas pelos traficantes em fuga.

Homens do Batalhão de Operações Especiais (Bope) passaram a madrugada posicionados em pontos estratégicos das comunidades. Segundo a cúpula da segurança pública do estado, a ocupação é por tempo indeterminado. A estratégia é tentar encontrar traficantes que possam estar tentando sair da comunidade disfarçados de moradores.

A deputada federal eleita Jandira Feghali (PCdoB-RJ), em entrevista ao Vermelho, declarou que considera positiva a operação deste final de semana — visou a recuperação pelo Estado de territórios dominados por bandos de traficantes e crime organizado.

“Pela primeira vez foi uma ação militar de combate aos traficantes integrada por várias instâncias, como a Polícia Militar do Rio de Janeiro e as Forças Armadas nacionais, sob comando estrito do poder público estadual”.

Ela ressaltou que as Forças Armadas aturam no apoio logístico da ação. “No caso do Exército, esta força ofereceu tropas cuja ação se restringiu ao cerco e ao controle das entradas e saídas do território em que se realizavam as operações. As operações propriamente ditas foram realizadas pela Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro”.

Apreensões e prisões

Um balanço parcial divulgado neste domingo (28) pela assessoria da Secretaria de Segurança do Estado do Rio estimou em cerca de 40 toneladas a quantidade de drogas apreendidas no primeiro dia de ocupação.

Pelo menos 50 fuzis foram encontrados, sendo nove deles de calibre ponto 30, capazes de abater aeronaves ou até de perfurar carros blindados. Dez mil munições de vários calibres também foram apreendidas.

Do total de drogas localizadas, a Polícia Civil contabilizou 13 toneladas de maconha, 200 kg de cocaína e 10 kg de crack. O restante seria por conta das apreensões feitas pela Polícia Militar.

Das centenas de traficantes escondidos, 20 foram presos e três foram mortos. De acordo com a polícia, os criminosos fugiram deixando armas e drogas.

Participação dos moradores

Os moradores do complexo de favelas tiveram um papel fundamental no sucesso da ação. A polícia registrou, nos últimos dias, milhares de telefonemas anônimos com informações sobre o paradeiro de traficantes e os locais que serviam de esconderijo para drogas e armas.

Segundo a deputada federal, o apoio da população foi uma das grandes conquistas da operação. “Antigamente a população tinha mais medo da policia do que dos traficantes e milícias, mas desta vez a população não apenas apoiou como colaborou”.

Jandira explicou ainda que a operação se desenrolou com inteligência e cautela para evitar que houvesse baixas na população. “De uma maneira geral a população foi beneficiada pela operação, não somente porque os criminosos foram desalojados da localidade, mas também porque acontecendo isto criam-se as condições para combater as milícias ilegais – que também são organizações criminosas”.

Mediação

O coordenador do Grupo AfroReggae, José Júnior — há 17 anos na mediação de conflitos nas favelas do Rio — e que tentou convencer traficantes cercados no complexo a se entregarem, afirmou que os criminosos estavam emocionalmente abalados e sem interesse de partir para o confronto. “Eu disse que a polícia tinha o interesse de prender todos vivos, sem confronto. Estavam conscientes do aparato militar. Foquei muito na vida e na morte. Disse que, se eles atacassem, iriam morrer. Fui falar das alternativas que tinham: se entregar ou se entregar”.

José Júnior aceitou a tarefa de mediador mesmo sabendo que havia se tornado alvo dos criminosos. Cartas apreendidas em agosto em um presídio no Paraná, destinadas a chefes do Comando Vermelho, pediam autorização para matá-lo. “No início me senti desmotivado a mediar por ser alvo. Minha ida lá foi porque os moradores me pediam o tempo todo, os traficantes me pediam também”.

Rocinha e Vidigal

No começo da noite deste domingo o secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, disse que a operação atingiu o coração do tráfico e que depois do Alemão, a polícia poderá ir às favelas da Rocinha e do Vidigal, ambas na zona sul.

“O Alemão era o coração do mal. É um local emblemático para todo o Rio de Janeiro, onde tínhamos a convergência de marginais, que lá se homiziavam. E se chegamos ao Alemão, nós vamos chegar na Rocinha, vamos chegar ao Vidigal.”

Exército

O governador do Rio, Sérgio Cabral, afirmou nesta segunda (29) que acertou com o Ministério da Defesa a permanência das Forças Armadas nos complexos de favelas do Alemão e da Penha durante os próximos três a sete meses. Os militares do Exército ficarão até que sejam instaladas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) na região.

Cabral disse que o acordo ainda é verbal, mas que as questões técnicas serão resolvidas e um documento, assinado.

A deputada do PCdoB-RJ também vê como algo positivo as declarações das autoridades de que, diferentemente de situações anteriores, afirmaram que as forças policiais não se retirarão dos territórios conquistados e ainda avançarão sobre outros. Neste sentido, ela elogiou a instalação das UPP’s que combinam a repressão ao crime com o fomento a políticas públicas.

Jandira acrescentou ainda que é necessário criar novas alternativas para a repressão e o combate dos financiadores do tráfico. “O principal problema no combate ao tráfico é a entrada de grandes quantidades de armas e drogas através das fronteiras terrestres, portos e aeroportos. É preciso combater aqueles que “lavam” ou “esquentam” o dinheiro que movimenta este lucrativo negócio. Não há combate aos financiadores do tráfico e aos bandos armados, que têm importantes vínculos políticos e institucionais e certamente não moram nas favelas nem nos morros”.

A deputada declarou que embora o governo estadual tenha dado passos positivos para sanear as corporações policiais do estado, ainda é grande a corrupção e a cumplicidade de setores dessas corporações com o crime organizado.

Repercussão internacional

A operação no Complexo do Alemão repercutiu internacionalmente. Jornais do mundo inteiro reservaram nesta segunda-feira espaço para a cobertura da ação contra o narcotráfico.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a operação foi um sucesso. No programa semanal Café com o Presidente, ele cumprimentou o governador do estado, Sérgio Cabral, e adiantou que deve visitar o local.

“Nós não sabemos ainda se todos os bandidos fugiram, se há muitos lá dentro, se estão escondidos. De qualquer forma, nós demos o primeiro passo – entramos dentro do Complexo do Alemão”, disse. “Eu quero reiterar hoje o que eu disse na sexta-feira: o que o Rio de Janeiro precisar para que a gente acabe com o narcotráfico, o governo federal está disposto a colaborar”, completou.

Da redação com agências