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Niko Schvarz: WikiLeaks, os Estados Unidos e o golpe em Honduras

As centenas de documentos descobertos pela WikiLeaks, que deixaram nua a diplomacia dos Estados Unidos, fornecem informações importantes sobre muitos aspectos da realidade internacional. Por exemplo, a postura dos Estados Unidos ante o golpe de Estado em Honduras.

Por Niko Schvarz

As redes americanas e outros meios de comunicação têm tentado diminuir o significado, argumentando que tudo já era conhecido, e se concentram na divulgação de medidas de perseguição empreendidas pelo governo de Washington contra Julian Assange. Mas foi revelada, sem máscaras, a conduta dos Estados Unidos diante de temas mais candentes da realidade internacional. Por exemplo, ante o golpe de Estado em Honduras.

Pudemos ler um extenso relatório do embaixador dos Estados Unidos em Tegucigalpa, Hugo Llorens, dirigido ao Departamento de Estado, na pessoa de Tom Shannon. O embaixador afirma categoricamente que o que aconteceu em 28 de junho de 2009 em Honduras foi um golpe de Estado e o ascenso subseqüente de Roberto Micheletti para a presidência interina foi completamente ilegítima. Interessa a transcrição textual: "A perspectiva da embaixada é que não há dúvidas de que os militares, a Suprema Corte e o Congresso conspiraram em 28 de junho (2009), no que constituiu um golpe de Estado ilegal e inconstitucional contra o Poder Executivo". Essa afirmação categórica é, então, atenuada pela consideração de que Zelaya "pode ter cometido ilegalidades." Mas, logo, de forma igualmente enfática sustenta que "o ascenso de Roberto Micheletti como presidente interino foi totalmente ilegítimo".

Essas declarações estão baseadas em uma análise dos argumentos apresentados pelos golpistas, resumidos nesses termos: "Alguns são diretamente falsos. Outros são meras suposições ou racionalizações ex posfacto* de um ato manifestamente ilegal ". Ele acrescenta que, de todas as condições para se substituir um presidente, não se cumpriu nenhuma. Ele conclui: "As ações de 28 de junho só podem ser consideradas um golpe de Estado pelo Poder Legislativo, com o apoio do Judiciário e dos militares, contra o Poder Executivo". Com a precisão de que se propunha eliminar o Poder Executivo por completo.

É a esta luz que deve ser julgada a conduta do governo dos Estados Unidos quando acolheu em sua base de Palmerola, em território hondurenho, o avião que levava ao exílio o presidente constitucional após o seu violento sequestro na madrugada; sua atitude na OEA para evitar a expulsão e o não reingresso de Honduras golpista ao organismo; e a sua atual ajuda militar e policial ao governo de Porfírio Lobo, surgido de uma eleição sob um regime de fato, como veremos a seguir.

É o que acaba de fazer o ex-presidente constitucional Manuel Zelaya, agora na qualidade de coordenador do Movimento Nacional Resistência Popular. Ele ressalta que esses documentos serão apresentados ao Tribunal Penal Internacional (TPI) e à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), onde os Estados violadores dos direitos humanos têm sido processados. Citando a máxima "À confissão de uma das partes, relevo de provas", afirma: "É evidenciada a cumplicidade dos Estados Unidos ao conhecer previamente o planejamento e a execução do golpe de Estado, e manter silêncio, assim como o seu conhecimento pontual de fatos posteriores. Ao mesmo tempo, revela-se a trama tecida contra a democracia que desacredita o regime atual. Agora, está claro que sempre souberam a verdade. Denunciamos inequivocamente a ingerência dos Estados Unidos nos assuntos internos de Honduras; hoje se confirmam todas essas ideias". Insiste nesse tema: "Os Estados Unidos estavam bem conscientes do golpe de Estado. O documento implica e responsabiliza os Estados Unidos que, conhecendo o direito, justifica e apoia os infratores. Apoiam o ditador a fazer eleições e, ainda atualmente, calam-se sobre a impunidade dos golpistas e se associam com eles ao querer branquear o golpe de Estado. Em Honduras, atualmente, com o apoio dos Estados Unidos, protegem-se os autores materiais e intelectuais do golpe, e aos violadores dos direitos humanos". Zelaya destacou que seu país se intensifica a repressão e assassinatos de jornalistas, camponeses e membros da resistência.

Por esses dias, visitou Honduras David T. Johnson, Secretário adjunto de Estado para Assuntos Internacionais de Narcótico, e se reuniu com o presidente de fato Porfirio Lobo e o Ministro da Segurança, Oscar Alvarez. Sua missão é implementar em Honduras a Iniciativa Mérida, que financia, equipa e treina forças policiais e militares na América Central e no México, supostamente para combater o tráfico de drogas. Mas organizações hondurenhas de direitos humanos argumentam que o crescente papel dos militares resultou em uma escalada da repressão política no país e exigem a cessação do auxílio ao exército e à polícia por parte do governo dos Estados Unidos.

*Termo do latim. Podemos traduzir o termo ex-post facto como "a partir do fato passado". Trata-se de um método de pesquisa científica, de investigação sistemática e empírica na qual o pesquisador não tem controle direto sobre as variáveis independentes, porque já ocorreram suas manifestações ou porque são intrinsecamente não manipuláveis.

Fonte: La Republica
Tradução: Luana Bonone