Marco Albertim: Cinco filmes da Mostra Cinema e Direitos Humanos
Kamchatka é um filme sobre violência, mas sobretudo uma lição de amor. Dá-nos a prova o casal vivido pelos atores Ricardo Darín e Cecília Roth. Em apenas uma sequência são vistos militares do golpe que pôs fim às liberdades na Argentina. No entanto, para furar o cerco dos militares, pai e mãe e dois filhos nutrem-se da estima em família de tal modo que salta da tela um ódio mudo à truculência dos milicos.
Por Marco Albertim
Publicado 09/12/2010 17:18
A narrativa prescinde de trilha musical, porquanto há nos dois principais personagens uma tensão tão vívida que induz o espectador ao transe. A rotina no sítio onde se escondem – periferia de Buenos Aires – é aparentemente prosaica, tem como pano de fundo a nada improvável invasão de algum esquadrão genocida.
O filho mais velho tem apenas dez anos, mas Marcelo Piñeiro – diretor e roteirista – dotou-o de voz em off para narrar a saga da família; como num diário, diz apenas que viu os pais da última vez quando ele e o irmão foram entregues aos avós; é a última sequência, tão poética quanto num romance.
Não se veem mortes, inda que sejam onipresentes; talvez esta seja a maior virtude do roteirista. São 103 minutos de tensão, interrompidos apenas numa raríssima comemoração em família, e num jogo de mesa entre pai e filho em que o ganhador, por meio de dados, se apossa de territórios fictícios – Kamchatka.
Ricardo Darín tem só 53 anos e já protagonizou mais de uma dezena de filmes, cuja temática é a defesa da integração social. Na 5ª Mostra Cinema e Direitos Humanos, Darín ressurge em mais três filmes: O filho da noiva, XXY e Abutres. No dizer do ministro Paulo Vannuchi, um tributo ao ator.
Perdão, mister Fiel, documentário de 95 minutos com a assinatura de Jorge Oliveira, esclarece a vida do operário Manoel Fiel Filho, morto sob torturas no DOI-CODI de São Paulo. Em preto e branco, com destaque colorido no foco da narrativa. Os momentos da prisão, do interrogatório e das torturas são vividos por atores improvisados; o mais alto é quando o torturador, por telefone, informa ao chefe que o torturado virara “omelete.”
Nos depoimentos, destaca-se o do ex-analista do DOI, Marival Chaves. Conforme ele, os coronéis do Exército, Curió, Carlos Alberto Brilhante Ulstra, Ênio Silveira, bem como o general Milton Coelho, já falecido, têm em arquivo as operações militares que resultaram na morte de presos políticos. Informa também que a chacina da Lapa – integrantes do PCdoB metralhados em São Paulo – foi precedida pela delação de Manoel Jover Teles, militante egresso do PCBR.
João Batista Drumond, preso no mesmo episódio, “ferido a bala e levado para o DOI, atirou-se do 2º andar para fugir, e morreu.” E ainda que Antonio Carlos Bicalho Lana e Sonia de Moraes Angel Jones foram vítimas de “tiro ao alvo” por parte de agentes do DOI.
Marival Chaves, “depois de 22 anos de trabalho”, pediu demissão e “a muito custo” obteve o afastamento por discordar dos métodos então usados. Não teve direito a qualquer remuneração. Há depoimentos de Luiz Inácio Lula da Silva, do deputado Roberto Freire e do jornalista Audálio Alves, autor de Tirando o capuz.
A batalha do Chile II – O golpe de Estado é outro documentário, parte da trilogia que foca o golpe militar no Chile. Tem 90 minutos e foi coproduzido por cineastas cubanos, venezuelanos e chilenos. Em preto e branco, ressalta a mobilização popular nas ruas pela criação do “poder popular”, e a divisão entre os vários segmentos da esquerda. A conspiração da direita com o financiamento da CIA à greve dos transportes de alimentos; e o acumpliciamento do Partido da Democracia Cristã. Uma lição de história.
A verdade soterrada destaca depoimentos de vítimas do terrorismo de Estado no Uruguai. Tem 56 minutos e foi coproduzido por cineastas brasileiros e uruguaios. Tem a assinatura de Miguel Vassy, responsável também pela fotografia colorida. A narrativa põe em relevo a importância do resgate dos fatos, a punição dos criminosos.
Em Rosita não se desloca, Alessandro Acito e Leonardo Valderrama – Colômbia e Itália – mostram em 52 minutos, a difícil rotina dos desplagados, populações cujos sítios ou terras são tomados por paramilitares. O cenário em Bogotá é de praças ocupadas por refugiados, sofrendo também com o descaso do Serviço de Assistência Social do governo.
A 5ª Mostra exibe 41 filmes, incluindo documentários e ficções. Ano passado, teve um público de mais de 20 mil pessoas. A expectativa é de que o número dobre este ano.