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Demanda sobe três vezes acima do PIB, e indústria cai

O Brasil voltou a registrar, no terceiro trimestre de 2010, um crescimento ancorado no consumo das famílias, cujo ritmo foi três vezes superior ao do restante da economia. Enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) avançou 0,5% entre o segundo e o terceiro trimestres, feito o ajuste sazonal, a demanda das famílias registrou alta de 1,6%. Projetados para 12 meses, o PIB cresceu no ritmo de 2% e esse grupo de consumo, 6,5%.

A queda de 1,6% no PIB da indústria de transformação e o forte aumento de 7,4% das importações na mesma comparação trimestral reforçam esse descompasso. A percepção de uma piora na qualidade do crescimento brasileiro foi suavizada pelo aumento expressivo do investimento. Os investimentos (medidos pela formação bruta de capital de fixo, que olha a demanda por máquinas e equipamentos e construção civil ) ainda cresceram mais que o consumo das famílias. A alta foi de 3,9%, mas com ela a distância entre o investimento e o consumo das famílias diminuiu e passou de 3,4 pontos percentuais entre abril e junho, para 2,3 pontos entre julho e setembro.

Para alguns economistas, o modelo desenhado no terceiro trimestre (forte demanda das famílias, alimentada por importação) vai ser a marca do quarto trimestre e também de 2011. Para outros, o quarto trimestre já trará sinais de retomada da produção industrial e os investimentos continuarão crescendo acima da demanda das famílias. Para este ano, a maior parte dos analistas revisou suas estimativas de PIB para um percentual entre 7,5% e 7,7%, apostando em uma alta em torno de 1% neste quarto trimestre em relação ao terceiro, com ajuste sazonal.

As despesas de consumo da administração pública, que tinham sido importantes no segundo trimestre, ao passar por expansão de 1,9%, ficaram estáveis no terceiro, com avanço zero. Assim, a demanda foi principalmente sustentada pelo consumo das famílias e os investimentos, se opondo às fortes quedas do lado da oferta na indústria de transformação, construção civil e agropecuária – 1,6%, 2,3% e 1,5%, respectivamente.

"Essa recuperação no ritmo, então declinante, do consumo das famílias no terceiro trimestre é claramente uma reversão, especialmente porque ocorre sobre incremento das importações, e não da indústria nacional", diz José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. Para Gonçalves, o terceiro trimestre representa não um período de transição, mas uma tendência, ainda que os resultados da indústria melhorem um pouco a partir de 2011. "A redução de estoques, realizada no terceiro trimestre, vai incentivar a indústria a aumentar a produção, mas o câmbio é central para qualquer estimativa futura. Como não há nenhuma desvalorização relevante no cenário de curto prazo, não é possível estimar uma indústria se recuperando com força", raciocina ele.

A indústria, que registrara avanços trimestrais superiores a 3,5% entre julho de 2009 e março de 2010, e crescera outros 2% no segundo trimestre deste ano, aproveitou o período entre julho e setembro para desovar os estoques formados no período de aquecimento da economia.

Para Fernando Rocha, economista da JGP Gestão de Recursos, a produção industrial, que patina desde abril, deve registrar crescimento "forte" em novembro, iniciando recuperação que será refletida com avanço de até 1% no quarto trimestre. Segundo ele, a indústria passou por um trimestre de ajustes, o que, ao lado de um consumo sustentado por emprego, salários e crédito em alta, permitiu às importações registrarem, na comparação anual, o maior salto desde o segundo trimestre de 1995.

Numa série levantada por Rocha, iniciada em 1992, o crescimento de 40,9% nas importações verificado no terceiro trimestre de 2010 sobre igual período de 2009 só foi inferior aos 55,7% registrados no segundo trimestre de 1995, quando a economia sentia os reflexos imediatos do Plano Real. Sem as importações, o crescimento do PIB no terceiro trimestre em relação a igual período de 2009 teria sido de 10,3% e não os 6,7% registrados pelo IBGE, segundo estimativas da Tendências Consultoria.

Para Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Santander e ex-diretor do Banco Central, o PIB do quarto trimestre tende a ser mais equilibrado. Enquanto o segundo trimestre registrou o ajuste no consumo das famílias, inflado até então pelos incentivos fiscais, o terceiro, avalia ele, marcou o ajuste da indústria. "É natural que as importações cresçam, faz parte do jogo. Sempre que o país cresce mais, como ocorre agora, aumentamos as compras externas", diz ele, para quem as importações estão ajudando a "evitar" que o PIB atinja seu ritmo pleno.

O terceiro avanço trimestral consecutivo em torno de 4% da formação bruta de capital fixo (FBCF), que representam os investimentos em máquinas e equipamentos e construção civil, sinalizam que capacidade de produzir da indústria, em 2011, será maior, avalia Bernardo Wjuniski, economista da Tendências Consultoria. A taxa de investimentos, que representou 19,4% do PIB, no terceiro trimestre, foi toda calcada na compra de máquinas (nacionais e importadas), pois o setor de construção civil registrou queda no período.

Para Wjuniski, uma recuperação da indústria "está contratada" e deve ficar clara já neste quarto trimestre. A composição do PIB, ainda assim, não é boa. "Não é que a composição piorou, ela já está muito ruim há muito tempo", afirma o economista, para quem o incremento das importações ocorre apenas para complementar a oferta nacional, que não dá conta da demanda – que engloba os investimentos e o consumo das famílias, justamente os fatores que apresentaram alta. O setor de serviços manteve a desaceleração iniciada no primeiro trimestre, registrando avanço de 1% entre julho e setembro, em relação aos três meses anteriores.

Fonte: Valor