Valton Miranda – Fim do Capitasso

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Desde a eleição de Tasso Jereissati para o governo do Ceará em 1985, comecei a fazer um exame da sua atuação política em vários artigos utilizando o termo Capitasso. O objetivo era mostrar que a nova configuração política nascida do Movimento Pró-Mudanças reunia elementos do capitalismo neoliberal, então em ascensão, com uma prática política marcada por características personalísticas oriundas do antigo coronelismo. Naquele momento, parte da esquerda cearense ajudou na eleição de Tasso, enquanto outro setor organizado na coligação PT/PSB lançou candidatura de oposição. Isso foi fundamental para marcar duas visões políticas diferentes, tanto da perspectiva econômica quanto sociopolítica, que logo entrariam em choque, opondo a prefeita de Fortaleza Maria Luiza Fontenele e o governador Tasso Jereissati. As contradições do processo, entretanto eram grandes, pois o Capitasso representava no Ceará um avanço diante da economia engessada pela ditadura militar nos estertores.

O governo Tasso continuando na trilha de Virgílio Távora praticou uma política desenvolvimentista trazendo novas indústrias para o Estado, melhorando o sistema fiscal e modernizando a máquina governamental. Isso se dava concomitantemente com uma prática política autoritária e punitiva contra movimentos sociais como o MST, relacionamento inamistoso com os sindicatos, marcando uma nítida fronteira entre direita e esquerda no funcionamento político. O tassismo foi assumindo características do movimento político denominado Cambeba, com posturas pouco flexíveis e muitas vezes arrogantes. A tendência a personalizar a política se acentuou de tal modo que contaminou seus partidários, seja no PMDB ou no PSDB, levando-os a utilizar inclusive uma indumentária grife. Os tassistas praticamente se vestiam do mesmo modo como que marcando pela camisa o prestígio político e a condição social elitizada. A publicidade conseguiu esconder esse componente, procurando ressaltar as inegáveis qualidades de lideranças de Jereissati e tornando seus olhos azuis uma marca positiva de bonança. A questão política maior subjacente, entretanto, fez com que parte da esquerda que estava no seu governo se retirasse, enquanto o tassismo assumia por inteiro sua articulação neoliberal capitalista. Evidentemente que numa região pobre como a nossa só se pode fazer política de esquerda nas fissuras deixadas pelo mercado capitalista, mas o Capitasso bloqueava exatamente tais brechas. O exemplo inverso, guardadas as proporções, é o governo Lula que incrementou muitíssimo o seu braço social.

O ciclo político do Capitasso precisa ser analisado como processo histórico dentro da conjuntura regional e nacional. A modernização capitalista nordestina vem acontecendo desde meados do século passado, superando o extrativismo e formas feudais de relações de produção, atingindo principalmente nas áreas urbanas, algo como uma modernidade. Isso ocorre concomitantemente com a manutenção da cultura sociopolítica do período coronelístico. Dessa forma, o tassisimo combinava o impulso modernizante com o anacronismo político travestido de novidade.

A contundente derrota de Tasso Jereissati não deve simplificadamente ser atribuída à força do lulismo, mas ao enfraquecimento gradual de um sistema que privilegia uma liderança forte, porém pouco flexível, que impossibilita a vida coletiva partidária e a formação de novos quadros políticos. Tal estrutura política derrotada na Bahia de ACM parece indicar o fim da cultura do compadrio coronelístico. O romantismo de pretender atribuir à ingratidão dos antigos aliados Ciro e Cid a derrota de Tasso, é o desconhecimento do processo histórico-político, privilegiando a atuação de atores iluminados nas rupturas normais do desenvolvimento histórico.

O enfraquecimento do privativismo neoliberal está determinando a superação do político-empresário-carismático independentemente das suas qualidades pessoais. O fim do Capitasso é possivelmente o término de um ciclo econômico-político necessário, superado pelo processo histórico.

Valton Miranda Leitão é médico psicanalista

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