Lungaretti: Anistia não beneficiou torturadores, decide OEA
Foi exemplar a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (vinculada à OEA), que, 15 anos após a apresentação a denúncia por parte de ONG's defensoras dos DH, finalmente condenou o Brasil pelo "desaparecimento forçado" de 62 inimigos da ditadura militar, assassinados durante a repressão à guerrilha do Araguaia, na década de 1970.
Por Celso Lungaretti*
Publicado 15/12/2010 15:43
Sabe-se que muitos foram aprisionados com vida e covardemente executados tendo as forças repressivas dado sumiço nos seus restos mortais.
Além desses 62 guerrilheiros seguramente mortos, a Corte afirmou existirem pelo menos mais oito desaparecidos no confronto.
De acordo com a sentença:
• contrariamente à aberrante decisão do Supremo Tribunal Federal, a anistia de 1979 não desobriga o Estado brasileiro da apuração desses casos, pois suas disposições "carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação", "nem para a identificação e punição dos responsáveis" pelas mortes;
• a Lei de Anistia também não garante a impunidade dos responsáveis por "outros casos de graves violações de direitos humanos" durante a ditadura de 1964/85;
• o Estado brasileiro é "responsável pelo desaparecimento forçado" dos guerrilheiros mortos;
• deverá, portanto, promover uma investigação sobre os desaparecimentos, "a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei preveja";
• também lhe cabe desenvolver "todos os esforços" para encontrar ossadas dos combatentes, realizar um "ato público de reconhecimento de suas responsabilidades" e criar "um programa ou curso permanente e obrigatório sobre direitos humanos", dirigido a "todos os níveis hierárquicos das Forças Armadas".
Finalmente, a sentença estimula a implementação da Comissão Nacional da Verdade, proposta do Programa Nacional dos Direitos Humanos que até agora não saiu do papel.
O Itamaraty confirmou que, pelas regras do direito internacional, o Brasil, na condição de signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, é obrigado a cumprir a decisão.
Já o ministro da Defesa Nelson Jobim, manifestando-se sempre como representante da caserna e não do governo, levantou a possibilidade de o Brasil invocar a Lei de Anistia para continuar acobertando os culpados.
Ou seja, agora está também na contramão do Direito internacional, comprovando que sua manutenção na Pasta foi a pior de todas as escolhas ministeriais de Dilma Rousseff.
Quanto ao STF, ficou com a imagem em cacos, ao receber um puxão de orelhas explícito de uma corte internacional. Suas presidências reacionárias — a anterior e a atual — o desmoralizam e nos desmoralizam aos olhos do mundo.
Na prática, a morte chega antes
Mesmo que, em termos práticos, a decisão tenha vindo tarde demais para que os homicidas e torturadores venham a ser efetivamente punidos — os remanescentes estão no fim da vida e tendem a beneficiar-se da morosidade e infinitos recursos protelatórios possibilitados pela Justiça brasileira –, pelo menos a página da História será virada como se deve, com os culpados inculpados e as vítimas reconhecidas.
Quem sentir-se futuramente tentado a incorrer nas mesmas práticas hediondas e genocidas, vai estar sabendo que, já existindo um entendimento definitivo e inequívoco da questão, será grande a possibilidade de receber em vida o merecido castigo.
E que teses falaciosas como a da contrarrevolução preventiva e a da anistia recíproca jamais prevalecerão no longo prazo, acabando por ser varridas juntamente com o restante do entulho autoritário.
* Celso Lungaretti é jornalista, escritor e ex-preso político
Fonte: Náufrago da Utopia