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Austrália: aborígenes criam partido para defender seus direitos

Mais de quarenta anos depois que os aborígenes obtiveram o status de cidadãos, a Austrália deverá em breve ter seu primeiro partido político autóctone. O partido das First Nations (“primeiras nações”) acaba de ser formado, por iniciativa de Maurie Ryan, um ativista aborígene. Segundo Ryan, 2 mil pessoas pediram para se tornar membros do partido. A comissão eleitoral deverá registrá-lo oficialmente em janeiro.

Esse novo partido político manifesta o descontentamento de muitos aborígenes frente aos dois principais partidos, os liberais e os trabalhistas, acusados de não se preocuparem o suficiente com o destino dos primeiros habitantes do continente.

Até hoje, os autóctones permaneciam à margem do mundo político. Existem alguns parlamentares autóctones nos Estados australianos, mas foi preciso esperar as eleições federais, neste ano, para ver o primeiro deputado aborígene, Ken Wyatt, entrar na Câmara dos Representantes.

“Estamos decepcionados com os dois partidos, que não fazem o suficiente por nós, e que não escolhem candidatos aborígenes para as eleições. Existem partidos autóctones no mundo inteiro, é hora de termos um aqui também para nos representar”, alega Ryan, originário da nação Gurindji, no Território do Norte.

Ele terá muito trabalho pela frente, pois os aborígenes australianos representam a comunidade mais desfavorecida do país. Desemprego e problemas ligados ao alcoolismo corroem a população e, nas áreas isoladas do Território do Norte, as condições de vida às vezes são dignas do Terceiro Mundo. Resultado: segundo a Agência de Estatísticas, a expectativa de vida dos aborígenes é 10 anos menor que a média nacional. E embora os indígenas representem somente 2% da população, eles compõem quase um quarto da população carcerária. “Nós queremos falar sobre os problemas do emprego, da moradia, da saúde. Mas também de direitos fundiários e da soberania”, comenta Ryan.

Na linha de mira do partido, estará sobretudo a “Northern Territory Intervention”, uma grande operação implantada pelo governo liberal em 2007, e continuada desde então pelo governo trabalhista. Esse texto, aprovado após a publicação de um relatório que revelava casos de abusos sexuais em crianças das comunidades aborígenes, deveria solucionar problemas de violência e de abuso de álcool.

Em dezenas de comunidades autóctones do Território do Norte, a população foi proibida de ter álcool ou material pornográfico. Além disso, as bolsas de auxílio às famílias foram colocadas sob tutela. É o caso em Kalkaringi, onde vive Maurie Ryan. “É a lei mais racista de todos os tempos. Ela deve ser abandonada. Essa colocação sob tutela dos auxílios a todas as famílias, sem exceção, tenham elas problemas ou não, é profundamente injusta”, comenta. Além disso, a intervenção foi considerada discriminatória pela ONU.

Embora não se espere que ele vá conseguir muitos votos nos centros urbanos, o partido aborígene poderá levar até 20% dos votos na Austrália Central, segundo analistas. “Houve um grande movimento de desinteresse em relação aos trabalhistas nas últimas eleições, sendo que os aborígenes tradicionalmente votam neles. Isso deixa um lugar potencial para esse novo partido”, acredita Rolf Gerritsen, professor da Universidade Charles Darwin e especialista no Território.

Com o sistema eleitoral de transferência de votos em favor dos grandes partidos, poderá haver uma pressão por parte desse novo partido junto aos pesos-pesados da política australiana. Maurie Ryan quer apresentar candidatos para as eleições regionais em 2012.
Tradução: Lana Lim

Fonte: Le Monde