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Ismael Ivo, o embaixador da dança brasileira

No dia 2 de dezembro, Ismael Ivo foi condecorado, em Brasília, com a Ordem do Mérito Cultural. Antes dele, em 2005, o Ballet Stagium havia recebido a mesma homenagem "pelas relevantes contribuições à cultura brasileira" – como consta no seu certificado.

O estranhamento, no caso de Ismael Ivo, está no fato de que, vivendo na Alemanha desde 1986, não tem participado do desenvolvimento da dança brasileira. O título recebido possivelmente celebra o imenso sucesso de um brasileiro que venceu no exterior de uma forma inédita.

A história de Ismael Ivo começa em Vila Ema, bairro da zona leste da cidade de São Paulo, e muda de rumo quando o coreógrafo e diretor norte-americano Alvin Ailey (1931-1989) o descobre, em 1983, em Salvador, dançando Rito do Corpo em Lua em uma das históricas Oficinas Nacionais de Dança Contemporânea que Dulce Aquino comandava na Universidade Federal da Bahia.

A convite de Ailey, foi para a sua escola, em Nova York. Pouco depois, surgiu a oportunidade de mostrar o mesmo solo no Teatro La Mamma. Com seu 1,83 m e uma presença cênica imponente, desponta como solista internacional, iniciando uma carreira que já havia sido anunciada em 1982, quando participara do show de Arrigo Barnabé no Berlim Jazz Festival.

Ismael Ivo deu certo em tudo o que se propôs fazer. Foi o primeiro bailarino brasileiro e negro a ser convidado a dirigir um teatro estatal na Alemanha, o de Weimar. Em Viena, em 1988, criou, juntamente com Karl Regenburger, o ImPulzTanz, hoje considerado o maior festival de dança contemporânea de toda a Europa. Nos últimos sete anos, ocupa o cargo de diretor da Bienal de Dança de Veneza – superando o recorde de permanência de Carolyn Carlson, que a comandou por quatro anos.

Circula entre os vips da dança porque é um deles. Fala afetuosamente de seus amigos William Forsythe, Jiri Kylian, Ushio Amagatsu (do Sankai Juku), Anne Teresa de Keersmaeker, Wim Vandekeybus e de muitos outros de igual celebridade.

Depois de tantos presentes que a vida lhe deu, tomou uma atitude que talvez venha a explicar, no futuro, a honraria que acaba de receber. Em entrevista ao Estado, no Teatro Castro Alves, em Salvador, duas semanas antes da estreia de sua criação para a companhia da casa, À Flor da Pele, ocorrida em dezembro, declarou que 2011 será o ano em que fará do Brasil o tema da Bienal de Dança de Veneza.

"Como além de fundador sou também o diretor artístico do ImPulzTanz, tenho a oportunidade de acompanhar os caminhos que a dança vem tomando em boa parte do mundo, e acredito, por intuição, que a próxima virada vem da América do Sul e da Ásia, que é desses lugares que vai brotar um outro tipo de química na dança. Foi isso que me fez reunir o time que montei na Bienal e contar que queria centrar nossa edição de 2011 no Brasil."

Os planos estão sendo desenvolvidos em parceria com o Sesc São Paulo e incluem levar ao menos duas companhias brasileiras para Veneza e trazer para cá a obra que Ismael Ivo criará para a abertura do Festival com os 20 bailarinos que participarão por quatro meses do programa educativo que Carolyn Carlson criou por lá. Dentre eles, cinco são brasileiros e foram escolhidos depois de três dias de audição, em novembro. A banca da audição foi composta por Marina Guzzo, Susana Yamauchi e o próprio Ismael Ivo.

Com essa ação, Ivo parece voltar às suas origens humildes, pois a seleção teve como critério escolher dentre bailarinos ligados a projetos sociais. Os cinco brasileiros que se apresentam no dia 15 de janeiro em Veneza são: Cristian Rebouças da Silva e Leonardo Magalhães Muniz (Projeto Axé – Salvador), Flávio Arco Verde (do projeto social de Débora Colker – Rio de Janeiro), Felipe Vian (Votorantim – SP) e Lucas Saraiva (Corpo Cidadão – São Paulo). Receberão uma bolsa de estudos até maio, quando estreiam o espetáculo.

Para Ismael Ivo, dançar tem um sentido diferente hoje. "Não se pode ignorar a complexidade do que existe por aí. Vivo pelo mundo e é muito prazeroso poder trazer de volta um pouco do que recebi. Nesse meu momento, quero me colocar como um embaixador de um país que tem muito a ensinar sobre a dança como fator de recuperação social. Nós, aqui no Brasil, vivemos em constante estado de reinvenção. Eu tenho o espírito do antropófago que não utiliza apenas as informações sedimentadas porque sabe que deve se manter em uma transformação permanente."

Tomara que nosso "embaixador" esteja somente iniciando um fluxo de intercâmbio para a dança brasileira e que ele possa se expandir também em outras direções. Assim, a sua comenda ganhará um outro sentido, mais próximo do modo como agora ele próprio se vê: "Com toda a minha experiência, para todo o sempre, sou Macunaíma."

Natural de São Paulo, ele morou em Berlim entre 1985 e 1996. Colaborou com os coreógrafos Johann Kresnik, alemão, e Ushiu Amagatsu, japonês, entre outros. Criou peças especialmente para Marcia Haydée, musa do Ballet Stuttgart. É o mais longevo diretor do Festival Internacional de Dança Contemporânea da Bienal de Veneza.

Com O Estado de S. Paulo