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As relações atuais entre a Líbia e a Europa

Há poucos meses, o governo italiano doou uma lancha rápida para que o governo líbio pudesse controlar melhor a emigração ilegal de africanos no continente europeu. E durante as noites dos meses de setembro, a guarda costeira líbia trabalhou junto da polícia italiana que deu “consultoria técnica”. Para o ministro do Interior do governo italiano Roberto Moroni, nenhum motivo para comoção. Mas o que há por trás disso ?

No dia 22 de novembro passado, realizou-se na capital da Líbia, Trípoli, o Terceiro Encontro de Cúpula entre a União Europeia e a União Africana. O anfitrião do encontro foi Muammar al-Gadhafi, líder da luta contra o colonialismo; antigo arqui-inimigo dos Estados Unidos da América; provável incentivador – nos anos 1980 – de um atentado a bomba em uma discoteca de Berlim , e de outros atentados contra as potências capitalistas; alvo de um atentado terrorista aéreo americano, além de apoiador de muitos grupos rebeldes. Hoje, o presidente da Líbia é um aliado do Ocidente na luta contra a Al-Qaida e parceiro da União Europeia. A intenção da União Europeia é que a Líbia seja um parceiro comercial confiável, e contribua para barrar os fugitivos e emigrantes que tentem entrar ilegalmente na Europa.

O degelo entre a Líbia e os países ocidentais começa logo após o ataque da Al-Qaida de 11 de setembro de 2001. Gadhafi, que até esse momento era alvo de sanções europeias e americanas, condena os que realizaram o atentado como “combatentes hereges de um Islã político”. Ele fazia isso não apenas por razões táticas. Para ele, o fundamentalismo religioso é um horror, visto por ele como uma ameaça ao seu poder. Na “guerra contra o terror”, Gadhafi encontra-se de repente ao lado do Ocidente. Dois anos mais tarde, quando ele interrompe todo o programa para a fabricação de armas de destruição em massa e consigna mais de 2 milhões de dólares como reparação pelo atentado aéreo de Lockerbie, as sanções são suspensas. Após décadas de isolamento, a Líbia movimenta-se no plano exterior. De lá para cá, o país mudou radicalmente do ponto-de-vista econômico. A pergunta é: Muammar al-Gadhafi também teria mudado ?

Em 2007, o governo líbio assina com a Comissão da União Europeia um “Memorando de Entendimento” – uma declaração de intenções para um acordo básico -, prevendo que a nova cooperação entre a Europa e a Líbia deve se dar sob uma base jurídica de caráter vinculativo. O objetivo seria o fortalecimento das relações entre a Europa e a Líbia.

No plano internacional, há uma queixa de que uma política externa comum baseada na norte-americana é sempre minada pela ação nacional unilateral dos demais países ocidentais. Porém, no caso da Líbia, indaga-se se não ocorreria uma tal política internacional comum, ou se a maioria dos Estados não estariam seguindo o curso prescrito por cada nação. No que diz respeito às relações com o governo líbio, a representação permanente da Alemanha junto à União Europeia afirma que: “nós não fomos os principais impulsionadores” desta aproximação, mas sim a França, a Espanha, Malta e Chipre. A Alemanha teria apenas acompanhado o tal processo à margem. Mas, acrescenta a representação: “O que a União Europeia faz, nós podemos respaldar.”

Sabe-se que o principal impulsionador é a Itália. Mas se a sua política é ou não considerada aceitável, será matéria de exame do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. “Mais gás, mais gasolina, menos imigrantes ilegais” – com essas palavras, o presidente Sílvio Berlusconi explicou a sua política em relação à Líbia. O procedimento de Berlusconi é menos uma ofensiva do que uma reação frente a temas polêmicos no interior da União Europeia: o tratamento em relação aos imigrantes ilegais e aos fugitivos. Desde que os membros da Comunidade Europeia – sobretudo sob pressão da Alemanha – chegaram a um acordo prevendo que o encaminhamento de pedido de asilo deve ser feito no país europeu pelo qual o candidato entrou na Europa, o problema dos refugiados foi literalmente empurrado para a margem do continente.

As consequências são visíveis na catastrófica situação dos campos de candidatos a asilo, econômico ou político, na Grécia, que sequer está em condições de oferecer o mínimo de ajuda humanitária decente e de encaminhar os pedidos de concessão de tal direito. Assim como em Malta e na ilha de Lampedusa aonde chegavam milhares de navios com fugitivos que passavam pela Líbia.

Enquanto isso, os campos de recepção na Itália esvaziaram-se claramente. Por que? Porque a Itália – em parte com a ajuda logística da agência europeia de fronteira Frontex, e em cooperação com a guarda de fronteira líbia -, passou a reter os navios de fugitivos em alto-mar e reenviá-los para a Líbia. E o que acontece com eles nesse país ? Entre outras coisas: o envio para prisões com celas superlotadas, subalimentação, deslocamento em containeres sem janelas até a fronteira entre a Líbia e o Sudão – onde muitos são vendidos a traficantes de seres humanos.

Em agosto de 2008, em um “Acordo de Amizade e Cooperação” entre o governo italiano e o governo líbio, a Itália desculpou-se por todos os crimes cometidos na Líbia durante o período colonial e assumiu o compromisso de pagar uma indenização no valor de 5 bilhões de dólares nos próximos 25 anos. Em troca, Roma recebe da Líbia petróleo e gás, além de ajuda na “luta contra a imigração ilegal”. Desde então, Gadhafi visita regularmente a Itália, e as empresas estatais líbias adquiriram ações da Fiat, do UniCredit-Bank e do clube Juventus de Turim. Além disso, Gadhafi passou a exigir da Europa mais dinheiro para protegê-la “da invasão de africanos famintos e ignorantes”.

Em 4 de outubro de 2010, a União Europeia assina com o governo líbio outro acordo sobre “a cooperação na política de imigração”. A Comunidade Europeia pretende investir na Líbia cerca de 50 milhões de euros, entre outras coisas em projetos para melhorar a vigilância das fronteiras do país e a assistência aos imigrantes ilegais.

A política de imigração da Comunidade Europeia, segundo a análise do próprio Conselho Europeu das Relações Exteriores, teria prejudicado a imagem do continente em relação a temas como democracia e direitos humanos. E isso ocorre em um momento em que países como a China, a Rússia ou o Irã aumentam o seu questionamento sobre a posição europeia nessas questões. Em resumo, também nesse terreno a Europa perde poder e autoridade.

Fonte: Die Zeit
Tradução do alemão por Luciano C. Martorano