Em documento inédito, Prestes atribuiu ao exército força da URSS

Exilado em Moscou nos anos 30, o líder comunista Luiz Carlos Prestes (1898-1990) relacionava a sobrevivência do regime comunista na URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) à força do Exército Vermelho. A conclusão está em esboço de artigo destinado possivelmente à imprensa comunista, onde Prestes previa, em 1934, que o aparato militar seria a "grande garantia da política de paz da URSS" e contra a invasão de forças estrangeiras ao que chamava de "Pátria do proletariado".

O documento integra um lote de manuscritos de Prestes recentemente entregues pelo governo russo ao Brasil e obtidos com exclusividade pela Folha.

"O Exército Vermelho, como arma do proletariado no poder, […] é um dos grandes fatores que vão auxiliando o proletariado de todo o mundo na luta que sustenta contra a guerra imperialista e contra o ataque à Pátria do proletariado", escreveu.

A análise de Prestes se mostraria correta à luz dos fatos que ocorreriam na Segunda Guerra Mundial (1939-45), quando Adolf Hitler mandou tropas invadirem a URSS em junho de 1941.
A invasão nazista rompeu o pacto Ribbentrop-Molotov, acordo secreto de não agressão estabelecido entre Joseph Stálin e Hitler, em 1939.

Depois, o Exército Vermelho venceria a histórica batalha de Stalingrado contra os nazistas, marcando o início de uma contraofensiva que conduziria os russos à tomada de Berlim (1945) e seria fundamental para a vitória dos países aliados.

Na Segunda Guerra, a URSS lutava com os aliados -EUA, Inglaterra e França- contra os países do Eixo -Alemanha, Itália e Japão. Historiadores afirmam que a marcha do Exército Vermelho rumo à Alemanha deu a Stálin a vantagem definitiva para delimitar esfera de influência soviética. 

O manuscrito de Prestes é do final do seu primeiro exílio na URSS (1931-34), período em que suas atividades são pouco conhecidas. Ele só retornaria ao Brasil no ano seguinte para comandar a fracassada tentativa de derrubar Getúlio Vargas do governo na década de 30. 

Líder criticou Forças Armadas 'capitalistas'

Ex-oficial e expoente do tenentismo, Luiz Carlos Prestes foi proscrito do Exército com a reputação de grande estrategista. A fama de estrategista se devia aos feitos do comunista na Coluna Prestes, movimento político-militar de oposição aos governos da década de 1920. Durante a coluna, que marchou 25 mil km pelo país, Prestes acumulou vitórias militares sobre as forças dos governos.

De acordo com o manuscrito de 1934, Prestes vê no Exército Vermelho a abolição das classes sociais, um dos mantras do discurso comunista no século passado. 

"Comandantes e soldados são, no Exército Vermelho, companheiros que trabalham e lutam, cada um em seus postos, lado a lado, em defesa das conquistas da Revolução", anotou.
Prestes criticou as Forças Armadas latino-americanas que conhecia muito bem.

"Nos exércitos capitalistas os soldados são tratados como animais pela casta privilegiada dos oficiais; para estes todas as vantagens, para aqueles todas as misérias."
Em seguida, cita exemplos que alega ter visto na Bolívia, primeiro país em que se exilou após a Coluna.

"Com diferença de detalhes [do caso boliviano], o mesmo passa em todos os outros países da América do Sul, Brasil, Argentina, Chile, Paraguai", escreveu o líder comunista.

Publicado no jornal Folha de São Paulo, de 16 de janeiro de 2011