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Araguaia: desaparecidos políticos podem estar vivos, diz governo

Pela primeira vez em quase 40 anos após a Guerrilha do Araguaia e mesmo depois de já ter pedido perdão, em nome do Estado, aos familiares de mortos e desaparecidos no conflito, o governo investiga se estão vivos cinco guerrilheiros do PCdoB considerados oficialmente desaparecidos políticos. Com base em depoimentos e relatórios, o governo insinua que eles teriam sido “poupados” pelos militares.

No final de outubro passado, a juíza federal Solange Salgado atendeu a ofício do Ministério da Defesa e da Advocacia-Geral da União (AGU) e determinou à Polícia Federal que tente localizar Hélio Luiz Navarro, Luis René da Silveira, Antônio de Pádua Costa, Áurea Elisa Valadão e Dinalva Conceição Teixeira.

Diz um trecho do ofício: “Há pelo menos duas décadas que aparecem informes de militares, de militantes de direitos humanos e de moradores e camponeses da região do Araguaia de que alguns guerrilheiros presos teriam sido poupados das execuções, recebido novas identidades e desaparecido vivos nas cidades. São conhecidos como mortos-vivos”.

Os cinco citados pelo governo integram a relação de 136 militantes de esquerda da lista anexa da lei que criou, em 1995, a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. Esses casos dispensaram julgamento: as mortes e desaparecimentos foram reconhecidos, assim como a culpa e responsabilidade do Estado. Dezenas de famílias receberam indenizações.

A reação à iniciativa do governo é majoritariamente negativa. Alguns familiares de desaparecidos classificaram essa desconfiança como deboche e desrespeito. Outros, porém, apoiam a ação — mas não acreditam que seus parentes sejam encontrados vivos.

Os argumentos levados em conta pelo governo demonstrar que esses cinco ex-presos podem estar vivos também são polêmicos. Um dos relatórios aponta que um ex-guia do Exército teria visto Dinalva, a Dina, no Rio por durante a visita do Papa João Paulo II, em 1980.

Já Helio Navarro, o Edinho, teria sido incluso no inventário da família e seu nome aparecido em declarações de Imposto de Renda no início dos anos 2000. Ele teria trabalhado por cerca de 30 anos no marketing de uma multinacional francesa. O ex-ministro Jarbas Passarinho também afirma que teria empregado no Ministério da Educação, em 1974, dois ex-guerrilheiros com identidades falsas.

Os arquivos de Curió

Apesar dos argumentos do governo, é remota a hipótese de esses desaparecidos políticos estarem vivos até hoje. Numa entrevista concedida em junho de 2009 ao jornal O Estado de S. Paulo, Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o major Curió, abriu seu arquivo secreto sobre a guerrilha e confirmou os indícios históricos de que o Exército matou pelo menos 41 guerrilheiros.

Os documentos, guardados numa mala de couro vermelho havia 34 anos, detalham e confirmam a execução de adversários da ditadura nas bases das Forças Armadas na Amazônia. Dos 67 integrantes do movimento de resistência mortos durante o conflito com militares, 41 foram presos, amarrados e executados, quando não ofereciam risco às tropas.

Até a abertura do arquivo de Curió, um dos carrascos da guerrilha, eram conhecidos 25 casos de execução. Agora há 16 novos casos, reunidos a partir do confronto do arquivo do major com os livros e reportagens publicados. A morte de prisioneiros representou 61% do total de baixas na coluna guerrilheira.

Uma série de documentos, muitos manuscritos do próprio punho de Curió, feitos durante e depois da guerrilha, contraria a versão militar de que os mortos estavam de armas na mão na hora em que tombaram. Muitos se entregaram nas casas de moradores da região ou foram rendidos em situações em que não ocorreram disparos.

Só adolescentes que integravam a guerrilha foram poupados, como Jonas, codinome de Josias, de 17 anos, detido na base da Bacaba. Curió lembrou que a ordem dos escalões superiores era tirar de combate todos os guerrilheiros. “A ordem de cima era que só sairíamos quando pegássemos o último.”

Com as revelações de 2009, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, declarou que “os arquivos do Curió confirmam integralmente os depoimentos que têm sido dados pelos camponeses — ou seja, que teve sim, o confronto entre o Estado e a guerrilha, que teve uma grande vítima, nesse processo. Além daqueles que foram assassinados pelo regime, também foram vitimados os camponeses da região”.

Da Redação, com agências