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Obama: do desencanto à desesperança

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, chegou ontem à metade do seu mandato com o anúncio – formulado por seu porta-voz, Robert Gibbs – de que se apresentaria para disputar o segundo mandato, em finais de 2012.

É significativo que a primeira admissão pública das intenções de Obama de reeleger-se se produza em meio a um panorama adverso e de um acentuado desgaste do impulso político que o levou – há dois anos – a se tornar o primeiro presidente não branco desse país, em uma referência dos ânimos de renovação política e moral para milhões de cidadãos estadunidenses e em uma esperança de mudança na projeção de Washington para o mundo.

A principal expressão dessa deterioração é a derrota eleitoral que seu partido Democrata sofreu nas eleições de novembro passado, nas quais o conservadorismo republicano obteve o controle da Câmara de Representantes (Deputados) e vários governos de estados. O episódio representou, para os âmbitos liberais e progressistas da sociedade estadunidense, o início de um período de desilusão sobre a perspectiva de que se concretizem as viragens internas que esse país requer em todos os terrenos. Com efeito, se o primeiro presidente afroestadunidense foi incapaz de avançar a parte substancial de seu programa de governo durante o período em que contou com instâncias legislativas controladas por seus correligionários, não parece provável que possa fazê-lo agora, com a Câmara de Representantes dominada por seus rivais políticos.

De forma paradoxal, as vacilações e inconse quências do próprio Obama para cumprir sua agenda de mudanças nos dois primeiros anos de seu mandato contrastam com a tenacidade e a determinação mostradas pela nova maioria republicana na Câmara de Representantes, como ficou claro anteontem com a revogação da reforma do sistema de saúde, promulgada no ano passado pela Casa Branca. Apesar de que essa determinação legislativa tem poucas possibilidades de passar no Senado – ainda sob controle democrata – o efeito político da medida é inquestionável e deixa ver um decidido espírito restaurador e um afã por desmantelar, o quanto antes, o pouco que foi construído pela atual administração estadunidense.

Se o panorama para a segunda metade do governo de Obama é desesperançoso no âmbito interno, é ainda mais no externo. Certamente, nos dois anos transcorridos desde o inicio da atual administração e sobretudo em meses recentes, Washington conseguiu melhorar e aprofundar suas relações diplomáticas com potências emergentes, deterioradas durante a desastrosa era Bush: exemplo disso é o avanço no novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas com a Rússia e a recente visita aos Estados Unidos do presidente chinês, Hu Jintao. Porém os gestos iniciais de distensão para com o Irã foram trocados com o passar dos meses por um incremento da hostilidade no trato do Ocidente em relação à nação persa e ao que parece a vontade de aproximação com o mundo islâmico – manifestada por Obama no começo de sua administração – , o atual mandatário foi incapaz de transferir ao terreno dos fatos. Em contraste, o presente governo tomou decisões não muito afastadas do espírito colonialista e agressor que caracterizou seu antecessor, como a de manter a ocupação militar no Afeganistão.

Em suma, se o primeiro ano de gestão de Obama semeou um amplo sentimento de desencanto entre sua população e no mundo, no começo da segunda metade de sua administração parece ter sido eliminada toda margem possível para a esperança de mudança, seja por causa do controle legislativo em mãos do Partido Republicano, seja pelo cariz marcadamente pré-eleitoral que terá a vida política em Washington nos próximos dois anos ou pela incapacidade do próprio mandatário para sacudir inércias ideológicas de sus antecessores no cargo.

La Jornada