Jô anuncia demandas do setor cinematográfico nacional

Em discurso na tribuna da Câmara, a deputada federal Jô Moraes (PCdoB/MG) enumerou as demandas de cineastas, realizadores, produtores e pesquisadores reunidos em janeiro passado na 14ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes em defesa da soberania nacional na produção e consumo de bens culturais, levando-se em conta os novos modelos, os avanços tecnológicos e a diversidade nacional.

Escola de Cinema - Reprodução

O documento elenca cinco ações a partir das quais entendem ser possível promover as mudanças necessárias. A criação de linhas específicas de fomentos para produções de inovação técnica e artística, com orçamento de menor porte; o fortalecimento do circuito alternativo de cineclubes; a valorização e ampliação de instâncias formuladoras de políticas para o setor estão entre as prioridades. E ainda: fortalecer e equipar espaços de produção inclusiva e construir uma política unificada e ousada de internacionalização da produção nacional.

Curta

Ao cumprimentar os organizadores da Mostra Jô destacou o curta metragem, “que foi reformado com a realização dos Pontos de Cultura, que teve á frente o grande Célio Turino”.

Ela também pediu que o documento, a Carta de Tiradentes, fosse registrado nos Anais da Casa.

“Senhor presidente, senhoras e senhores deputados,

No período de 21 a 29 de janeiro a bela e histórica cidade de Tiradentes, em minha Minas Gerais, sediou a 14ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes. Trata-se de um evento de importância reconhecida no cenário cultural nacional e internacional. Além de premiações, a 14ª Mostra teve como resultado um contundente manifesto que sintetiza os problemas vividos e, mais que isso, as propostas para o setor.

Assinado por cineastas, realizadores, produtores, pesquisadores entre outros, a Carta de Tiradentes defende “uma política publica que reconheça os novos modelos de produção; que distribuía melhor os recursos existentes; desenvolva políticas efetivas de distribuição e exibição; avance na estruturação comercial do setor, na democratização e produção e do consumo de bens culturais, e aposte no cinema como janela privilegiada para o desenvolvimento e a soberania, viabilizando o fomento da atividade e a soberania do país na produção e consumo de bens culturais”.

O documento elenca cinco ações a partir das quais esses representantes do setor de diferentes e significativos estados brasileiros, entendem ser possível integrar os muitos e plurais Brasis. Mas para isso é preciso coragem e disposição. Coragem e disposição já demonstradas pela presidente Dilma Rousseff, neste início de mandato.

O cinema brasileiro é hoje não apenas o cinema das grandes realizações, mais o cinema curta, que foi reforçado com a realização dos pontos de cultura, que teve à frente o grande Célio Turino. Por isso, peço que seja registrado nos Anais desta Casa a Carta de Tiradentes para a qual peço atenção da nossa presidente, da ministra da Cultura, do ministro da Educação, enfim, de todos comprometidos com a promoção de nosso grande e plural Brasil”.

Documento

Eis a íntegra da Carta de Tiradentes:

“Amanhece um novo tempo no horizonte. Novas paisagens, novas questões, novos agentes,novas imagens e sons se multiplicam por todas as regiões do país, refletindo a imensa diversidade cultural do Brasil.A construção de políticas públicas inclusivas, descentralizadas e transparentes – aliadas às facilidades trazidas pelas novas tecnologias de produção audiovisual – favoreceram osurgimento dessa nova realidade do cinema brasileiro. Moradores de municípios de menos de 20 mil habitantes passaram a fazer filmes através do programa Revelando os Brasis.

Estivemos nas telas dos grandes festivais do mundo. Um filme brasileiro liderou as bilheterias e bateu recorde de público. Todas as vitórias pertencem ao conjunto da atividade cinematográfica e às iniciativas do poder público. Entretanto, é preciso reconhecer que, apesar das elevadas somas investidas através de políticas de renúncia fiscal, a indústria cinematográfica nacional ainda não conquistou sua independência do fomento público; que a maior parte desses recursoscontinuam concentrados nas mãos de poucos agentes; que nossa presença no mercadointernacional é tímida frente ao potencial do setor e aos montantes investidos.

Sabemos do lugar estratégico do cinema para o futuro do país e para sua afirmação como nação soberana. As palavras da presidenta Dilma Rousseff em seu discurso de posse apontam para esse avanço: “o caminho para uma nação desenvolvida não está somente no campo econômico ou no campo do desenvolvimento econômico pura e simplesmente. Ele pressupõe o avanço social e a valorização da nossa imensa diversidade cultural.

A cultura é a alma de um povo, essência de sua identidade. Vamos investir em cultura, ampliando a produção e o consumo de nossos bens culturais em todas as regiões e expandindo a exportação de nossa música, cinema e literatura, signos vivos de nossa presença no mundo.” O Brasil resolveu, afinal, trilhar um caminho original e independente de desenvolvimento e soberania – um caminho fundado no crescimento econômico com distribuição de renda e inclusão social.

O Brasil vive um momento histórico de ampliação de cidadania e participação democrática. Setores até então excluídos ganharam imagem e voz na cena política, tornando-se protagonista de importantes mudanças na realidade social. No campo do audiovisual, surgiram novos realizadores, muitos produzindo de forma absolutamente independente.

A produção cinematográfica brasileira nunca foi tão diversa e plural como hoje. A maior parte desses filmes, no entanto, e apesar da enorme atenção que vem recebendo de prestigiados espaços da atividade cinematográfica no Brasil e no mundo – como os festivais de Tiradentes, Brasília, Cannes, Berlim, Veneza, Locarno e Rotterdam –, permanece alijada dos grandes lançamentos e das salas do circuito comercial.

Felizmente, com o digital e uma gigantesca pulverização das formas de acesso aos filmes, essas obras ganharam muitas outras maneiras de existir fora do grande circuito de exibição convencional. Elas estão nos festivais, mostras, cineclubes, salas de aula, computadores, camelôs – em lugares que nem salas de cinema possuem (afinal, apenas 8% dos municípios brasileiros possuem salas de exibição). Este cinema, agora, precisa ser entendido em sua importância democratizante e simbólica.

É urgente ultrapassar o bloqueio imposto por estruturas historicamente consagradas à manutenção de privilégios no acesso à produção e ao consumo dos bens culturais. Estes novos filmes já funcionam como farol da nossa cultura no intercâmbio simbólico entre os povos. Eles afirmam nosso lugar no mundo.

Compreendem novos modelos de produção – muitas vezes, mais baratos. São filmes inovadores que não podem mais ser ignorados. É chegada a hora de questionar privilégios cristalizados e de se criar mecanismos de inclusão para que a novidade, a invenção, novos agentes e novas paisagens possam emergir no cenário audiovisual nacional.

É hora de pensar a cadeia da produção e consumo cinematográficos em seu conjunto, de entender a rede de relações e a interdependência entre os diversos formatos audiovisuais. Não há como pensar o mercado cinematográfico apostando na falsa contradição entre um cinema dito comercial e outro de vocação autoral. Parte das reconhecidasdificuldades enfrentadas atualmente pela indústria audiovisual brasileira têm sua origem em dicotomias artificiais como essa.

Queremos uma política pública que reconheça os novos modelos de produção, que distribua melhor os recursos já existentes de modo a ampliar o escopo do fomento, que desenvolva políticas efetivas de distribuição e exibição, que avance na estruturação comercial do setor, na democratização da produção e do consumo dos bens culturais, e que aposte no cinema como janela privilegiada para o desenvolvimento e a soberania.

Para isso, propomos as seguintes ações:

1) Criar linhas específicas de fomento para formatos de produção que primem pelainovação técnica e artística, com orçamentos de menor porte. Que estas linhasespecíficas, já sinalizadas pelos Editais de Baixo Orçamento da Secretaria doAudiovisual, possam também ser aplicadas de maneira comprometida e responsávelem outras ações de fomento como o Fundo Setorial do Audiovisual e as políticas defomento direto da ANCINE para empresas de produção, distribuição e exibição, comoforma de estimular e testar alternativas para a estruturação comercial do setor.

2) Desenvolver uma política de fomento específica para a distribuição e exibição defilmes de baixo orçamento, incentivando a estruturação comercial de empresasdistribuidoras que se dediquem a este segmento. É preciso fazer experiências demercado com estes filmes sem subestimar seu potencial comercial. Fortalecer ocircuito alternativo de cineclubes como o Cine Mais Cultura e apostar em programasde expansão do parque exibidor como o Cinema Perto de Você. Investir nacomercialização dessa produção é uma maneira de formar novas platéias com filmesque têm recebido grande atenção dos principais festivais de cinema do Brasil e domundo.

3) Valorizar e ampliar as instâncias formuladoras de políticas para o setor, quereconheçam a pluralidade dos modos de produção e contemplem uma maiorrepresentatividade de todos os agentes.

4) Fortalecer e equipar os espaços de produção inclusiva e democrática, dos Pontos deCultura aos CTAv’s. Acreditamos na necessidade urgente de fazer do CTAv um grandeespaço para a profissionalização da finalização que agregue valor e diminua custospara conteúdos realizados à margem das principais políticas de fomento.

5) Construir uma política unificada e ousada de internacionalização de nossa produção,que aproveite as boas experiências dos programas de apoio da ANCINE, da SAV e doMRE, articulando um conjunto de ações para consolidar a presença internacional denosso cinema de modo planejado e integrado, desde o desenvolvimento dos projetos– com o incremento dos acordos de co-produção – até o posicionamento do filme nomercado mundial.

Ainda em seu discurso de posse, nossa presidenta lembrou o escritor Guimarães Rosa: “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Coragem para reconhecer que existem alternativas já em curso, cuja viabilidade muitas vezes se dá à margem das principais políticas de fomento, e que, apesar disso, encontram seu espaço nos grandes eventos internacionais e conquistam seu público.

Coragem para assumir a necessidade de distribuir de forma conseqüente os recursos do setor, permitindo ampliar o número de agentes. Coragem para encarar os privilégios e não se deixar seduzir por suas promessas historicamente não cumpridas. Coragem para promover a inclusão e valorizar a diferença. Coragem para saber que aqui a produção mais plural e independente está regulada por uma agência nacional e que o grande capital privado opera sem uma política séria, integrada e socialmente construída de regulação, como é o caso da TV e da publicidade.

Coragem para saber que o caminho é longo, mas passos importantes já foram dados. Coragem como quer o Brasil e requer seus Brasis.”