Sem categoria

Revolucionárias egípcias esperam ter mais voz no pós-Mubarak

Esta primorosa reportagem da escritora e jornalista Jenna Krajeski (Egito) é uma verdadeira aula de política, sobre como pautar a construção de novos valores, como é o caso do combate à opressão de gênero, em um processo de luta social mais amplo. Jenna aborda a participação feminina nas revoltas que derrubaram o ex-presidente Hosni Mubarak e ouve a opinião das entidades que lutam pelos direitos das mulheres no país, sendo o mais valioso deles o próprio direito à participação política.

Mulheres no Egito - Hossam Fadel

Nos dias seguintes à derrubada do presidente Hosni Mubarak, os egípcios começaram a delinear as características do seu país ideal. O "Novo Egito" será limpo, nele não haverá discriminação, será isento de corrupção. A iniciativa é o começo de um empurrão para as demandas específicas que eram secundárias à remoção de Mubarak durante os 18 dias de protestos. E elas representam um idealismo indomável, com a mentalidade de um pensamento progressista de protestantes anti-governamentais que obtiveram triunfo.

Por Jenna Krajeski*

Entre essas exigências estão os direitos das mulheres – uma lista, incluindo o combate ao assédio sexual, igualdade de remuneração no trabalho e a representação no governo, que não foi articulado durante os protestos, apesar da significativa participação feminina. Mas será que a unidade – expressa em favor de direitos específicos das mulheres – exibida durante os protestos alcançam as mulheres em seu impulso por igualdade em um Egito pós-Mubarak?

Os protestos em Tahrir foram um "momento incrível" para as mulheres, de acordo com Amal Abdel Hady, da New Woman Fundation (Fundação Nova Mulher, na tradução), um grupo sem fins lucrativos de defesa dos direitos das mulheres. As mulheres na praça "representaram todas as gerações e classes sociais". Ainda assim, Abdel Hady notou que a mídia não deu tanta atenção a elas como fizeram com os homens, conduzindo à impressão de que jovens homens lideraram a revolta egípcia, com a presença feminina marcante, mas menos importante. E "nem considere a mídia egípcia”, disse ela, “a qual mal representou a realidade nas ruas, muito menos o forte papel feminino”.

Abdel Hady não é a única que percebeu tais discrepâncias. Sua colega na Fundação New Woman, Nawla Darwish, que se preocupa com o fato de as mulheres não terem sido organizadas durante os protestos. Tendo apenas os direitos específicos em mente, as mulheres não estarão bem posicionadas no Egito pós-Mubarak. Historicamente, disse Nawla a um jornal local, as mulheres são elogiadas por sua participação na revolução e, em seguida, são ordenadas a ir para casa. Isso já ocorreu no Egito, na revolução de 1919, quando as mulheres, que se manifestaram fortemente contra o regime colonial, foram amplamente ignoradas pelo governo do Wafd Party, que assumiu o poder. Será a misoginia um inimigo mais forte do que Mubarak?

"Estamos vivendo em uma sociedade patriarcal", disse ela. E os valores intrínsecos a ela são fortes o suficiente para resistir até mesmo aos protestos inovadores da revolução de 25 de janeiro. O toquenismo (1) aparente na representação das mulheres no regime de Mubarak deve ser contrabalançada por uma forte presença feminina, mesmo agora que os protestos diminuíram. A New Woman Foundation está trabalhando para recolher depoimentos de mulheres que participaram dos protestos, tanto como evidência, quanto como uma forma de estimular as mulheres – muitas das quais nunca tinha sido politicamente ativas antes – a continuar envolvidas.

Nehad Abou El Komsan, presidente do Centro Egípcio para os Direitos das Mulheres, também lamentou a representação, ou a falta dela, da participação das mulheres nos protestos nos meios de comunicação, tanto locais como internacionais. "A cultura da sociedade torna as pessoas cegas", afirmou. Agora que os protestos diminuíram e diferentes pessoas estão disputando influência política, "é preciso documentar a participação das mulheres, não apenas a percepção ou opinião", acrescentou. "Temos de fazer lobby para a participação das mulheres em todas as comissões e processos", até as eleições e durante elas e também na prometida revisão da Constituição do Egito. Nenhum grupo hoje – nem mesmo aqueles que são conduzidos por jovens – são pró-ativos abrindo espaço para uma voz feminina.

Se as mulheres terão um papel mais importante, política e socialmente, em um Egito pós-Mubarak – e se esse país será mais aberto aos seus direitos – ainda não se sabe. Iman Bibars, a sexagenária presidente da Associação para o Desenvolvimento e Valorização da Mulher, concorreu a uma vaga no parlamento como uma candidata independente em 2005. Sua experiência foi além de mera desilusão. Oficiais e seguranças do National Democratic Party (NDP), partido de Mubarak, jogaram fora 3 mil das 5.920 cédulas em seu favor, diz ela, e impediram um número incontável de seus apoiadores de votar.

Esta “desoladora, opressiva” e infundada exposição da sua própria corrupção pode ter levado à queda do NPD, avalia Bibars. Mas esta ativista e ex-política (ela foi, por um curto tempo, membro do NDP), que concorreu com uma plataforma de apoio aos egípcios marginalizados e empobrecidos, bem como os direitos das mulheres, não tem planos de se candidatar novamente. Em vez disso, disse ela, os jovens que lideraram os protestos também deveriam liderar o novo governo. Bibars admite que, durante as revoltas, ela "foi uma seguidora, não uma líder". Os jovens, afirma ela, "insistiram, e eles venceram – devemos estar lá para apoiá-los".

Mas os jovens fizeram até agora pouco esforço para incluir as mulheres nas suas comissões que se seguem às revoltas. Abou El Komsan observou que, dos 27 jovens entrevistados pelo apresentador de talk show Mona Al-Shazly após a renúncia de Mubarak, apenas uma era mulher. Esta relação está mais próxima da cota estabelecida pelo patético regime de Mubarak do que da participação inspiradora vista durante os protestos – e não augura nada de bom em favor de uma voz feminina forte no novo governo.

As mulheres precisam de continuar a falar para fora – pelos seus próprios direitos, além da solidariedade do povo egípcio. As feministas egípcias estão esperançosas, mas, como Abdel Hady disse: "estamos felizes. Mas nenhuma pessoa em sã consciência não se preocuparia".

*Jenna Krajeski é escritora e editora de cultura do jornal egípcio Al-Masry Al-Youm. Suas análises e relatórios foram publicados no The New Yorker, The San Francisco Chronicle, Bookforum, Tar Magazine, e na Poetry Foundation. Antes do jornal egípcio Al-Masry Al-Youm, ela trabalhou na equipe editorial da revista The New Yorker, onde co-fundou o blog de livros The Book Bench.

Fonte: Al-Masry Al-Youm (Edição em Inglês)
Tradução: Luana Bonone