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Al Jazeera promove "príncipe" da Líbia que quer intervenção no país

A Al Jazeera recebeu um bocado de louvores pela sua excitante cobertura das intifadas na Tunísia e no Egito. Muitos de nós, no Ocidente, descobriram que era uma fonte de informação útil, uma vez que a cobertura dos veículos ocidentais, amplamente moldada como sempre pelas preferências imperialistas, foi quantitativamente menor e qualitativamente pior do que a da Al Jazeera. 



Por Yoshie Furuhashi*, em resistir.info

Contudo, a cobertura da Revolta Árabe feita pela Al Jazeera começou a deteriorar-se quando fagulhas revolucionárias principiaram a esvoaçar na direção dos estados do golfo, os quais acabaram por atear um levante sem precedentes (e politicamente muito promissor) no Bahrain, constituído por mais de 100 mil manifestantes num país cuja população é de cerca de 800 mil apenas. Tendo prestado muita atenção ao papel da Al Jazeera na Revolta Árabe, As'ad AbuKhalil criticou a reviravolta no seu blog Angry Arab News Service:

GCC emite uma declaração em apoio ao Bahrain. O povo do Bahrain está agora por conta própria: não há uma Aljazeera para apoiar a sua causa e desmascarar o regime, e os EUA e a UE farão todo o possível para racionalizar e apoiar a repressão do governo. É vergonhoso que a Aljazeera em árabe tenha abandonado o povo do Bahrain e também invocado um elemento sectário na sua cobertura, implicando que apenas os xiitas estão a protestar”. (17/Fevereiro/2011)

Aproximadamente ao mesmo tempo, eclodiu um levantamento na Líbia. A violenta repressão do regime Kadafi, mais o contínuo espectáculo de aparentemente infindáveis defecções de oficiais de alta patente e militares do regime, demonstraram-se um presente dos céus para todos aqueles cuja maior preocupação é o que pode acontecer à sede da Quinta Frota dos EUA – e, ainda mais importante, ao seu vizinho da Arábia Saudita, cuja população xiita própria não só partilha dos mesmos agravos dos seus vizinhos do Bahrain como também está concentrada em uma da suas regiões produtoras de petróleo.

Esqueçamos o Bahrain, vamos centrar-nos na Líbia! 

Foi aproximadamente essa a diretiva, suspeita-se, de Sheikh Hamad bin Thamer Al Thani, patrão da Al Jazeera. 

Não há nada de errado em falar sobre a Líbia, se o objetivo é transmitir informação exata acerca dela. Mas está tudo errado ao se fazer propaganda acerca de um caminho para colocar o seu povo em risco. Receio que seja exatamente isso que a Al Jazeera começou a fazer. Tanto em árabe como em inglês, a estação tem estado a apresentar membros destacados da National Front for the Salvation of Libya , uma organização financiada pela CIA e a Arábia Saudita durante a Guerra Fria, como fontes críveis de notícias e pontos de vista, tal como os veículos ocidentais têm feito. 


Isto já é bastante mau. Ontem, a Al Jazeera atingiu um novo ponto baixo: deu ao pretenso "príncipe coroado" da Líbia – Muhammad as-Senussi – uma plataforma a partir da qual apela "à comunidade internacional para ajudar a remover Kadafi do poder e parar o massacre em curso". Por "comunidade internacional", naturalmente, ele não se refere àqueles de nós que podem organizar protestos em embaixadas líbias ou essa espécie de coisa. Ele quer dizer a grande e as não tão grandes potências que podem ser persuadidas a instalar as suas forças armadas na Líbia.

"Príncipe coroado": O que tento fazer é parar o massacre – tento fazer pressão e apelar à comunidade internacional para parar esta matança. Kadafi – ele deve abandonar [o poder]. E é o que tento fazer todo dia. 

Barnaby Phillips, Al Jazeera: Então, o que a comunidade internacional deveria fazer e o que a comunidade internacional pode fazer? 

"Príncipe coroado": A comunidade internacional – eles sabem o caminho para parar o massacre. 

Barnaby Phillips: Mas está a favor da intervenção militar da comunidade internacional? "Príncipe coroado": Eu penso que a apoiarei, qualquer coisa que pare a matança.

E o entrevistador da Al Jazeera deixou o "Príncipe coroado" sair-se com essa, sem desafiá-lo de todo quanto a este ponto. (É desnecessário dizer, ele não pôs uma questão que destrói a estrutura narrativa da intervenção militar estrangeira: uma vez que seções das forças armadas já aderiram à revolta, o que está a acontecer agora na Líbia não será tanto o regime a ceifar manifestantes desarmados e mais uma guerra civil entre dois campos armados, cada um controlando vastos territórios com recursos valiosos?) 



Com seriedade: qual é o significado de um levante para recuperar o país do seu governante atual – e de fato já o conseguiu recuperar em grandes partes do mesmo – se potências estrangeiras obtêm a entrada no país por insistência do seu pseudo-rei, para tomá-lo outra vez? Estará a Al Jazeera pela revolução … ou pela contra-revolução? 



Agora, ninguém à esquerda deveria perder o sono quanto ao destino de um homem que ergueu demasiadas tendas em demasiados campos contraditórios . Mas temos toda a razão para estarmos preocupados quanto ao que o império, ajudado pelos mass media, pode tentar na Líbia, desde obter os seus ativos para aproveitar-se de um levante para o qual, estando seguramente no exílio, eles não fizeram quaisquer sacrifícios pessoais, até arrancar do controle da Líbia regiões produtoras de petróleo, ou talvez mesmo todo o país, das mãos não só do seu dentro em breve antigo regime, como também do seu povo.