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Crescimento da demanda no final do ano reforça o coro conservador

O Produto Interno Bruto (PIB) do quarto trimestre de 2010 foi puxado pela forte demanda interna, com destaque para o consumo das famílias, que acelerou e registrou alta de 2,5% em relação ao terceiro trimestre, na série com ajuste sazonal. O ritmo do consumo das famílias foi quatro vezes superior ao do conjunto do PIB, que cresceu 0,7% em igual comparação, mesmo crescimento registrado no ritmo do investimento.

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Os dados do PIB referentes ao quarto trimestre mostram uma economia crescendo a uma velocidade próxima a 3%, uma alta bem menos intensa que o 7,5% registrado para o ano todo em relação a 2009.

Consumo e investimento

O governo e os analistas já esperavam um crescimento entre 0,7% e 1% no quarto trimestre, mas a composição do PIB no fim de 2010 surpreendeu e instigou o debate sobre a necessidade ou não de novas medidas de aperto do crédito e também sobre o período durante o qual a taxa de juros continuará elevada. Os economistas ligados ao sistema financeiro interpretam o suposto descompasso entre a evolução do consumo e da produção como um sinal de que é necessário apertar ainda mais o cinto, ampliando os cortes nos gastos governamentais e o ritmo de elevação dos juros.

Neste sentido, ignoram solenemente o fato de que o crescimento do consumo no final do ano está associado a um fator sazonal óbvio criado pelas festas natalinas e o Ano Novo. O investimento, medido pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), cresceu acima de 3% nos primeiros três meses de 2010 (em relação ao trimestre anterior à série com ajuste sazonal), mas teve alta de apenas 0,7% no quarto trimestre em relação ao terceiro. Foi o pior percentual de variação desde o primeiro trimestre de 2009, quando caiu 14,6%. 

É indispensável observar que a composição do crescimento no fim do ano passado difere do que ocorreu na média do ano. O PIB de 2010 cresceu 7,5% em relação a 2009, movimento puxado pelo investimento, que registrou alta de 21,8% sobre o ano anterior. No ano, a demanda das famílias foi mais modesta, e cresceu 7%, percentual inferior ao do conjunto do PIB e também da indústria, que teve alta de 10,1%, segundo os dados divulgados ontem pelo Departamento de Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O fato de os investimentos cresceram três vezes mais do que o consumo ao longo do ano significa que a capacidade produtiva está evoluindo em ritmo superior ao da demanda no país, o que afasta o risco de inflação decorrente de um eventu8al desequilíbrio entre oferta e procura. A alta dos preços, por sinal, tem origem no exterior, estimulada pela evolução dos preços das commodities.

Indústria

A distância entre a oferta doméstica de bens industriais e o consumo acentuou-se no final de 2010. No quarto trimestre do ano passado em relação ao terceiro trimestre (com ajuste sazonal), o PIB da indústria de transformação caiu 0,4%, reforçando o movimento de retração iniciado no terceiro trimestre, quando recuou 1,6%. A retração na indústria confirma que a demanda doméstica foi atendida pelas importações, que cresceram 3,9% em relação ao terceiro trimestre.

O quarto trimestre do ano foi o 29º consecutivo de crescimento do consumo das famílias, na série que compara o trimestre com igual período do ano anterior. Nessa comparação, a demanda das famílias também aumentou 7%. "Mais um trimestre de crescimento e vai ser balzaquiano", brincou o coordenador.

Demanda das famílias

O economista Fernando Montero, da corretora Convenção, chama atenção para "o território conquistado pelo consumo na crise, que cresceu 13,2% entre o terceiro trimestre de 2008 e o quarto trimestre do ano passado, comparativamente a um PIB que avançou 5,6% no mesmo período".

A demanda das famílias impulsionou setores como o de intermediação financeira (11,4%), comércio (7,5%) e construção civil (6,2%), que tiveram avanço superior ao registrado pelo PIB na comparação com o quarto trimestre de 2009, quando subiu 5%.

No ano fechado, a alta de 7,5% do PIB, pelo lado da oferta, foi composto por um crescimento de 6,5% na agropecuária, 10,1% na indústria e 5,4% em serviços. Dentro da indústria, a maior alta foi do setor extrativo, com 15,7%, seguido pela construção civil, com 11,6% e pelo segmento da transformação, com 9,7%, sempre sobre 2009.

Importações

Pelo lado da demanda, dentro do crescimento de 7,5% registrado pelo PIB em 2010, 10,3 pontos percentuais vieram do conjunto formado pela demanda doméstica (consumo das famílias, o consumo do governo e os investimentos) e pela variação de estoques, segundo cálculos do economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges. O setor externo, por sua vez, "tirou" 2,8 pontos da expansão da economia, pois as importações de bens e serviços cresceram 36,2% no ano passado, um ritmo mais de três vezes superior ao avanço das exportações, de 11,5%.

O crescimento robusto das importações foi um dos destaques de 2010, puxado pela forte demanda interna e facilitado pelo câmbio valorizado. No quarto trimestre, a taxa de crescimento das compras externas ficou em 27,2% sobre igual período de 2009, uma alta ainda forte, mas inferior ao dos trimestres anteriores.

Alta dos juros

Para 2011, espera-se maior equilíbrio entre consumo das famílias e formação bruta de capital fixo (indicador do IBGE que mede o investimento em máquinas e na construção civil). A expectativa é que o consumo perca fôlego diante do menor crescimento da renda (o salário mínimo deve sofrer perda de poder aquisitivo) e da inflação (que reduz o poder de compra das famílias), ao mesmo tempo em que os investimentos deverão manter um ritmo sustentado de expansão.

O reflexo da recente elevação dos juros, na avaliação do economista-chefe da corretora Ativa, Henrique Santos, deverá ser percebido somente a partir de abril. "No primeiro trimestre, o consumo ainda deve vir forte", afirma. Os especialistas estimam que a expansão do consumo vai desacelerar gradualmente em 2011, derrubando a taxa de crescimento de 7% em 2010 para algo entre 4,5% e 5% em 2011. Os investimentos, por outro lado, começam a receber impulsos de eventos como a Copa do Mundo de futebol de 2014 e a Olimpíada de 2016, além dos projetos do pré-sal.

Da Redação, com Valor