Valdemar Menezes: Cadê a moral?

 Em sua coluna Cidadania, do jornal O POVO, o jornalista analisa a crise na L[íbia  a  partir intenção do Tripunal Penal Internacional de investigar se Muammar Kadafi teria cometido crimes contra a humanidade. Para Menezes o TPI deveria investigar também crimes cometidos por outros países como os EUA e Israel. O articulista considera que cada povo deve resolver internamente seus problemas polítcos.

Está repercutindo no mundo a decisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) de abrir um processo contra o presidente da Líbia, Muammar Khadafi para apurar se ele cometeu crimes contra a humanidade por suposto morticínio de manifestantes desarmados. Se ele cometeu esse tipo de crime, tem mesmo de ser punido, e se isso significar que estamos entrando num novo tipo de consciência política, com a aceitação generalizada por parte da comunidade internacional de que tais violações não podem mais ser toleradas, maior razão ainda para os aplausos. Isso, porém, tem de valer para todos. Acontece que os maiores cobradores da punição são justamente aqueles que não se submetem à autoridade do Tribunal Penal Internacional. Esse é o caso dos Estados Unidos, Israel e Sudão, que nunca subscreveram o tratado de criação do TPI e não aceitam que agentes seus, envolvidos em crimes contra os direitos humanos (como Kissinger, por exemplo), possam ser julgados pela Corte. Que autoridade moral têm, então, para exigir que Khadafi seja julgado por aquele tribunal?

Saudades de Lula

Se Lula (foto) ainda estivesse no poder – reconhecem algumas personalidades internacionais -, certamente estaria usando seu prestígio em favor de uma solução multilateral na crise da Líbia. Sua ausência, neste momento, é, por demais, lamentada. Sua voz seria um contraponto aos “senhores da guerra”. Faria o contrário de Barack Obama, que se torna cada vez mais porta-voz dos “abutres” que levaram o mundo à atual desgraça – a partir da criminosa intervenção no Iraque, baseada numa mentira fabricada pelo Pentágono sobre a existência de armas químicas produzidas pelo regime de Saddam Hussein. O mesmo alarido está sendo produzido, neste momento, para justificar uma intervenção unilateral dos EUA com o objetivo de se apossar do petróleo líbio e também conter a revolução que ameaça chegar à Arábia Saudita, um dos regimes mais repressivos e atrasados do Oriente Médio, mas defendido com unhas e dentes por Washington. Do jeito que vão, o máximo que conseguirão é fazer de Khadafi um herói perante os árabes.

Emissários da paz

Enquanto a luta era travada entre as forças do governo líbio e manifestantes desarmados, colocava-se mais seriamente a possibilidade de uma intervenção da ONU, na Líbia, para evitar massacres de civis (não houve isso quando os EUA bombardearam as populações civis do Vietnã e do Iraque) Mas, o confronto, agora, é entre as tropas do governo líbio e rebeldes armados que tentam conquistar posições. Ou seja, trata-se de uma guerra civil. Nesse caso, passa a ter prevalência o princípio da autodeterminação dos povos e da não-ingerência nos assuntos internos de um estado soberano por outro. Cabe, por direito, às próprias forças políticas internas resolver a situação. O papel da comunidade internacional é o de utilizar meios políticos de pressão para ajudar a encontrar uma solução viável. Não de impô-la, a seu talante. Missões internacionais de paz, como as propostas pelo controvertido presidente venezuelano Hugo Chavez estão sendo o único contraponto aos belicistas. Ao invés de mísseis, devem ser enviados à Líbia emissários da paz para ajudar na negociação entre as partes – defende o presidente venezuelano. Desta vez, com toda razão.

Mandato da ONU

A posição brasileira é a favor da luta dos povos árabes em prol da democracia. E é contra qualquer intervenção unilateral de potências estrangeiras, nesses países. O Brasil já advertiu que só apoiará iniciativas tomadas pela ONU. Fortalecer o organismo internacional é a melhor maneira de barrar pretensões militaristas hegemônicas. Desta vez, os Estados Unidos terão mais dificuldades políticas para passar por cima da autoridade das Nações Unidas. Mas, não é duvidoso que o façam: Obama (foto) está se parecendo cada vez mais com George W. Bush. Seu recuo na proposta inicial de fortalecer o multilateralismo na política externa é vexaminoso. Seu linguajar “imperial” ordenando a um chefe de Estado estrangeiro que deixe o poder, imediatamente, é um escárnio à institucionalidade internacional. Claro, seria uma bênção a derrubada de todas as ditaduras do Oriente Médio, mas isso tem que ser resolvido por cada povo, internamente. Só os crimes contra a humanidade podem justificar uma intervenção militar, num dado estado soberano, mas só a ONU tem legitimidade para decidir isso.

Fonte: Coluna Concidadania, jornal O POVO

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