Wolfgang Helmut: no festival de Guaramiranga faltou ele

Falecido no último dia 28 de dezembro, Wolfgang deixou como legado uma grande contribuição à gastronomia no Ceará

Wolfgang Helmut Rühle

Ao longo de doze edições anuais consecutivas, o Festival Jazz & Blues construiu uma história que vai além dos shows com grandes nomes da cena musical cearense, nacional e internacional. Fora dos palcos, o evento que modifica a atmosfera de Guaramiranga a cada Carnaval também conta com histórias e personagens marcantes, que para os frequentadores mais assíduos do festival são parte indissociável da festa.

Um desses “personagens” era Wolfgang Helmut Rühle, proprietário dos restaurantes Hofbräuhaus, em Guaramiranga e Fortaleza, e da pousada de mesmo nome em Mulungu. Falecido no último dia 28 de dezembro, aos 58 anos, de complicações decorrentes de diabetes, Wolfgang, radicado em Fortaleza desde os anos 80, deixou como legado uma grande contribuição ao cenário da gastronomia no Ceará. Além de muitos amigos e clientes cativos – muitos dos quais, ainda sem saber de sua partida, estão sendo pegos de surpresa, ao visitar o restaurante de Guaramiranga neste Carnaval.

O restaurante e pousada na serra continuam abertos ao público, pelas mãos de amigos como a chef Marie Anne Bauer, que trabalhou com Wolfgang, ou simplesmente Wolf”, de 1990 a 1995 e no ano 2000, solificando uma amizade com o popular “alemão”. Já a casa mantida em Fortaleza não teve a mesma sorte e já cerrou as portas em definitivo. “Não vai reabrir, porque, ao contrário das outras casas, em que ele tinha sócios, aquele era o único restaurante que ele administrava sozinho, cuidando absolutamente de tudo”, explica Marie Anne, que não disfarça as saudades.

“É estranho. Muita gente está chegando aqui e não sabe da partida dele. Pra cada um que eu conto, é difícil. Eu tomo uma e peço ajuda ao Wolf”, comenta, em uma das mesas da praça central de Guaramiranga, sempre concorrida em tempos de festival. “Cheguei no Brasil em cinco de janeiro de 1990 e conheci Wolf três dias depois, em 90. De lá pra cá a gente foi sempre amigo, sempre se falava. Fazia muita farra também”.

Apolo e Dionísio

A alternância entre os lados apolíneo e dionisíaco era uma das maiores marcas de Wolfgang, a julgar pelos depoimentos dos ex-colegas de trabalho, unânimes em apontar o rigor com que o chefe cobrava o melhor atendimento aos clientes. “Dava uns gritos de vez em quando, sempre ensinando”, conta Glaucineide Ferreira Lima, que por 19 anos trabalhou ao lado do “alemão” e segue como caixa do restaurante de Guaramiranga. “Mas depois tinha a farra, a festa, com o pessoal brincando, tomando cerveja”.

Marie Anne confirma: “Gritava que era o cão! Na hora do arrocho, era o lobo mesmo. Mas quando acabava o movimento levava todo mundo na farra. Tanto que a maioria dos funcionários dele tem mais de 10 anos de casa”.

Além dos funcionários – em número de 40 com os empregos preservados nas unidades de Mulungu e Guaramiranga –, Wolfgang também colecionou amigos entre os apreciadores e realizadores da boa gastronomia no Ceará. “Fomos membros-fundadores do Clube dos Gourmets, presidido pelo Fernando Gurjão, também já falecido”, recorda Marie Anne. “Tinha o Bernard, o Fernando Barroso, o Álfio, o Américo Picanço, a Ignez Fiúza. Era só gente grande… De 93 a 2000, por ali, fazíamos encontros mensais”, acrescenta a chef, preparando para breve um novo encontro, desta feita para homenagear o saudoso amigo, entre colegas de trabalho e freqüentadores dos restaurantes.

“Além de manter os empregos desse pessoal, vamos preservar a imagem do Wolfgang, continuando com os restaurantes como ele fazia. Não vai ser uma pizzaria amanhã, isso nós garantimos, porque ele, como fundador do Hofbräuhaus no Brasil, não faria isso”, complementa, lembrando os restaurantes na rua Costa Barros, aberto em 1987, e na Praça Luíza Távora, em 1992. “O de Mulungu abriu em 93. Depois o de Pacoti, onde o escargot era o carro-chefe. Ele teve uma casa na Cofeco também”, debulha, entre memórias de um chef adictamente empreendedor. “Ele não tinha casa. Quando alugava uma pra morar, transformava logo em restaurante”.

Chucrutes e rapé

Entre as recordações, o gosto por estar sempre na cozinha, acompanhando tudo de perto ao lado de Peixoto, primeiro chefe de cozinha. O concurso de chucrutes – entre o doce e o salgado. E as jornadas de trabalho sem horário para terminar, com o carro do “Disk-chope” animando eventos e confraternizações em Fortaleza. Recordo as mesas noturnas com os jornalistas ao longo das diversas edições do Festival Jazz & Blues, em que Wolfgang comparecia de sorriso largo, trazendo o rapé para atirar ao nariz dos clientes mais animados, antes de uma dose de licor Steinhaeger.

“Tem gente que chega e pede pra gente fazer. A gente tem o rapé, mas ninguém quer fazer. Lembra muito ele”, conta Marie Anne. “Acho que só ele poderia fazer”, emenda Chico Filho, arquiteto convidado por Wolfgang a decorar o quarto árabe da pousada em Mulungu – caracterizada justamente pela ambientação totalmente diversa entre os aposentos.

Mais recentemente, com a despedida do amigo, Chico arregaçou as mangas para encarar a tarefa de remodelar o Hofbräuhaus de Guaramiranga. “Fizemos uma reforma geral, mas sem mudanças drásticas, sem derrubar parede. Mantendo o espírito dele”, demarca.

“O piano continua ali, e funciona. A gente só não sabe onde está a chave, mas vamos procurar. E como eu só chamava o Wolf de Ludwig da Baviera, fiz uma paródia com os brasões da Baviera, além de guardar o ícone do lobo e de trazer como novidade um barco, pra ficar ali apadrinhando o bar”, descreve, prometendo para breve concretizar a lembrança do amigo em forma de uma grande foto no restaurante. A se somar ao painel de fotografias que já enchem os olhos no corredor.

Os amigos contam que Wolfgang também gostava de música, embora, “workaholic” por excelência, pouco tivesse tempo para acompanhar os shows do Festival Jazz & Blues. “Mas a gente fazia shows em Mulungu, com o Ellismário, o Moacir Bedê”, lembra Marie Anne. Glaucineide, por sua vez, ressalta a contribuição do ex-patrão para a formação de pessoal. “Ele formou muita gente! Os meninos da cozinha, tudo foi ele e o Peixoto que ensinou. Os molhos, os pratos diferentes…”, aponta.

“Tinha mania de chamar os outros de doido, quando faziam algo errado. Olhava pra gente e fazia “Bu!”, já desfazendo a pessoa que errou”, ri-se, para em seguida ir às lágrimas. “Ele gostava muito de me chamar de dinossauro, porque eu era das pessoas que tava lá há mais tempo e escrevia tudo no papel, nada de computador. Ele brincava que isso era do tempo do dinossauro”.

Para os apreciadores dos pratos característicos do Hofbräuhaus, o cardápio continua o mesmo, nas casas de Mulungu e Guaramiranga. Infelizmente, já sem o tempero extra da acolhida amistosa e do abraço descontraído de Wolfgang Helmut Rühle. O saudoso alemão.

Por Dalwton Moura,
jornalista e crítico musical

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