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José Carlos Ruy: O declínio do DEM e a porteira aberta pelo PDB

A fundação do partido de Gilberto Kassab é a outra face da derrocada do DEM e pode atender ao instinto de sobrevivência de muitos políticos que não querem naufragar com o último herdeiro da ditadura militar.

Por José Carlos Ruy

A crise do DEM, que pode entrar em vias de se tornar um partido nanico depois da convenção de hoje (15 de março), é o ponto final de uma involução que se arrasta há algumas décadas no cenário político brasileiro.

Herdeiro dos partidos oficiais da ditadura militar (a Arena e, depois, o PDS) cuja dissidência em 1985 se transformou no PFL – no embalo da sucessão presidencial do general Figueiredo e da previsível eleição do candidato da oposição, Tancredo Neves – o atual DEM vive uma crise letárgica desde meados da década de 1990.

Na eleição de 1994, salvou-se do naufrágio político ao aliar-se com o tucano Fernando Henrique Cardoso e o PSDB, que funcionaram como uma tábua de salvação que deu uma longa sobrevida aos oligarcas descendentes da ditadura militar. Com o prestígio de ocupar a vice-presidência da República por oito anos nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso, o PFL conseguiu manter-se à tona entre os grandes partidos.

Com a perda do poder político depois da eleição de Lula, em 2002, começou a declinar. Em 2007, o PFL se transformou no DEM, mas a manobra foi incapaz de conter a sangria eleitoral que fez minguar seus votos, eleição a eleição, fazendo diminuir o número de deputados federais, senadores, deputados estaduais e governadores.

A convenção de 15 de março poderá acelerar esse processo e também sinalizar a abertura de uma porteira para o instinto de sobrevivência de inúmeros políticos do campo conservador, com o possível anúncio da criação do Partido da Democracia Brasileira (PDB), do prefeito paulistano Gilberto Kassab.

A mudança pode ser significativa. O novo partido poderá absorver quadros, entre eles detentores de mandatos (como o de deputados federais) vindos principalmente do DEM. Os articuladores do PDB dizem que já há três mil interessados em filiar-se, entre eles um incontável número de prefeitos.

A previsível formação do PDB pode acelerar a tomada, pelo DEM, do mesmo rumo seguido muito tempo antes pela outra agremiação herdeira da ditadura, o PDS, que, de tombo em tombo, se transformou no atual PP (Partido Progressista) de Paulo Maluf, vindo a ser uma mera sombra do que foi nos tempos áureos.

Quando foi fundado, em 1985, o PFL conseguiu juntar sete senadores e 63 deputados federais. Nas eleições seguintes manteve altos desempenhos (elegeu 105 deputados federais em 1998; em 2002 foram 14 senadores). O declínio veio com força a partir de então, com perdas de eleição a eleição até chegar aos 44 deputados federais e apenas dois senadores de 2010. Com a criação do PDB, a sangria pode aumentar e o DEM perder até oito deputados federais e eventualmente uma senadora para a nova legenda (embora existam sinais de que a senadora de Tocantins, Kátia Abreu, tenha temporariamente se acomodado no DEM). Vai perder também o vice-governador de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, e pode ficar sem o governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo, um aliado de outro notável dirigente da ditadura militar, o histórico expoente do DEM Paulo Bornhausen (embora circulem informações de que Colombo também teria engavetado, temporariamente, a troca de partido).

Mesmo com indícios fortes de que vai fortalecer, no Congresso Nacional, a base de apoio da presidente Dilma Rousseff, um dos problemas que o PDB pode enfrentar caso concretize a anunciada fusão com o PSB (que também pode ser adiada, segundo as últimas notícias) será o afastamento de alguns quadros importantes da legenda socialista. Luiza Erundina, por exemplo, já anunciou que não aceitará conviver lado a lado com quadros originários da direita e sairá do partido se a fusão ocorrer e ela pode levar consigo muitos outros descontentes.

Além da agitação política mais imediata, e que figura nas páginas políticas dos grandes jornais, a eventual criação do partido de Gilberto Kassab – que acelera a decadência política da oligarquia – sinaliza uma movimentação mais profunda das placas tectônicas da política nacional.

Uma delas é a rejeição cada vez maior, pelo eleitorado, do conservadorismo e do mando oligárquico. Um exemplo disso é a dificuldade encontrada para a organização de um movimento claramente de direita no Brasil, como dizem integrantes do grupo que, em São Paulo, tentou colocar de pé o movimento Endireita Brasil, com um programa neoliberal, antiestatista e privatizante. Outra palavra negativa parece ser a expressão liberal, como lembra um comentário de Fernando de Barros e Silva publicado na Folha de S. Paulo (15.03.2011). Em 1985, oito partidos tinham a palavra “liberal” no nome; hoje, sobra apenas um, o Partido Social Liberal (PSL). “‘Liberal’ é uma marca em desuso”, registra o jornalista. Isto é, ser liberal, conservador ou de direita, tornou-se uma pecha de elevados custos eleitorais.

Além disso, em paralelo ao declínio do DEM, o PDB surge no rescaldo daquilo que há de mais atrasado e anacrônico na política brasileira: a criação de um partido não a partir de um programa ou de um movimento, mas a partir de personalidades e suas necessidades. Este foi o caminho do enfraquecimento dos partidos.

A via inversa foi o surgimento de agremiações fundadas em movimentos reais da sociedade, com base em programas que apontam para a solução de problemas que afetam a nação e o povo. Esta via foi o esteio do fortalecimento de partidos mais claramente definidos e coerentes, como o PMDB, o PT, o PDT, o PSB ou o próprio PCdoB.

Neste quadro de contradições, entretanto, é provável que o PDB surja para cumprir uma tarefa histórica – a de se constituir numa espécie de cunha na direita e no conservadorismo paulistas, podendo se tornar em um forte adversário da hegemonia tucana e, assim, abrir caminho para a necessária renovação política no estado, que terá reflexos significativos no cenário nacional. Assim, acelerando a decadência do último sobrevivente da ditadura militar (o DEM), pode ajudar também a enfraquecer a ala “moderna” da direita, cujo eixo é o PSDB de Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Aécio Neves.