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José Dirceu: Teatro das potências encobre intervenção na Líbia

Como esperado – e, infelizmente, numa repetição da história – tivemos a decisão da Organização das Nações Unidas (ONU), de intervir na Líbia, declarando a zona de exclusão aérea no país. A mesma ONU silencia ante a invasão do Bahrein por tropas da Arábia Saudita, Estados Unidos e Qatar.

por José Dirceu, em seu blog

Sim, porque ninguém tem dúvidas de que esta invasão se fez, na verdade, com autorização e direção de Washington, ainda que, cinicamente, o Departamento de Estado diga que não sabia previamente, não a coordenou e nem a aconselhou.

Balela, a entrada dos tanques, tropas e de todo o aparato militar que ocupou o Bahrein é uma forma disfarçada – que não engana ninguém – de intervenção norte-americana.

Não se está aqui defendendo o regime do presidente Muamar Kaddhafi, ou esta ou aquela decisão que provocou a guerra civil que se alastrou na Líbia. Mas, o fato é que este grave conflito eclodiu com o apoio aberto e direto, em armas e assessores, das potências ocidentais aos rebeldes.

Ajudam oposição líbia e abandonam a do Bahrein

As mesmas potências que, ao mesmo tempo, abandonam à própria sorte, a seu próprio destino, a oposição às ditaduras nos outros países árabes e do Oriente Médio.

No Bahrein, a repressão do regime monárquico sunita – etnia que constitui apenas 30% da população do emirado, enquanto os outros 70% são da etnia xiita – contra a população rebelada, ampliada por esta invasão da Arábia Saudita, EUA e Qatar é, proporcionalmente, tão ou mais violenta do que a desencadeada pela ditadura Kaddhafi na Líbia.

Mas, no Bahrein, a oposição que ocupou ruas e praças só tem um muro de silêncio. Não recebe nem apoio nem declarações formais da ONU ou das potências ocidentais contra a dinastia sunita absolutista, que governa o emirado há dois séculos.

Oportunistas

Pelo contrário, chama a atenção o oportunismo – para uso interno – do presidente da França, Nicolas Sarkozy, no caso líbio. O mandatário francês arvora-se em líder do ataque a Líbia com os olhos nas futuras eleições francesas.

Ou o oportunismo da Itália, do cambaleante e processado 1º ministro Sílvio Berlusconi, que, a pretexto de que os dois países separados pelo Mediterrâneo, ficam próximos geograficamente, colocou as bases aéreas do país à disposição dos que se dispõem a intervir na Líbia.

No comportamento de Sarkozy e Berlusconi temos o retrato perfeito, e sem retoques, do tipo de liderança que existe hoje no mundo, da falência da Organização das Nações Unidas (ONU) e do acerto da posição e voto brasileiros em seu Conselho de Segurança (CS).

No caso do Brasil, a sanção à Líbia e o mais completo silêncio em relação à invasão e repressão no Bahrein mostram a necessidade de nosso país assimilar a lição e preparar-se para se defender sozinho quando necessário.

Corretíssima, portanto, a posição brasileira, ao abster-se na sessão de ontem do CS, que aprovou a intervenção na Líbia, camuflada por essa história do estabelecimento de uma zona de exclusão aérea.

Brasil mostra tratamento diferenciado à Líbia e ao Bahrein

Ainda que recorrendo aos eufemismos comuns na linguagem diplomática, o Brasil deixa claro que sabe e é contra o fato de a rebelião popular no Bahrein (onde há o uso da força das tropas invasoras) estar sendo reprimida com apoio dos EUA e o silêncio da ONU. O Brasil justificou a abstenção com o argumento de que o país não está convencido de que usar a força protegerá civis.

Ao abster-se – ao lado dos três outros BRICs, Rússia, Índia e China, e da Alemanha – nosso país deixa claro seu repúdio a este cinismo com que EUA e demais potências, via ONU, tentam encobrir a intervenção na Líbia.

É uma posição acertada, que merece todo apoio, até porque a história destas intervenções e experiências tem sido um desastre total. Aí está o caso da Somália (África) – sem falar nos do Iraque e do Afeganistão.