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Louise Michel, o anjo vermelho da revolução

A professora, enfermeira, poetisa e escritora Louise Michel (29 de Maio de 1830 — Marselha, 9 de Janeiro de 1905), foi uma das principais lideranças da Comuna de Paris. Ela participou da luta nas barricadas, da organização das mulheres e exerceu funções de apoio (foi, por exemplo, uma das responsáveis pela organização da educação infantil durante o governo da Comuna).

Presa, foi exilada na Nova Caledônia, de onde só retornou em 1880, reconhecida como uma das principais militantes e dirigentes da luta operária na França. Ela foi o anjo vermelho da revolução.

No texto transcrito abaixo, ela descreve a situação das mulheres em Paris às vésperas da Comuna.

As mulheres de Paris

Louise Michel

Entre os mais implacáveis combatentes que lutaram contra a invasão e defenderam a República como aurora da liberdade, as mulheres destacam-se em grande número.
Quiseram fazer das mulheres uma casta e sob a força que as esmagada através dos acontecimentos a seleção é feita. Não nos consultaram a este respeito e não que consultar ninguém. O mundo novo nos reunirá à humanidade livre na qual todos terão um lugar.

O direito das mulheres marchava corajosamente com Maria Deresme, mas exclusivamente por um só lado da humanidade, as escolas profissionais das Senhoras Jules Simon, Paulin, Julie Toussaint. A educação dos pequenos da Senhora Pape Carpentier ao encontrar-se à rua Hautefeuille com a sociedade de instrução elementar confraternizaram-se sob o Império, em uma acepção tão ampla que as mais ativas faziam parte de todos os agrupamentos ao mesmo tempo. Tínhamos, para isso, como cúmplice o Sr. Francolin, da instrução elementar, que, devido à sua semelhança com os sábios do tempo da alquimia e também por amizade, chamávamos de Dr. Francolinus.

Ele havai fundado, quase sozinho, uma escola profissional gratuita à rua Thévenot.
Os cursos aí tinham lugar à noite. Aquelas que, dentre nós, o cursavam podiam, deste modo, estar à rua Thévenot após a sua aula, erámos todas professoras. Havia Maria La Cecillia, então uma moça, a diretora era Maria Andreux e muitas outras mulheres ministravam cursos ali. Eu fazia três, literatura, onde era fácil encontrar citações de autores do passado adaptando-os ao tempo presente; a geografia antiga, onde os nomes e as pesquisas do passado levavam aos nomes e às buscas do presente, onde era tão bom evocar o futuro sobre a ruínas que eu me apaixonei por este curso.

Eu tinha também, às quintas-feiras, o curso de desenho no qual a polícia imperial deu-me a honra de vir ver um Vitor Noir, sobre o seu leito de morte, desenhado em giz branco e espalhado com o dedo sobre o quadro negro o que dava um alívio de uma doçura de sonho.
Quando os acontecimentos multiplicaram-se, Charles de Sivry assumiu o curso de literatura e a Senhorita Potin, minha colega e amiga, assumiu o curso de desenho.

Todas as sociedades de mulheres não pensavam senão na hora terrível em que estávamos, agrupando-se na sociedade de socorro das vítimas da guerra, onde as burguesas, as mulheres destes membros da defesa nacional, que defenderam tão pouco, foram heróicas.
Digo sem espírito de seita, pois eu estava mais freqüentemente à pátria em perigo e no comitê de vigilância que no comitê de socorro para as vítimas da guerra, espírito tão generoso e amplo; os socorros foram dados, mesmo esfarelados para aliviar um pouco todas as dores e também para estimular ainda e sempre a jamais renderem-se.

Se alguém no comitê de socorro às vítimas falasse de rendição, era colocado da porta para fora, tão energicamente como nos clubes de Belleville ou de Montmartre. As mulheres de Paris eram como as dos subúrbios. Como me lembro da sociedade de instrução elementar onde à direita da escrivaninha no pequeno escritório eu tinha um lugar em cima da caixa do esqueleto, na sociedade de socorros, eu tinha um lugar sobre um banquinho aos pés da Sra. Goodchaux, que se assemelhava, com seus cabelos brancos a uma marquesa de antigamente, lançava às vezes sorrindo, alguma pequena gota de água sobre os meus sonhos.

Por que eu era uma privilegiada? Não sei, é verdade, se talvez as mulheres amem as revoltas. Não valemos mais que os homens mas o poder não nos corrompeu ainda.
E o fato é que elas me amavam e eu também as amava.

Quando, depois do 31 de outubro, fui feita prisioneira do Sr. Cresson, não por ter tomado parte em nenhuma manifestação, mas por ter dito: estou lá apenas para partilhar o perigo das mulheres, não reconheço o governo! a Sra. Meurice, em nome da sociedade para as vítimas da guerra, venho reivindicar a minha libertação, ao mesmo tempo que os clubes, Ferré, Avronsart e Christ vieram.

Quantas coisas as mulheres tentaram e em todos os lugares! Estabelecemos em primeiro lugar ambulâncias nos fortes e como, contra o costume, encontramos a defesa nacional disposta a nos acolher, começamos a crer os governantes dispostos a lutar, enquanto que eles enviavam para os fortes uma multidão de jovens inúteis, ignorantes e com pequenos ferimentos que choravam suas mágoas enquanto que os fortes lutavam para viver; umas e outras, nós entregamos a nossa demissão procurando nos empregar de modo mais útil. Encontrei no ano passado, uma destas corajosas mulheres das ambulâncias, Sra. Gaspard.
As ambulâncias, os comitês de vigilância, os escritórios da prefeituras onde, sobretudo a Montmartre, as Sras. Poirier, Escoffon, Blin, Jarry encontravam meios para que todas tivessem um salário pago igualmente.

A marmita revolucionária onde durante todo o cerco, a Sra. Lemel, da câmara sindical do encadernadores, impede nem sei quantas pessoas de morrer de fome, foi uma verdadeira proeza de devoção e inteligência.

As mulheres não se perguntavam se algo era possível, mas se era útil, então conseguia-se realizá-la.

Um dia decidiram que Montmartre não tinha ambulâncias suficientes e então com uma amiga mais jovem da sociedade de instrução elementar decidimos criá-la. Chamava-se Jeanne A., mais tarde Sra. B.

Não havia um centavo, mas tínhamos uma idéia para fazer fundos.

Trouxemos conosco um guarda nacional, de boa estatura, com a fisionomia de uma gravura de 93, andando com a baioneta à frente do fuzil, com uma larga cinta vermelha, tendo às mãos bolsas feitas pelas circunstâncias, partimos os três, entre os ricos, com rostos sombrios. Começamos pela igrejas, o guarda nacional andava pelas alamedas batendo o seu fuzil nas pedras; chamávamos alguém ao lado da nave, pedíamos a começar pelo padres no altar.

Por sua vez, os devotos, pálidos de espanto, derramavam trêmulos a sua moeda nas nossas bolsas – alguns com bastante boa-vontade, mas todos os padres doavam – depois foi a vez de alguns financistas judeus ou cristãos, depois de pessoas corajosas, um farmacêutico da Butte ofereceu o material. A ambulância foi criada.

Ria-se muito, na prefeitura de Montmartre desta expedição que ninguém encorajava, de que tínhamos confiança antes do resultado.

No dia em que as Sras. Poirier, Blin, Excoffons vieram encontrar-se comigo na minha aula para iniciar o comitê de vigilância das mulheres me ficou na memória.

Era de noite, depois da aula, e elas estavam sentadas contra o muro, Excoffons com seus cabelos loiros despenteados, a mãe Blin já velha com uma touca de tricô; a Sra. Poirier com um capuz e capa de índia vermelho; sem cumprimentos, sem hesitação, elas simplesmente me disseram: é preciso que você venha conosco e eu respondi, vou.

Havia neste momento na minha sala de aula cerca de 200 alunos, meninas de seis a doze anos que ensinávamos eu e minha auxiliar e de todas a crianças de três a seis anos, meninos e meninas dos quais se encarregava minha mãe e aos quais mimava muito. Os mais velhos da sala a ajudavam, ora uns ora outros.

Os menores, cujos pais eram camponeses refugiados em Paris, tinham sido enviados por Clemenceau; a prefeitura estava encarregada da sua alimentação, tinham leite, cavalo, legumes e com frequência algumas guloseimas.

Um dia que o leite atrasou, os mais jovens pouco habituados a esperar olhavam-se chorando, minha mãe os consolava e chorava com eles. Nem sei como me ocorreu, para fazê-los esperar, de ameaçá-los, se não se calassem de enviá-los par Trochu.

Logo gritavam de medo: senhorita, seremos ajuizados, não nos mande para Trochu!
Este grito e a paciência com a qual esperaram deram-me a ideia de que era corrente entre eles ter em baixa conta o governo de Paris.

Frequentemente falou-se dos ciúmes entre as professoras, nunca os testemunhei. Antes da guerra todas fazíamos troca no trabalho com as nossas vizinhas de sala, com a Sra. Potin dando lições de desenho nas minhas e eu lições de música nas dela, levando, tanto uma como a outra nos alunos à rua Hautefeuille. Durante o cerco, ela deu minhas aulas enquanto estive na prisão.

Extraído do livro A Comuna, de Louise Michel