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Um poema de Jaime Sautchuk: Netinho

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Dramático esse caso que vejo a imprensa alardear
Do menino Netinho, aluno do Colégio Militar
Em casa, regime de caserna
Na escola, o rigor castrense
Que vida teria o pobre rapaz?
— Não se trata só de lamentar…

A gota d'água no alto-falante da escola
O comandante anuncia a punição por cola
O pai era um sargentão
A mãe, sargentona sem patente
O capitão, um próprio capitão
— Não havia brinquedo, nem bola

Seu pequeno coração batia ao ritmo do coturno
Seus dias amargos, noites frias, sonhar soturno
Que dura aquela lida semi-infantil!
Tangida por rebenque e trompete
Soando um tom severo e cruel
— Cobrando vitória em qualquer turno

De quê pedagogia entenderão esses senhores
Se não conhecem da vida, dos sonhos e de outros penhores?
O que pensam da juventude?
Querem as crianças fardadas
Pilhas de preconceitos e mágoas
— E ainda, no enterro, levam flores!

Em aprender a continência, cinco minutos se gasta
Para encenar o passo de ganso, algumas horas, e basta
E o manuseio de armas
Com tão fino ensinamento
Em migalhas de segundos
Afastou Netinho dessa casta

Criança infeliz. Soldado sem nenhuma vitória
Vivência imprensada, vida tolhida, luta inglória
Para mostrar, com seu sacrifício
Que as pessoas carecem de amor
De carinho e de liberdade
— Essa sim, uma vida de glória

Seria, então, ordem unida, todos a marchar?
Calem a boca, tapem ouvidos, vedem o olhar
Que sejam todos dóceis:
Sim, senhor; sim, senhor
Ou que surjam dias novos, novos sinais
— Que nos permitam viver, deixem voar…

Netinho, seu gesto tem e terá muito a ensinar!

* O menino suicidou após repreensão pública no Colégio Militar de Brasília