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Peça de Dias Gomes inspirada em ocupações sem-teto estreia em SP

Na calada da noite, correria para dentro de um prédio vazio, medo de a polícia chegar. "Podem vir, por aqui", ecoa o grito para a multidão. E começa a peça "A Invasão", montagem que estreia neste sábado (2), em São Paulo, e é inspirada em ocupações de sem-teto na capital.

O texto é do dramaturgo Dias Gomes, escrito na década de 1960 sobre a antiga favela vertical do Esqueleto, no Rio. Polêmico já àquela época, foi proibido e ficou dez anos engavetado. "Quisemos retomá-lo porque fala da moradia, problema muito atual da metrópole", diz o diretor Antonio Netto.

Para adequar a montagem à realidade paulistana, os atores ficaram um mês visitando prédios ocupados no centro da cidade e convivendo com mais de 150 sem-teto de um prédio invadido na Avenida São João — na madrugada de 4 de outubro, cerca de 2,5 mil pessoas ocuparam quatro edifícios abandonados no centro de São Paulo. A Justiça, então, determinou reintegração de posse e parte do grupo migrou.

"Meu personagem é o primeiro a entrar. Por acaso, cheguei lá (no prédio da São João) e encontrei justo a primeira invasora", conta o ator Leandro Rossato. "Apesar do teor político, quisemos focar nas histórias de vida."

Para "retribuir a visita", o elenco convidou os sem-teto da São João para assistir à pré-estreia, que ocorreu nesta sexta-feira (1º). "Vai ser a primeira vez da maioria deles em um teatro", conta o diretor.

Crítica social

O texto — considerado intenso e amargo — investiga causas e consequências dos nossos problemas sociais numa linguagem despojada e contundente. Aponta soluções drásticas num país onde impera a desigualdade social e vive de politicagem. A peça é uma espécie de crônica ao Brasil depois de 1964. Dias Gomes quer alertar o povo da necessidade de ser independente.

A obra foi baseada em um fato real: no final dos anos 50, um edifício em construção próximo ao Estádio do Maracanã no Rio de Janeiro foi invadido e ficou sendo conhecido como Favela do Esqueleto. Hoje a favela não existe mais, no edifício funcionam alguns cursos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Na obra, Dias Gomes aborda o problema dos sem teto nos centros urbanos. Enfoca o proletariado urbano como massa onde não é possível a emergência do protagonismo ou a unidade de ação. A peça narra uma dessas invasões que se repetem até os dias de hoje.

Enredo

Um grupo de favelados, desalojado por uma enchente, ocupa o esqueleto de um edifício em construção e passam a viver oprimidos entre as promessas de políticos demagogos e a exploração de negociantes inescrupulosos. Colméia humana onde cada família indica a heterogeneidade de objetivos dessa massa que só se iguala pela miséria em que vive e pelas violências que sofre, a peça não lhe atribui um movimento ou destino dramático. Capta essas manifestações de impotência e as deixa em suspenso, como uma radiografia que exige uma resposta de quem a observa e não de quem a vivencia.

Serviço

A Invasão – Teatro Commune (Rua da Consolação, 1.218). Sábados, às 19 horas, e domingos, às 18 horas. Telefone: (11) 3476 0792
Ingressos: R$ 40