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Eugénio Rosa: A zona do euro e o dilema de Portugal

O BCE está financiando a especulação dos bancos e a banca em Portugal já lucrou com
isso 3.828 milhões de euros, à custa das famílias, das empresas e do Estado.

Por Eugénio Rosa

Tal como aconteceu antes da crise de 2008, em que os bancos financiaram os especuladores, a uma taxa de juro baixa, para que pudessem depois obter elevados lucros, agora também o Banco Central Europeu (BCE) está a financiar a banca a uma taxa de juro também muito baixa (1%), não impondo quaisquer limites na utilização desse dinheiro, para que depois os bancos possam obter lucros extra à custa das taxas de juro elevadas que cobram não só aos Estados, mas também às famílias e às empresas.

É um esquema que interessa tornar claro para todos, embora os comentaristas oficiais com acesso privilegiado à mídia hegemônica nunca se refiram a ele, procurando assim ocultá-lo. Por isso vamos voltar a ele. E esse esquema “diabólico” é o seguinte.

Antes de ter entrado para a zona do euro, Portugal possuía um Banco Central (Banco de Portugal) que podia emitir moeda (escudos), e que comprava divida ao Estado a uma taxa reduzida, assegurando assim o seu financiamento e também garantindo que nunca o Estado entrasse em falência porque o Banco de Portugal disponibilizava sempre os meios financeiros para que o Estado pagasse os seus compromissos. As únicas limitações eram, em relação à divida externa, que teria ser paga em divisas estrangeiras, o que obrigava o Estado a recorrer fundamentalmente ao endividamento interno para se financiar, e a necessidade de evitar que a inflação disparasse.

Com a entrada para o euro, o Banco de Portugal e o Estado português perderam esse poder que passou para o Banco Central Europeu (BCE). Só ele é que pode emitir euros. Para além disso foi introduzida uma norma nos Estatutos do BCE que proíbe que este banco compre diretamente divida aos Estados.

No entanto, pode comprar divida soberana, ou seja, dos Estados no chamado “mercado secundário” onde têm acesso os bancos. Portanto, está-se perante a situação caricata que permite à banca especular com a divida emitida pelos Estados, que é a seguinte: o BCE não pode comprar diretamente a divida ao Estado português, mas já pode comprá-la aos bancos que a adquirem. E então o esquema especulativo montado pela U.E. e pelo BCE para enriquecer a banca à custa dos contribuintes, das famílias e do Estado português é o seguinte: a banca empresta às famílias, às empresas e ao Estado português cobrando taxas de juro que variam entre 5% e 12%, ou mesmo mais, depois pega nessa divida, titularizando-a, e vende-a ao BCE obtendo empréstimos a uma taxa de juros de apenas 1%.

Vejamos então quais têm sido os efeitos para Portugal deste sistema especulativo, que tem sido sistematicamente oculto pelo governo e pelos comentaristas oficiais, financiado pelo BCE, banco este que, em princípio, devia servir os Estados que constituem a Zona Euro e não a especulação.

Em apenas três anos a diferença de taxas de juros deu à banca portuguesa um lucro de 3.828 milhões de euros.

Segundo o Boletim Estatístico de Março de 2011 do Banco de Portugal, a banca a operar em Portugal obteve, do BCE, financiamento no valor de 14.407 milhões de euros em 2008; de 19.419 milhões de euros em 2009; e de 48.788 milhões de euros, pagando uma taxa de juro de apenas 1%, o que determinou que, por este volume de empréstimos, deverá ter pago ao BCE cerca de 826 milhões de euros. Segundo também o Boletim do Banco de Portugal, a banca cobrou pelos empréstimos que, com esse dinheiro obtido do BCE, depois concedeu a particulares, a empresas e ao Estado, taxas de juro médias que variaram entre 5,05% e 6.87%, o que permitiu à banca embolsar, nos três anos, juros que somaram 4.683 milhões de euros. Se subtrairmos a esta receita de 4.683 milhões de euros, os juros que teve de pagar ao BCE – 883 milhões de euros – ainda restam 3.828 milhões de euros, que constituem a sua margem financeira líquida obtida só com o financiamento do BCE à taxa de 1%.

A banca aumentou também os lucros líquidos à custa de impostos não pagos.

Mas não é apenas o BCE e os mecanismos criados na Zona do Euro que financiam a especulação dos mercados, ou seja, dos bancos à custa das populações. Como se isso já não fosse suficiente, em Portugal, através da multiplicação de benefícios fiscais concedidos à banca, aprovados pelos sucessivos governos e mantidos numa altura em que são impostos sacrifícios à maioria dos portugueses, os lucros da banca têm aumentado também à custa dos impostos que não paga.

Segundo o Banco de Portugal, entre 2009 e 2010, os Resultados Antes de Impostos da banca em Portugal aumentaram 13,2%, mas o valor dos impostos pagos sobre os lucros (IRC + derrama) diminuíram (-26,2%), pois passaram de 446 milhões de euros para 329 milhões de euros, o que determinou que os Lucros Líquidos da Banca tenham aumentado (+22,9%), portanto mais do que a subida registrada nos Resultados Antes de Impostos (13,2%). O aumento mais elevado nos Lucros Líquidos da banca deve-se ao não pagamento dos impostos que qualquer outra empresa está sujeita. Em 2 anos apenas (2009/2010), a banca em Portugal devia ter pago mais 491 milhões de euros em impostos se tivesse pago a taxa legal. A taxa média efetiva de impostos sobre lucros paga pela banca em Portugal foi, em 2009, de 19,2% e, em 2010, de apenas 12,9%, o que dá uma taxa média de 16,2% para o período 2009-2010, quando a taxa legal é de 26,4% (24,9% de IRC + 1,5% de derrama). A injustiça fiscal no nosso País atingiu uma dimensão nunca antes atingida depois do 25 de Abril, e quando a carga fiscal sobre trabalhadores e pensionistas cresceu muito.

A especulação com a dívida soberana portuguesa financiada pelo BCE.

Este ano, segundo o OE-2011, o Estado Português necessita de 45.000 milhões de euros para financiar, por um lado, os empréstimos cujo prazo de pagamento termina este ano e, por outro lado, para cobrir o déficit orçamentário que Sócrates e Passos pretendem que corresponda a 4,6% do PIB (7.980 milhões de euros). Se Portugal tiver de pagar taxas de juro entre 8% e 9%, um empréstimo naquele montante custará ao País cerca de 3.825 milhões de euros por ano só de juros. Se a banca emprestar aquele valor e se depois conseguir vender essa divida ao BCE pagando uma taxa de juros de apenas 1%, o encargo que ela terá será de 450 milhões de euros por ano, o que determinará que a sua margem financeira líquida será de 3.375 milhões de euros/ano. E em 2012, para além daqueles 45 bilhões de euros, o Estado português precisará de se financiar em mais 35 bilhões, o que determinará que os encargos anuais só com juros, mantida a mesma taxa, aumentarão em mais 2.975 milhões de euros. Tenha-se presente que a soma destes dois empréstimos representa apenas metade da dívida do Estado. E este tem mais juros a pagar pela restante metade da divida. É uma situação inaceitável e insustentável para o País e para os portugueses.

É urgente pôr um ponto final a este esquema diabólico que tem como objetivo financiar os lucros da banca, que foi responsável pela grave crise financeira que enfrentamos, à custa dos contribuintes portugueses e do crescimento da economia portuguesa. As agências de “rating”, cujos lucros aumentaram significativamente em 2010, e uma parte importante das suas receitas são pagas pelos bancos (em 2010, as receitas da Standard & Poor´s e Moody´s atingiram 3,5 milhões de euros, e os seus lucros 1,31 milhões de euros), acabam por participar de uma forma perversa – são parte interessada – em todo este esquema, que só terminará quando a banca for eliminada do circuito de intermediação e os Estados da zona do euro se puderem financiar junto do BCE, embora de uma forma controlada e com limites.

Se não acontecer isto, os países como Portugal, para se financiar, terão de sair da zona do euro e os seus bancos centrais readquirirem o poder para emitir moeda. Eis o dilema que se coloca e que é imperioso enfrentar. O recurso ao chamado Fundo Europeu de Estabilização Financeira não resolverá o problema, pois não impedirá a especulação, como provam os casos da Irlanda e Grécia.

Fonte: ODiario.info