José Mujica: o Mercosul hoje e as duas faces do grande desafio
Todos os países enfrentam dificuldades para se adaptar a um mundo cada vez mais globalizado, com muitos centros e periferias. Em consequência disso, as formas tradicionais de produção e distribuição mudaram.
Por José Mujica*, na Folha de S.Paulo
Publicado 10/04/2011 09:08
As empresas transnacionais influem sobre uma parte importante do comércio mundial e indicam as regras às quais temos que nos adaptar. Para responder a esses desafios, o mundo está se organizando em grandes blocos.
Da América Latina, vemos que dois blocos grandes se erguem na Ásia, em torno da China e da Índia, competindo com as potências tradicionais, e nos perguntamos: "O que podemos fazer? Qual pode ser nosso peso, negociando fragmentados em muitas repúblicas distintas, sem a criação de um espaço comum?".
Até mesmo os maiores países de nossa região precisam do peso econômico e político do restante dos países. Isso se aplica também ao Brasil, o primeiro país latino-americano que saiu para atuar em nível mundial. Esse é um de seus enormes méritos, mas é também um desafio. Precisamos acompanhá-lo. O Brasil precisa ter consciência de sua responsabilidade, e nós precisamos ter consciência de que precisamos nos agrupar em volta dele.
Por essa razão, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram em 1991 o Tratado de Assunção, para criar o Mercado Comum do Sul, o Mercosul. Hoje, Bolívia e Venezuela estão em processo de incorporação, enquanto Chile, Colômbia, Equador e Peru são Estados associados. Essa zona abarca quase 12 milhões de quilômetros quadrados, tem 380 milhões de habitantes e, além disso, possui imensos recursos humanos e naturais.
Somos conscientes das assimetrias do Mercosul e de seus defeitos, mas acreditamos que o modo de equilibrar essas assimetrias consiste em promover políticas de aproximação e inclusão do maior número possível de países sul-americanos.
A incorporação da Venezuela como membro pleno aguarda a aprovação do Senado paraguaio, onde existe certa resistência a Hugo Chávez. Meu governo é a favor da postulação de Caracas. Em primeiro lugar, porque não se deve confundir um país com um regime. Os governos passam, os países ficam.
Além disso, a Venezuela é um elemento compensatório em termos econômicos e de recursos naturais de todo o rio da Prata, porque ela precisa daquilo que nós produzimos. Por essa razão, sua inclusão no Mercosul serviria para reduzir as diferenças existentes.
Precisamos da Venezuela e dos outros países sul-americanos no Mercosul porque a potência do subcontinente é infinita, se somarmos a energia venezuelana e a água doce das reservas dos pampas do sul, o rio Amazonas e a experiência de nossos povos.
A meta é construir uma nação que abarque todo o subcontinente. Outro grande problema que precisamos enfrentar com a integração e a inserção internacional é a redenção dos pobres da América Latina e a incorporação à civilização de enormes massas que precisamos incluir no crescimento, em um crescimento para dentro.
Tal desafio nos obriga a multiplicar a riqueza, os recursos e os conhecimentos, mas isso, por si só, não resolverá os problemas de uma humanidade dividida. Não há uma América Latina, há várias.
Há os esquecidos da terra, os condenados das favelas e as grandes capitais. Na luta pela expansão econômica e social, o maior mercado potencial está justamente na inclusão dos pobres. E, embora essa região tenha progredido muito na última década, ainda temos uma dúvida colossal com os pobres de nossos países.
* José Mujica é presidente do Uruguai