Sem categoria

Luiz Carlos Antero: Do Realengo à Líbia, os tiros de Columbine

Episódios como a tragédia de Realengo, e outros, de grande porte, como a guerra decretada por Obama em sua passagem pelo Brasil, colocam novamente o Rio de Janeiro, de onde partiu a ordem para os ataques contra o povo líbio, e o próprio país, no centro das atenções mundiais. E, entre os brasileiros, renovam a premente necessidade de regulação do maior foco irradiador da violência, da manipulação e da dissimulação, que reside, aqui ou nos EUA, no império da mídia.

Por Luiz Carlos Antero*

Este império é o canal comunicante de reprodução da barbárie contemporânea, instruindo de modo eletrônico, diariamente, novos padrões de banditismo que irão alavancar seus noticiários no dia seguinte. 

É necessário destroná-lo no âmago da tarefa que consiste na definitiva superação da ditadura militar e do neoliberalismo – irmãos siameses que, juntos, consumiram preciosas três décadas de marcante atraso e obscurantismo.

Longe de ser uma questão técnica, jurídica ou legislativa, a chamada regulação da mídia é uma relevante necessidade histórica do povo brasileiro – e dos povos na escala planetária – em sua caminhada rumo a uma sociedade de perfil pacífico, justo e igualitário. Trata-se hoje de transferir para a sociedade o controle da mídia e de sua corrosiva atividade, restringindo-lhe o poder de propagação do veneno com o qual infecta a vida das pessoas e reproduz seu baixo padrão moral e a violência numa escala sem paralelos na história da humanidade e da nossa formação econômica e social.

A regulação significa, antes de tudo, um duro golpe no poder econômico, político, social e cultural das oligarquias atualizadas, que pretendem manter sua influência no país, não obstante as derrotas que amargaram nas três últimas eleições presidenciais. Nascidas da violência e mantidas pela violência, essas elites jamais deixarão de exercitar seu poder pela via dessa violência – enquanto permaneçam intocadas nos seus interesses e privilégios fundamentais.

Quatro famílias contra o Brasil

Numa controvertida trajetória, desde o surgimento dos primeiros órgãos de imprensa, o império da mídia foi substancialmente consolidado no período do regime militar (1964-1984) e no período neoliberal da década perdida que fechou o século 20. A dissolução de sua nefasta influência está, portanto, articulada à superação daqueles períodos de trevas, dos efeitos do autoritarismo e do neoliberalismo – irmãos siameses no atraso estrutural da nossa economia – e da luta pela consolidação democrática no Brasil.

A democratização da mídia é parte integrante da luta histórica que manteve em permanente oposição o povo brasileiro e suas oligarquias. A principal contradição a ser resolvida reside, desse modo, na resolução do conflito atualizado, que coloca em lados distintos a absurda tradição conservadora e uma sucessão de governos progressistas – desde a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002 – voltados para o interesse popular, mas sem o controle dos mecanismos que levam ao desvirtuamento da informação e da própria realidade.

Há muito se constatou que os meios de comunicação estão concentrados no patrimônio de um restrito clã de famílias, sob a hegemonia das quatro maiores: as famílias Marinho (Organizações Globo), Frias (Folha de S. Paulo), Civita (Editora Abril, com a revista Veja) e Mesquita (O Estado de São Paulo) – proprietárias de quase toda a mídia brasileira.

Também é comum se afirmar que o pensamento oligárquico se impõe à sociedade brasileira mediante a articulação desses grupos empresariais, que pautam e orquestram tudo o que é publicado e divulgado, decidindo, de acordo com seus interesses, o que é relevante ou não para o nosso povo. Suas linhas editoriais coincidem nos objetivos centrais, com pequenas variações, e a pretensão fundamental de determinar o imaginário coletivo, a política, a cultura e os rumos da sociedade brasileira.

Columbine é aqui

No imenso Brasil, essas famílias tratam de pautar a sociedade, definindo as questões e a abordagem de cada assunto, determinando heróis ou vilões em cada episódio espetacularizado, enquanto uma população superior a 190 milhões de habitantes priva-se do pleno exercício de sua liberdade de expressão e de acesso à informação. Constituem-se no canal comunicante de reprodução da barbárie contemporânea, instruindo de modo eletrônico, diariamente, novos padrões de banditismo que irão alavancar seus noticiários no dia seguinte.

A invasiva manipulação ideológica percorre a construção dos personagens novelescos, de um modo tal que a arte serve à deformação da vida, à propagação da falta de caráter e dos baixos padrões morais, em sua forma propagandística, como sói acontecer nas “novelas das oito” da TV Globo – que patrocinam a glorificação dos desvios de comportamento como referência para formação da juventude, influindo igualmente sobre os estratos mais desajustados de uma sociedade desigual e marcada pelas iniquidades construídas.

Os demais grupos de comunicação e alguns jornais disputam audiência – invariavelmente submetida à pauta hegemônica. De um modo tal que, numa tragédia como a da chacina na escola de Realengo, dificilmente outro assunto ou abordagem pode ocupar o noticiário em todo o país. É a pauta do fomento à violência enquanto máxima dessa operação midiática – em permanente evolução e descontrolada expansão. Pela via da banalização, vai se estabelecendo no país a manchete do crime como algo rotineiro e integrado à cultura nacional.

Mas, ainda assim, apenas a sociedade brasileira, após a passagem de Barack Obama pelo Brasil e pelo Rio de Janeiro, poderia ser surpreendida de modo tão impactante pela ocorrência do terrorismo na escala que se reproduz com frequência nas escolas, a exemplo de Columbine – nos EUA (Estados Unidos da América), artífice na produção e propagação do terrorismo original, de Estado e individual, no planeta.

Lá, o dedicado império da mídia cumpriu rigorosamente seu pioneiro papel na institucionalização desta violência, um fenômeno que pertence hoje ao outrora glorificado estilo de vida americano (American Way of Life). De tal modo que logrou conquistar uma sólida oposição na sociedade, que reage ao envio de tropas de jovens aos massacres promovidos no mundo, como é o caso da ofensiva contra a Líbia – agora desenhada para a posteridade como genocídio ordenado por Obama no Brasil.

Demolição da cultura opressiva

O dilema surge na atual etapa da vida política do país como uma questão crucial do processo democrático, no qual se insere a crescente necessidade da distribuição da renda e dos avanços sociais rumo a um regime social que elimine a profunda desigualdade e suas consequências – umbilicalmente associadas à carência dos investimentos em educação e saúde, às raízes da violência, da criminalidade, do reinado do narcotráfico, da insegurança generalizada que envolve a população.

O paradoxo que ocasionou historicamente o surgimento dessas contradições é o mesmo que remunera a manutenção desse quadro de flagelo no noticiário – que, por sua vez, produz, retroalimenta e sustenta o império da comunicação. Este – tal como na fase colonial, imperial e de uma boa parte da nossa história republicana – subsiste sob o comando da mesma elite sucedânea dos feitores coroados nas sesmarias e capitanias.

É necessário, então, compreender que sua superação prevê a completa demolição da cultura opressiva construída em cinco séculos da nossa formação, sistematicamente articulada ao culto repressivo que determinou, a cada momento, a vigência da repressão às inúmeras manifestações libertárias de um povo ímpar no mundo.

Essa lógica brutal culmina nas quatro últimas décadas do século 20, quando se consolidou o controle da mídia pela representação do capital monopolista mais conservador e rentistas concentrados principalmente no estado de São Paulo – e Sudeste do Brasil.

Trata-se, de superar, no impulso de um vigoroso movimento transformador, os fundamentos que sustentam a tradição e as práticas de apropriação dos frutos do trabalho social, da desigualdade, dos bombardeios, massacres e cabeças cortadas dos insurretos e que hoje festeja, em manchetes policiais que contaminam a informação, no ambiente que criou e recriou ao longo da nossa história, ao preço da violência repressiva, da supressão das liberdades e do truculento combate à marcante rebeldia inata ao povo brasileiro.

Força bruta e manipulação

Na atualidade, portanto, o império da mídia, que consiste no insustentável domínio da informação por um punhado de controladores sobre o conjunto da população, exercita os mecanismos que antes praticavam o uso predominante e ostensivo da força bruta, voltando-os para a asfixia ao florescimento da oposição ao predomínio conservador. Nesse prumo, trata de deformar a realidade, de submeter os fatos às suas versões dos fatos, de tornar essas versões em fatos que contaminam as manchetes e as pessoas.

Assim, o império conjugado da mídia gera inflação onde não existe ameaça inflacionária para incrementar o medo na sociedade, elevar os ganhos dos seus patrocinadores privilegiados – os rentistas, os agiotas, os especuladores do sistema financeiro que lucram com os juros mais altos do mundo e com os elevados ganhos das aplicações em títulos da dívida pública brasileira, em oposição antagônica à esfera produtiva que promove o emprego e o desenvolvimento. Rotineiramente, ignora e atropela as medidas progressistas de governo e as conquistas sociais; prega diariamente, com maior ou menor sutileza, o retrocesso político no país.

Este império se opõe, desse modo, ao desenvolvimento e à consolidação democrática no Brasil, na ação cotidiana para travar a superação do obscurantismo e lograr a restauração dos efeitos do autoritarismo. Tais efeitos ganharam fôlego na década perdida dos anos 1990, quando, beneficiária da transição negociada de 1984, a elite conservadora alcançou, a partir de 1989 – e de modo mais consistente a partir de 1994, com a efetiva implantação do Plano Real – uma nova reciclagem pela via da implementação dos princípios do Consenso de Washington.
 
Tais princípios alicerçaram o fenômeno conhecido como neoliberalismo, filho legítimo da globalização capitalista em sua ofensiva unipolar sobre a soberania dos países e seus povos, legítimo sucedâneo das ditaduras açuladas pelos EUA no mundo, ocasionando aqui, a partir de 1995, a redução do papel do Estado, o sucateamento do patrimônio público, as privatizações fraudulentas, os ataques sistemáticos aos direitos dos trabalhadores e às conquistas históricas do povo brasileiro.

Velha e truculenta direita

Na essência, a confraria de interesses armada – de um império midiático historicamente constituído – logrou impedir o enterro do regime militar, oferecendo sobrevida e reciclagem à sua vigência, resgatando simbólicos elementos de sua deflagração e contribuindo para a preservação dos seus princípios oriundos da doutrina de segurança nacional, blindando torturadores, utilizando enfim quadros obscurantistas no pacto eleitoral da direita para a eleição de José Serra à Presidência da República.

Neste aspecto, Dilma foi tratada como terrorista remanescente ao longo de toda a campanha, uma terrificante ameaça à democracia. Foi nesse lampejo que “caiu o véu” da mídia familiar: antes a velha ditadura militar do que a persistência de um projeto soberano de Brasil com viés de esquerda.

Em consequência desta simbiose, o império da mídia, conhecido hoje como PIG (Partido da Imprensa Golpista, ontem e hoje), não é mais que a híbrida síntese que converge o regime militar à era da forca neoliberal no processo político em nosso país. A censura que parte dessa imprensa conheceu no período discricionário – longe de significar, nas diferenças formais, uma contradição antagônica com os generais da ditadura, posto que defendeu o golpe de Estado – confirmou, em seus desdobramentos no atual século, que na essência crava uma profunda (e nada sutil) identidade antidemocrática.

Ou seja: dessa fusão de interesses conformou-se a sinistra força política estruturada e instituída na concepção “pós-moderna” da ditadura do grande capital – devidamente aparatada para a demolição dos pensamentos divergentes, mas progressivamente debilitada na medida do incremento da participação popular ao processo político.

É a velha e truculenta direita em verde oliva, na versão a um só tempo venenosa e explosiva. Derrotada em 2010, prepara nova ofensiva.

PIG contra o povo brasileiro

Vivemos no atual momento esta ácida contradição – que sobrevive à impossibilidade dos governos Lula de superar esses (entre outros) traços de um passado histórico a um só tempo remoto e recente. Um limiar que possui sustentação na realidade objetiva, visto que permanecem vigentes os obstáculos estruturais que ocasionaram secularmente a hegemonia das classes conservadoras em nosso país. Mas que foi, em seus limites, contestado nos últimos anos.

Em setembro de 2010, em plena campanha para a Presidência da República, o então presidente Lula renovou a acidez das críticas ao comitê da mídia golpista e voltou a defender uma nova regulamentação do setor. Em entrevista ao portal Terra, afirmou: “O que não dá é para as pessoas ficarem vendendo uma neutralidade disfarçada. Muitas vezes, fica explícito no comportamento que eles têm candidato e gostariam que o candidato fosse outro; deveriam assumir categoricamente que têm um candidato e têm um partido. A verdade é que nós temos nove ou dez famílias que dominam toda a comunicação desse país – donas de canais de TV, de rádio, jornais, sites e outras mídias. A verdade é essa. A verdade é que você viaja pelo Brasil e você tem duas ou três famílias que são donas dos canais de televisão. E os mesmos são donos das rádios e os mesmos são donos dos jornais”.

Na mesma entrevista, Lula defendeu um novo marco regulatório para as telecomunicações no Brasil, citando a Conferência Nacional de Comunicação, onde foram discutidas propostas como a criação do Conselho Nacional de Comunicação, um órgão de controle público das mídias. Lembrou que a proposta é considerada pelos grandes veículos como censura. E arrematou: “Ao invés de ficarem contra, deveriam participar, ajudar a construir, porque será inexorável”.

Com tão firme antecedente, a regulação da mídia requer, nessas condições, mais que a determinação política do governo Dilma Rousseff, a organização e mobilização da sociedade na ampla luta pela superação de tais obstáculos, reafirmados historicamente em 1964 e em 1994 – ocasiões nas quais se impôs graves danos aos interesses do progresso e dos avanços sociais no Brasil, legando-se graves restrições aos governos iniciados em 2002.

Porque, não obstante a arrojada declaração do então presidente Lula, é indispensável o recurso a um outro conselho com o qual brindou a presidente no dia da sua posse: “Nas dificuldades, vá para perto do povo, que é a nossa salvação”.

Em busca do solo transformador

Entretanto, o próprio Lula sabia que, com toda a confiança no povo brasileiro, faltou-lhe o solo necessário para consolidar determinadas transformações requeridas para a superação dos obstáculos estruturais ao pleno desenvolvimento do país e liquidação das amarras estabelecidas pelas tradicionais oligarquias (hoje visíveis em sua vigência macroeconômica), solidamente instaladas no poder de Estado.

Tais vulnerabilidades constavam da “Carta aos Brasileiros”, declinada em plena campanha eleitoral de 2002, nos claros limites de sua relação de governo com o secular poder conservador: "O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade. Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país. As recentes turbulências do mercado financeiro devem ser compreendidas nesse contexto de fragilidade do atual modelo e de clamor popular pela sua superação".

Na conjuntura de 2002, o respeito aos “contratos” celebrados desde as privatizações, implicaram na manutenção do arcabouço de armadilhas neoliberais e a tácita permanência das tratativas do Plano Real – que sacralizaram os ganhos especulativos da ciranda financeira, somadas às remessas pela via das multinacionais concessionárias do serviço público (em especial nas áreas de energia, telefonia e comunicações) para o centro hegemônico do capital financeiro internacional, da poupança do nosso povo trabalhador, extraída também mediante a exacerbação das tarifas. E, simbolicamente, proporcionou uma vida fácil e fagueira para os banqueiros do porte e atuação de Daniel Dantas et caterva.

Nessa contextualização, manteve-se até… a “liberdade” para manter tacitamente intocadas as concessões (que de fato são públicas) dos meios de comunicação, vedando-se o controle social de uma imprensa calhorda e solidamente instalada na chantagem dos afagos publicitários.

Lula não mexeu com nada disso que significa algo mais que uma teimosa permanência dos princípios “do poder de Estado” a clamar pelo simbolismo de rebeliões populares que coloquem o poder político em consonância com seus interesses, limitados ainda à esfera de governo.

Tais princípios mantém ancorados à sua vigência outros postulados que se apresentam no antagonismo das transições de ruptura, postergados continuamente pelo gradualismo determinado em parte pela referida ação secular de “regulação” das revoltas populares e em parte pelas claudicações e impasses dos movimentos opostos ao conservadorismo – em prejuízo do conforto reservado ao afago popular na resolução de tais graves questões.

Grilhões de caserna

E, nesse aspecto, a persistência dos bolsões vinculados ao regime militar, que incorpora a impunidade aos torturadores e ao prolongamento das sequelas do feroz autoritarismo anticomunista, se manteve como aspecto subjacente à “Carta”, inoculando os governos Lula quanto ao tratamento das feridas remanescentes. E que não se fez de rogado ao prestar incondicional apoio à principal candidatura de oposição a Dilma nas eleições de 2010.
Nos desdobramentos, e nas chantagens negociadas no tenso segundo turno eleitoral, impôs-se o último cartucho do mercado, gasto com a promoção de Antonio Palocci à condição de membro privilegiado do novo governo, reciclado e novinho em folha para cumprir o papel sujo de conspurcar os avanços nos quais votou a população.

Uma persistente reserva estratégica do poder, portanto, se fundamenta no capital financeiro e também no monopólio da propriedade territorial – e seu moderno agronegócio, institucionalmente evoluído desde as referidas sesmarias e capitanias –, onde a força terrestre – o Exército brasileiro, zeloso artífice dos golpes militares na História republicana – teve seu berço como guarda privada e pretoriana dos senhores rurais desde a primeira fase da colonização brasileira. (Há, desse modo, razões e raízes no atualíssimo ódio de uma fração de oficiais do velho pensamento ao MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).

É este um terreno no qual também se trava uma luta para impedir que a natureza das Forças Armadas seja modificada. Exemplarmente, a solenidade na qual a presidente foi condecorada diante de 70 oficiais generais, no início deste abril de 2011, o império da mídia atuou novamente em uníssono no acirramento de contradições entre “a ex-guerrilheira” e a caserna que afagou sua tortura.

A ênfase priorizou os cortes orçamentários, entre outros folguedos que dançam em meio a fatos e versões, explorando a cilada que enreda o governo Dilma no contingenciamento de R$ 50 bilhões do Orçamento Geral da União – mantendo como intocada obra do imaginário e do acaso os mais de R$ 200 bilhões comemorados pelo sistema financeiro no ano de 2010.

O PIG não tratou da condecoração da presidente, mas da apresentação de novos oficiais generais. A Folha de S. Paulo – tratada pelos blogueiros e pelas mídias independentes como uma permanente e prosaica “Falha” e como uma empresa que apoiou com seus préstimos o aparato repressivo da tortura – resume e abraça o desejo de manter o atual perfil castrense e inocular os esforços voltados para uma adequação das Forças Armadas ao seu papel constitucional.

Exatamente quando, pela primeira vez, os quartéis foram orientados à determinação de excluir da ordem do dia as comemorações de 31 de março, uma sagrada referência anual ao golpe militar de primeiro de abril de 1964.

Desfecho secular

À sociedade brasileira, alienada da propriedade sobre o aparato de mídia, nunca coube determinar o tratamento da informação.

Narra a nossa História que o Estado, precipuamente e em diversos períodos, exerceu o controle sobre os meios de comunicação – e sistematicamente a favor das tradicionais oligarquias. As primeiras tipografias permanentes foram instaladas no país somente no século 19, com a vinda da Família Real, em 1808. A Gazeta do Rio de Janeiro foi o primeiro jornal brasileiro, editado oficialmente pela Imprensa Régia. No mesmo ano surgiu o Correio Braziliense, quando, aos censores reais, cabia a decisão acerca do que podia ser publicado.

A História foi marcada por escassos momentos de liberdade e extensos e extenuantes momentos de autoritarismo e repressão, com ênfase no período do Estado Novo (1937-45) e da ditadura militar (1964-1984). Em 1931, Getúlio Vargas criou o Departamento Oficial de Propaganda (DOP) – que, em 1939, tornou-se o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), com a missão do controle sobre os meios de comunicação e difusão da ideologia do Estado Novo. Por Decreto-Lei (1949/39), todos os meios de comunicação submeteriam seus conteúdos ao DIP.

A Constituição de 1946 restabeleceu a liberdade de imprensa, mas o Golpe de 1964 a submeteu – em obediência ao conservadorismo e à plena subordinação ao imperialismo norte-americano. A censura foi novamente estabelecida, agora mediante dispositivos vinculados à edição de Atos Institucionais, a apreensão e destruição de jornais, a perseguição de jornalistas, escritores e intelectuais.

No período neoliberal – na década perdida de 1990 – o controle da informação concentrou-se nas próprias empresas de comunicação, firmando-se a censura aos fatos (e suas interpretações) de acordo com os interesses de classe (econômicos, políticos e culturais) e parâmetros de referência no capital financeiro e seus centros hegemônicos externos, representados pelo império da mídia.

A imprensa foi submetida à lógica de mercado, sustentada numa legislação que legitimou esta concentração das empresas de comunicação em quadrilhas que atuam com o vigor de onipotentes empresas multinacionais. Dessa forma, transferiu-se do Estado para os bunkers conservadores a combatida censura, arremetida agora em feroz oposição às propostas democratizantes, invariavelmente qualificadas como “atentados à liberdade de imprensa”.

É o que se passa no mundo, em todo lugar onde as mídias, sob o domínio e a serviço do capital, ridicularizam, confundem e banalizam a vida, submetendo os povos, em seu próprio nome, à indigência cultural – com o evidente objetivo de perpetuar a ignorância, a miséria, a violência, as guerras e a fome sob todos os seus aspectos.

Nessas condições, prenuncia-se a batalha que requer da sociedade brasileira um profundo engajamento na conquista do direito à informação comprometida com o projeto da construção de um país soberano, justo e igualitário, tomando em suas mãos o horizonte da liberdade. É o império da mídia e de suas elites ou o Brasil. Não há um terceiro caminho ou opção.

*Sociólogo, jornalista, escritor, membro da Equipe de Pautas Especiais do Portal Vermelho