Luciano Siqueira: “O PCdoB vive hoje seu melhor momento”

Socialismo, democracia, reforma política e eleições municipais foram alguns dos temas analisados pelo deputado Luciano Siqueira (PCdoB) durante entrevista concedida ao jornalista Mário Neto, no programa Em Off, levado ao ar pela TV Estação Sat, no último domingo (10).

A transcrição da conversa, que durou 40 minutos, será publicada em três partes. A primeira parte pode ser conferida abaixo. Nela, Luciano discorre sobre o momento atual do PCdoB e o Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, os desafios da construção do socialismo e as experiências socialistas da China e da Coreia do Norte.

A segunda e a terceira partes serão publicadas nesta segunda-feira (18) e na próxima quarta-feira (20), respectivamente.

 Em Off: Como está o PCdoB hoje no Brasil?
Luciano Siqueira:  Nós vivemos hoje, talvez, o melhor momento desde a fundação do partido. Hoje somos um partido com cerca de 240 mil militantes, partícipe ativo da cena política do País em todos os níveis, com presença importante nos movimentos sociais, unido, coeso, com a opinião unificada em nível nacional, respeitado pelos aliados e pelos eventuais adversários nas lutas políticas. Hoje o partido vive um momento muito importante, sobretudo, porque no último Congresso, que aconteceu em novembro de 2009, nós concluímos que demos um passo importante em nosso pensamento político, atualizamos o programa do partido, reafirmando o nosso objetivo socialista, e resolvemos do ponto de vista da formulação programática uma questão prática muito importante.

Muitas vezes me perguntam: “Vocês lutam pelo socialismo, mas como vocês trabalham o dia a dia em função desse objetivo?”. O atual programa do PCdoB reafirma o objetivo socialista e estabelece como caminho a luta por um conjunto de reformas estruturais da sociedade brasileira. Se realizado, o conjunto de reformas que nós pensamos produzirá três resultados muito importantes: a superação dos entraves fundamentais ao pleno desenvolvimento do País; a melhoria substancial da vida do nosso povo; a elevação do nível de consciência política da população, a ponto de, como é próprio do ser humano, as pessoas desejarem ir um pouco mais adiante e, um pouco mais além, a conquista do poder político capaz de conduzir a transição do capitalismo para o socialismo.

Em Off: Convivendo em um mundo cada vez mais globalizado, de mercado aberto, com a livre concorrência, como se dá o equilíbrio entre o pensamento do partido e as práticas do sistema capitalista? Nesse sentido, quais os maiores desafios dos comunistas?
LS: No pós-guerra nós chegamos a ter um quarto da sociedade governado por governos que trabalhavam em função do socialismo. Hoje os países socialistas que restam são China, Coréia do Norte, Cuba, Vietnã e Laos, cada um resistindo a sua maneira. Então, o desafio de um partido que se propõe a construir o socialismo em uma época em que o socialismo não está em alta, não é fácil. No entanto, nós pensamos que, com o nosso programa e a compreensão de que no Brasil o caminho para alcançar o socialismo passa pelo Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento e o País assentado no conjunto de seis reformas estruturais fundamentais, nós tornamos esse objetivo factível, visível no horizonte político e, portanto, deixando de ser uma mera abstração. Acho isso importante também no sentido de que corresponde a um caminho próprio, brasileiro, de alcançar o socialismo.

Você falou em um mundo globalizado, onde predomina a abertura de mercados e, em nossa compreensão teórica e técnica, o mercado não é uma instituição própria do capitalismo, pois surgiu no mercantilismo, na transição do feudalismo para o capitalismo, valendo lembrar que em uma sociedade socialista também há mercado. Estive duas vezes na China. Sendo a China uma sociedade socialista, o poder político é socialista. São seis ou sete partidos no governo e o mais importante e hegemônico é o partido socialista. Os chineses dizem construir o socialismo segundo as peculiaridades chinesas e fizeram como Leni fez na Velha Rússia no começa da experiência socialista: atraindo empresas multinacionais, atraindo capitais externos, para modernizar a economia do país e sobre essa economia modernizada ter condições de avançar no socialismo. Cada povo, cada país, há de percorrer o seu caminho, não há um modelo de socialismo que se possa copiar de um país para outro. Essa compreensão o nosso partido tem há muito tempo, desde o início dos anos 1960, e foi até muito combatido pela esquerda por pensar assim e nós não nos arrependemos de pensar assim, pelo contrário. Esse talvez seja um dos motivos de o partido ter persistido, ter se mantido, e viver um momento de apogeu.

 Em Off: A China é uma grande potência, mas, segundo os críticos, ainda escraviza a mão de obra. Isso é uma inverdade, isso é um engano em relação ao que existe hoje na China ou não?
LS: É uma inverdade, é uma mentira. Eu estive na China em 2005 e 2007, fui duas vezes como vice-prefeito do Recife, em missão oficial, porém com ampla liberdade de circular pelo país. Aliás, isso é próprio da sabedoria oriental, quando você comenta algo importante, uma conquista importante, conquistas sociais, modernização do país, os chineses de pronto apresentam vinte dificuldades. Você compra bens importados da China a preços muito baratos, aí as pessoas dizem: “É porque o operário lá é escravizado”. Isso é falso. Em média, o salário mínimo de um operário na China é 100 dólares, sendo que, com 100 dólares na China compra-se cinco vezes mais do que se compra no Brasil.

Na China, por lei, quando a empresa pública e a empresa privada contrata seus operários deve lhes fornecer habitação, assistência médica e escola. Então, as condições básicas de sobrevivência nas cidades a China tem resolvido. O que eles enfrentam e enfrentam com muito esforço hoje são dois grandes desafios. Um é tratar a questão ambiental. Como o país tem cerca de 1 bilhão e 300 milhões de habitantes, durante alguns anos o esforço do governo era para garantir escola, moradia, assistência saúde e trabalho e, assim, eles não puderam cuidar bem da questão ambiental. Agora, estão cuidando e cuidando inclusive com base científica, com as técnicas mais modernas que se pode ter no sentido da preservação ambiental.

O outro grande desafio é reduzir as desigualdades sociais, porque dos 1 bilhão e 300 milhões de chineses , 700 milhões ainda vivem no campo, onde há muito atraso, as condições de vida ainda não são das mais modernas. E isso não é simples. Os chineses dizem que ainda estão na fase preliminar da transição do capitalismo para o socialismo e essa fase, contando desde 1949, quando conquistaram o poder, deve levar no mínimo 75 anos. Para você ver como as coisas não são simples. Assim como, não foi fácil a transição do feudalismo para o capitalismo. O capitalismo levou 300 anos para consolidar a sua vitória sobre o feudalismo. A humanidade não caminha a passos tão largos.

Em Off: Há também muitas críticas sobre o regime da Coréia do Norte, um regime muito fechado, ditatorial. Isso é uma forma de o país se proteger do mundo capitalista? Como você analisa essa questão?
LS: Primeiro, quero deixar claro que nós do PCdoB já abandonamos há muito tempo o hábito de opinar sobre outros partidos ou outros países. Até porque, a realidade cultural, histórica, econômica, a formação social é peculiar a cada país. É difícil a gente entender facilmente. Em segundo lugar, eu não conheço a Coreia do Norte. Aliás, estava previsto que eu faria uma visita à Coreia do Norte agora, no mês de abril, representando a direção nacional do PCdoB, da qual faço parte, para participar do centenário de nascimento do fundador da República Popular da Coreia, mas a viagem foi adiada. Talvez em maio eu faça essa viagem e conheça melhor a realidade do país.

Na Coreia, existem coisas que para a nossa cultura podem parecer esquisitas. No sistema de governo do país existem os partidos políticos e o grande líder, que é o governante que está acima de tudo, de todas as instituições. E o grande líder que hoje governa o país é filho do grande líder que fundou a República Popular da Coreia. Entender isso não é fácil. Aqui no Brasil isso seria entendido como nepotismo ou uma espécie de dinastia, poder imperial.

Agora, na realidade da Coreia, na realidade da Ásia, o que isso significa? É preciso a gente ter paciência, ter calma, ter tranquilidade para tentar entender essa cultura. Não quero dizer que essa seja a forma correta de se organizar o governo de um país, pode até não ser, no Brasil não seria. No Brasil, o socialismo será construído com base em um governo, poder, Estado, cuja hegemonia seja dos trabalhadores em aliança com o conjunto dos segmentos da sociedade interessados em promover o progresso do país e exercido de maneira democrática.

Porque as experiências socialistas que deu errado revelaram que há dois ingredientes, mostraram que em qualquer que seja a cultura, a realidade de um povo e o país, se não houver essas duas coisas fundamentais dificilmente o socialismo se consolidará. Uma é o incessante desenvolvimento da ciência em todos os terrenos, inclusive da ciência social, a outra é a democracia. Por que essas duas coisas? Porque, sem debate de ideias, sem polêmicas, sem a liberdade de o cidadão ter sua opinião, sem a liberdade da dúvida, a ciência não progride e sem o progresso da ciência os novos problemas que a sociedade coloca a cada etapa do seu desenvolvimento, não são respondidos.


Fonte: Site de Luciano Siqueira