“Reforma política tem de facilitar o voto consciente do povo”
Na segunda parte da entrevista ao programa Em Off, da TV Estação Sat, o deputado Luciano Siqueira (PCdoB) comenta a inter-relação entre o socialismo e o progresso científico, bem como as reformas estruturais necessárias ao desenvolvimento do Brasil, entre elas a reforma política.
Publicado 20/04/2011 09:00 | Editado 04/03/2020 16:57
MÁRIO NETO – No primeiro bloco nós falávamos a respeito de duas questões que o senhor coloca como fundamentais para o socialismo: a questão da democracia e o progresso da ciência. Isso acontece no Brasil?
LUCIANO SIQUEIRA – Nós saímos de um período muito longo de ditadura militar e reconquistamos o funcionamento democrático das instituições. Isso é importante. Agora, sobretudo no período do governo Lula, se passou a dar atenção e a investir mais em Ciência e Tecnologia. Nós estamos avançando no parâmetro de um país capitalista. O que eu me referia a pouco é que, em um país socialista, se não tiver progresso incessante da ciência e não existir o debate, a polêmica que tenha a ver com o progresso científico, o socialismo, que não é um sistema anárquico, é um sistema planejado, ele não dará certo.
Hoje se entende que boa parte das dificuldades que se acumularam e levaram ao retrocesso da ex-União Soviética decorreu da estagnação do progresso científico e da burocratização das instituições a ponto de inibir o debate de ideias, de inibir a polêmica. Nós tiramos a lição disso projetando e imaginando que no Brasil, e no Brasil mais talvez do que na maioria dos países do mundo, pelo o estilo e o jeito de ser da nossa gente, tem que ter ciência, tem que ter democracia, tem que ter liberdade e polêmica.
E falta muito para isso se concretizar no Brasil?
LS – São situações distintas. Alargar a democracia no País é necessário, avançar no desenvolvimento da ciência em todos os terrenos e da produção de tecnologia a serviço do desenvolvimento do País, idem. Mas, isso não quer dizer que por aí nós cheguemos ao socialismo. Para chegar ao socialismo é preciso mudar o poder político e para mudar o poder político é preciso uma vontade nacional nesse sentido e para que essa vontade aconteça é preciso que a consciência da maioria da população evolua nessa direção.
Por isso, que a pouco eu dizia que o programa do PCdoB aponta um caminho para isso ao defender um conjunto de reformas estruturais que, na nossa compreensão, uma vez realizadas superarão os entraves ao pleno desenvolvimento do País e pelo próprio processo de conquista dessas reformas ajudará o nível de consciência da população a crescer. Então, por aí nós podemos almejar a superação do Estado capitalista e iniciar uma transição para o socialismo.
REFORMA POLÍTICA
Isso me parece meio complicado, pois temos várias reformas em discussão. Se sai ou não a reforma política, que já começou a ser discutida… Nós vemos que a coisa ainda é muito travada, muito embrionária. Como o PCdoB acompanha e analisa, por exemplo, a reforma política?
LS – É verdade. Quais são as reformas que defendemos como indispensáveis à superação dos entraves ao pleno desenvolvimento do País? Eu vou citá-las não por ordem hierárquica: reforma política, dos meios de comunicação, a reforma do sistema educacional, reforma agrária, tributária e reforma urbana. Nenhuma delas é fácil, porque se encontra resistências muito importantes. Com relação à reforma política, o PCdoB entende que ela há de ser democratizante, tem de ser no sentido de reforçar a democracia e facilitar o voto consciente do povo. Para isso, entre o conjunto de medidas nós defendemos duas para que seja, assim, a essência para que possamos ter um sistema político eleitoral mais democrático: a primeira é o financiamento público de campanhas. A outra é a votação para cargos proporcionais, mas pelo sistema de listas partidárias fechadas, porque é mais democrático.
Em nossa opinião, o financiamento público de campanha traria uma grande economia de recursos públicos porque se você faz campanhas eleitorais exclusivamente financiadas por um fundo partidário, além de reduzir as desigualdades entre os partidos, determinadas pelo poder econômico, você coloca uma barreira na relação promíscua entre candidatos e os grupos econômicos, que financiam as campanhas eleitorais e depois vão cobrar a fatura. Essa é um das razões da corrupção no País. Financiamento público de campanha é algo que aprimora o sistema partidário e eleitoral.
Com relação ao sistema de listas, pelo mundo afora, ele tem duas hipóteses: a lista fechada, na qual o eleitor é convidado a votar em uma legenda, cuja lista de candidatos é formada por pessoas conhecidas. Em uma das vezes que passei em Portugal havia eleições para Assembleia Nacional e na lista do Partido Comunista de Portugal estava lá embaixo o nome do escritor Jose Saramago, membro do partido. Por que ele quis o nome dele na lista? Porque ele era um homem de muita projeção e o eleitorado português saberia que aquele programa partidário, sustentado por aquele partido, tem o aval de José Saramago. Por que é mais democrático? Porque a partir daí o eleitor vai prestar atenção no que os partidos propõem, vai se ater às ideias e não necessariamente aos indivíduos.
Mas, não se corre o risco de ter um ou outro deputado que não seja tão coerente?
LS – Corre. Sempre há o risco, mas o eleitorado estará preparado para fiscalizar. Porque ele vai cobrar o seguinte: o deputado fulano se elegeu, por tal partido, defendendo tal programa. Se, no exercício do mandato ele não honrar aquele programa o eleitor vai cobrar, porque conhece o programa. Hoje o eleitor não conhece a proposta do partido, ele vota nos indivíduos.
Mas você esta falando de eleitores bem informados, de eleitores que participam de todo o processo. Nós sabemos que na prática não é bem assim.
LS – Na prática não é exatamente assim porque o sistema eleitoral não ajuda nesse sentido. Agora, existe a hipótese também de o eleitor na hora de votar, votar na legenda e também em um nome daquela lista, de tal maneira que ao se computarem os votos é possível que o partido tenha feito uma lista, mas o eleitor votar também no nome. Se o candidato que estava no quarto lugar da lista tiver mais votos, ele passará para o primeiro lugar, de tal maneira que, se o partido conquistar 30% dos votos, 30% dos deputados, o candidato será o primeiro da lista e não aquele que liderava a lista original que o partido indicou. O sistema de votação proporcional nominal só existe atualmente no Brasil e na Finlândia. Nos demais países do mundo, prevalece a lista partidária, exatamente para tornar os partidos programáticos, responsáveis por seus candidatos, por seus parlamentares e responsáveis pelo que dizem na campanha eleitoral.
PARTICIPAÇÃO POPULAR
Uma questão interessante que está em pauta é a participação popular e o PCdoB prima por essa questão em todos os processos políticos e nós temos observado que a sociedade não tem participado tanto das eleições como em outras décadas. Nesse momento em que se discute a reforma política, não seria o caso de termos uma participação popular mais efetiva, e porque ela não acontece hoje?
LS – Eu acho que não acontece pelo seguinte: a participação do povo nas grandes decisões do País acontece como se fosse ondas do mar, não vai ser sempre no crescendo, há momentos que aumenta de acordo com o assunto que está chamando as atenções, que está no clímax, como aconteceu durante a campanha das Diretas Já, do movimento pelo impeachment de Color e em outros momentos. Este não é o momento. Embora tenhamos saído de uma eleição presidencial na qual a participação do eleitorado foi uma das maiores do mundo, a reforma política ainda não é assunto de conversa no bar da esquina, na escola ou em outro lugar, porque esse não é um tema que os próprios partidos tenham colocado como tema principal na campanha. Fica sendo uma coisa muito abstrata, fica sendo uma coisa muito de partido. E não é.
Por que os partidos não estão colocando isso na pauta da sociedade? No caso do PCdoB é porque o partido está aliado ao PT, que é governo hoje, ou porque a oposição não sabe fazer, a oposição não sabe conclamar a sociedade para essa discussão?
LS – Eu acho que a maioria dos partidos não coloca essa questão porque não quer. Nós, do PCdoB, discutimos as reformas estruturais na campanha eleitoral. Eu mesmo quando candidato a deputado estadual em toda a parte onde estive, qualquer reunião ou debate, sempre procurei – nós, do PCdoB sempre procuramos – traduzir essa questão de maneira simples para que o eleitor comum pudesse entender a defesa das reformas.
Por que a reforma política é muito difícil de concretizar-se? Por que os grandes partidos no fundo não querem que ela aconteça. Agora, quando vi que o Senado constituiu uma comissão de notáveis e a Câmara dos Deputados uma comissão de 50 deputados representando todas as legendas e com uma agenda de discursão imensa, a impressão que tive é que mais uma vez vai acontecer o que acontece com toda a Legislatura: começa o debate e no meio do caminho o debate se perde. No entanto, a reforma política é uma reforma muito importante no que diz respeito a eleições mais limpas, mais democráticas e para despertar o eleitor para propostas programáticas.
Fonte Site de Luciano Siqueira