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Bin Laden não era prioridade de Obama, mas vira trunfo eleitoral

Apesar de toda a propaganda da Casa Branca sobre a morte de Osama bin Laden, já fazia algum tempo que se livrar do líder da Al Qaeda não era o objetivo mais importante da política externa dos Estados Unidos. O problema da Al Qaeda — que em 2001 escancarou as fragilidades do império e abalou de forma tão profunda o orgulho americano — havia sido superado por três questões mais prementes: “americanizar” o Paquistão, controlar a "primavera árabe" e conter o Irã.

Matar Bin Laden começa a fechar um capítulo na história americana, mas são esses três problemas os que devem concentrar as atenções dos Estados Unidos nos próximos dez anos. A questão-chave é, na verdade, se o país poderá usar sua morte como forma de conseguir mais força para abordar esses problemas mais contemporâneos.

Isso não significa minimizar o impacto midiático-eleitoral que a morte de Bin Laden transfere ao presidente Barack Obama. Para boa parte dos americanos, o líder da Al Qaeda era a personificação do mal — e sua capacidade de esquivar-se do alcance de Washington, uma fonte de frustração e constrangimento. Em termos práticos, entretanto, sua morte é mais reveladora sobre até que ponto o problema Al Qaeda se transformou em um “problema Paquistão”, ainda maior.

Bin Laden, embora fosse o homem mais procurado do mundo, vivia no coração do Paquistão, em segurança e com conforto. A questão-chave é se os líderes paquistaneses desconheciam seu paradeiro, preferiram não saber ou se foram cúmplices ao mantê-lo seguro. Todas as respostas possíveis são ruins para os interesses dos Estados Unidos. De resto, a Al Qaeda continua uma força mortal. Seus combatentes provavelmente somam centenas, e seus postos avançados mais letais agora estão distantes de Bin Laden e sua toca.

Já o Paquistão, em contraste, é um país de 187 milhões de pessoas — sendo 35% com menos de 15 anos — que faz fronteira com a China, Índia, Irã e Afeganistão. É 95% muçulmano, com elementos islâmicos antiocidentais, que o governo não consegue controlar inteiramente. E possui armas nucleares.

O segundo ponto imperativo para a política americana é controlar a primavera árabe — e nesse front, o declínio da Al Qaeda e a morte de Bin Laden podem favorecer a Casa Branca. Semanas após os levantes populares no mundo árabe terem começado na Tunísia e no Egito, autoridades americanas e líderes árabes esperam que os movimentos pró-democracia, independentemente de sua desorganização, minem a mensagem da Al Qaeda de que a única forma de mudar é por meio do terror.

Por fim, há o confronto com o Irã. O movimento Al Qaeda, em grande parte sunita, e os revolucionários xiitas no Irã não são aliados naturais — e não se lamentará muito por Bin Laden em Teerã. Na verdade, os mulás iranianos vêm observando mais de perto o que acontece nos levantes populares na Síria e na Líbia.

Campanha turbinada

Sendo ou não sendo prioridade, a morte do líder da Al Qaeda aumenta as chances de vitória de Obama nas eleições do ano que vem. O desempenho da economia americana segue como provável tema dominante na campanha eleitoral — mas a operação no Paquistão ajuda a esvaziar uma das principais bandeiras da oposição republicana, tradicionalmente focada em segurança nacional.

Desde a noite de domingo, quando a morte de Bin Laden foi anunciada, há um claro esforço da equipe de comunicação de Obama para capitalizar o episódio, assinalando que o presidente exerceu papel de liderança na caça ao líder da Al Qaeda. "Mesmo antes de ser presidente, quando era candidato, ele tinha uma linha clara de atuação sobre Obama bin Laden", afirmou o porta-voz da Casa Branca, Jay Carney.

No mês passado, Obama deu início oficial à campanha presidencial de 2012, com a abertura de seu comitê para arrecadar fundos. Apesar de exibir índices de popularidade relativamente baixos, ele é considerado o favorito porque já está no poder e porque cresceu o otimismo entre os americanos sobre a evolução da economia.

"A morte de Bin Laden um impulso muito importante para o presidente Obama, tanto no curto prazo quanto na campanha eleitoral", comenta Sean West, analista de política americana da Eurasia Group — uma empresa de consultoria política com sede em Nova York. Antes da morte de Bin Laden, afirma West, a segurança nacional era um dos pontos vulneráveis de Obama, independentemente de ele ter feito ou não a coisa certa.

"[Obama] não falou com muita frequência nem mostrou evidências concretas do que fez sobre segurança nacional, e os republicanos são muito bons para falar sobre esses assuntos", afirma West. "Agora, está morto o indivíduo que toda a campanha no Afeganistão estava atrás."

Nesta segunda-feira (2), os principais pré-candidatos republicanos divulgaram mensagens de congratulação ao presidente Obama. "É uma grande vitória para os amantes da liberdade. Parabéns à nossa comunidade de inteligência, aos nossos militares e ao presidente", disse Mitt Romney, que aparece na frente em algumas pesquisas como possível adversário de Obama.

Às vésperas da morte de Bin Laden, 46% dos americanos aprovavam o trabalho do presidente Obama, enquanto 45% desaprovavam, segundo o Instituto Gallup. O fraco desempenho da economia, sobretudo a taxa de desemprego em 9,2%, considerada alta para os Estados Unidos, corroeram a popularidade de Obama desde que ele assumiu o governo, no começo de 2009.

No ano passado, ele perdeu uma importante eleição legislativa. Mesmo assim, o presidente é considerado o favorito na disputa pela reeleição. Antes da morte de Bin Laden, a Eurasia calculava que Obama tinha chances entre 60% e 75% de ser reeleito.

Via helicópteros

Na sua campanha eleitoral de 2008, Obama havia alçado como prioridade prender Osama e levá-lo a julgamento. Domingo, ao anunciar que o líder da Al Qaeda foi morto, Obama procurou deixar claro que toda a operação foi conduzida sob sua ordem. Oficiais da Casa Branca disseram que Obama comandou pelo menos cinco reuniões nas últimas semanas sobre o tema e que acompanhou o transcorrer da operação no domingo.

Teria sido decisão pessoal de Obama, repetiram seus auxiliares, caçar Bin Laden numa operação com helicópteros, em vez de simplesmente bombardear a casa em que o líder da Al Qaeda encontrava-se escondido. "O ataque com helicópteros foi mais arriscado", disse um auxiliar da Casa Branca numa teleconferência. "Mas ele queria uma prova [da morte de Bin Laden] — não queria apenas um monte de entulho."

Em 2003, o então presidente americano, George W. Bush, ganhou um importante impulso de popularidade, de oito pontos percentuais, com a captura do ex-presidente do Iraque Saddam Hussein. Muitos consideram essa fato como decisivo para a sua reeleição, em 2004.