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Embaixador brasileiro diz que Paquistão vive clima tenso

O embaixador brasileiro no Paquistão, Alfredo Leoni, avalia que a operação dos Estados Unidos que capturou e matou Osama Bin Laden pode dar início a um atrito entre os dois países. O governo do presidente Asif Ali Zardari é aliado dos norte-americanos, mas o embaixador relata embates políticos que podem dificultar as relações.

Casa bin

Bin Laden foi encontrado numa casa no norte do Paquistão. A CIA, a agência secreta americana, afirmou que não pediu autorização ao governo local porque haveria o risco de que Bin Laden fosse alertado. Já os paquistaneses responderam. O secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros falou em colaboração e o serviço secreto do país disse que compartilhava informações com os americanos.

"Em termos de política internacional, a forma como a CIA coloca que não poderia confiar no Paquistão, isso pode gerar atritos", relata Leoni. Ele ainda vê o crescimento de manifestações populares de apoio ao terrorista, coisa que forças políticas de oposição começam a explorar. "A oposição toda já está reclamando, exigindo explicações, dizendo que foi como se o governo não existisse".

Da capital paquistanesa, Islamabad, o embaixador relata o clima de tensão. "É muito possível que o Paquistão seja o cenário de um ataque da Al Qaeda ou do Talibã, como aliás acontece com frequência", afirma. A morte de Bin Laden, avalia, reforçou o sentimento de apoio aos grupos terroristas. "Tem muitos seguidores aqui, muitas pessoas que consideram o Bin Laden um herói".

Em Islamabad, a embaixada do Brasil já funciona em estado de alerta e há recomendações para que os funcionários evitem locais de aglomeração, alvo mais fácil de atentados.

Leia a entrevista.

Terra Magazine – Há um clima de tensão nesse momento no Paquistão?
Alfredo Leoni: Segunda-feira foi um dia muito especial, houve aquela grande surpresa. Depois, a apreensão com tudo o que poderia acontecer, o medo de ataques. Mas acabou que o dia foi normal. Agora, existe um clima de apreensão. Al Qaeda e Talibã disseram que vão vingar a morte do Bin Laden. E esses ataques normalmente ficam no Paquistão. É muito possível que o Paquistão seja o cenário de um ataque da Al Qaeda ou do Talibã, o que aliás acontece com frequência. O dia mais importante pode ser sexta-feira, porque é um dia santo no Islã. Aí é que vamos ver se haverá manifestações.

Terra Magazine – Vemos fotos de uma série de protestos pró-Bin Laden. A impressão é de que esses movimentos tomaram conta. É isso mesmo ou ainda é um ato pequeno?
Alfredo Leoni: Não, pequeno não é. Bin Laden era um símbolo, o fundador da Al Qaeda e o mentor do 11 de setembro. Ele era um homem que encarnava o Islã radical. E isso tem eco aqui. Tem muitos seguidores aqui, muitas pessoas que consideram o Bin Laden um herói. Além disso, há o antiamericanismo. Realmente, muita gente no Paquistão está desgostosa e revoltada com a morte dele.

Terra Magazine – E quanto ao fato de os Estados Unidos dizerem que o Paquistão não foi informado sobre a operação?
Alfredo Leoni: Do ponto de vista diplomático, é uma situação delicada. O secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros daqui deu uma declaração, afirmando que o Paquistão sempre apoiou os Estados Unidos no combate ao terrorismo. O governo do Paquistão está querendo seguir adiante, não quer tratar do assunto, mas o povo está reclamando. Como é possível as autoridades paquistanesas não saberem da ocupação e não terem impedido a invasão do espaço aéreo? Pode ser que haja algum desdobramento, sobretudo, na política interna paquistanesa.

Terra Magazine – Algum grupo político que se posicione?
Alfredo Leoni: Sem dúvida, a oposição. A oposição toda já está reclamando, exigindo explicações, dizendo que foi como se o governo não existisse. Haverá eleições em menos de um ano e meio. Mas isso é uma questão interna. Em termos de política internacional, a forma como a CIA coloca que não poderia confiar no Paquistão, isso pode gerar atritos.

Terra Magazine – Mais um detalhe polêmico da operação que matou Bin Laden, não?
Alfredo Leoni: Isso vai ter um efeito de colocar a situação do Paquistão mais em evidência. A tendência antes era falar da atuação da Al Qaeda e do Talibã apenas no Afeganistão. O fato de o Bin Laden ter morado aqui por anos vai expor mais o país. Isso certamente terá o efeito negativo de expor mais o Paquistão como um lugar do Talibã e da Al Qaeda

Terra Magazine – No caso de ataque no Paquistão, os órgãos internacionais viram o primeiro alvo, não?
Alfredo Leoni: O primeiro alvo são os militares paquistaneses, o governo paquistanês. Depois, os estrangeiros, as embaixadas. Mas todas as embaixadas têm um esquema de segurança grande, com homens armados, muros altos e vidros com proteção contra bombas. Nós já orientamos todos os funcionários da embaixada e toda a comunidade brasileira. Recomendamos que fiquem alertas e evitem aglomerações, supermercados, cinemas… Todo local de aglomeração é um alvo.

Terra Magazine – O senhor fala com tanta tranquilidade…
Alfredo Leoni: É a rotina. Aqui estamos sempre preocupados com isso, com bombas. Uma vez estava num restaurante aqui em Islamabad e todos ouviram um barulho estranho. Logo veio o medo de bomba. Perguntei ao garçom e ele disse que era um gato! Qualquer barulho a gente acha que pode ser uma bomba. A casa onde eu moro já teve todos os vidros quebrados por conta de uma bomba que foi colocada para atingir a embaixada da Dinamarca, em 2008.

Terra Magazine – Além desse estado de alerta, do medo de retaliação, existe uma necessidade a longo prazo, não é? A Al Qaeda tem um importante espaço dentro do Paquistão. Ela continuará a ser combatida normalmente? A morte de Bin Laden muda algo?
Alfredo Leoni: A maioria dos membros da Al Qaeda e do Talibã são de uma etnia chamada pachtun, que ocupa principalmente o norte do Paquistão. Com a divisão entre Paquistão e Afeganistão, a etnia foi dividida. Estamos falando de mais de 42 milhões de pessoas. A Argentina tem 40 milhões de habitantes. Eles são tribais, um povo muito antigo. O Bin Laden arrebanhava seus correligionários, sobretudo, nos pachtun. Eu acho que, em termos práticos, nada vai mudar. Aqui já se dizia que Bin Laden estava morto há dois anos. Bin Laden era um ícone e a morte dele tem uma importância simbólica. Mas na Al Qaeda não mudou nada. Pelo contrário, a morte pode ser até um estímulo para arrebanhar mais pessoas.

Terra Magazine – Mas, nos termos do combate ao terrorismo, o senhor vê alguma evolução daqui para a frente?
Alfredo Leoni: Eu acho que a campanha antiterror está sendo vitoriosa. O Talibã e a Al Qaeda foram muito afetados nos últimos anos. Diminuiu muito o número de ataques. Mas eles estão vivos e estão atuantes. Muito menos poderosos, mas ainda têm poder. Não se pode dizer que a missão foi cumprida.

Fonte: Terra Magazine