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Túlio Muniz: a mídia pró-EUA e o pós-colonialismo do império

A sociedade do controle, anunciada por Michel Foucault em Vigiar e Punir, foi paulatinamente estabelecida em substituição aos ritos de execução. Entre os séculos 17 e 20, o uso do suplício passou ao confinamento, o que Foucault chamou de "economia do castigo" ao narrar o nascimento da prisão.

Por Túlio Muniz*, no Observatório da Imprensa

Entretanto, de Tiradentes a Lampião, de Che Guevara a Saddam Hussein, a exibição pública dos cadáveres de contestadores da "ordem" estabelecida atravessou três séculos e foi a estratégia legitimadora para eliminação do "inimigo". A sociedade do controle surge, sim, da vigilância aos vivos, mas nunca abriu mão da publicização do horror para legitimar suas ações.

Em praticamente todo o mundo as sociedades humanas utilizam rituais de despedida de seus mortos, com a presença do corpo do morto, para que fiquem em paz os que partiram e os que ficam. Com a morte de Osama Bin Laden, cujo cadáver não apareceu, assistimos à consolidação do tipo de sociedade da vigilância global, na qual todos podem ser localizados e eliminados.

Mas, ao contrário de apresentar os restos mortais de seus adversários, os ocultam, incutindo ainda mais temor aos simpatizantes ou não da causa do ente eliminado. Para além do controle da vida e da morte, o pós-morte torna-se simbologia do poder.

Os Estados Unidos, ao supostamente lançarem ao mar o corpo de Bin Laden numa ação em território estrangeiro, demonstram o quanto está ativo o poder intervencionista de seu império bélico, propagando quase sem contestações o que chamo de "dispositivo pós-colonial", um discurso modelizador e coercitivo que chega às populações pela mídia como unânime e incontestável.

Ainda pulsa o potencial dos Estados Unidos para gerar novos tipos de controle global, em que pese o detrimento, cada vez maior, da sua economia, sustentada sobretudo pelo terror do Estado e pela guerra, que, regida pela batuta americana, não cessa mundo afora.

* Túlio Muniz é jornalista, historiador e doutorando na Universidade de Coimbra