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Ação Educativa repudia preconceito e defende livro do MEC

A ONG Ação Educativa, uma das mais respeitadas na área e responsável pelo livro Por uma Vida Melhor, que causou polêmica por defender um erro de concordância, afirmou que o material não ensina erros, nem deixa de ensinar a norma culta, apenas indica que existem "outras variedades diferentes dessa".

O livro da coleção Viver, Aprender, para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), distribuído pelo Programa Nacional do Livro Didático, do próprio MEC, defende que é preciso trocar os conceitos de “certo e errado” por “adequado e inadequado“.

O material didático para jovens e adultos foi distribuído pelo MEC a 4.236 escolas do país e reacendeu a discussão sobre como registrar as diferenças entre o discurso oral e o escrito sem resvalar em preconceito, mas ensinando a norma culta da língua.

Para a ONG, o capítulo citado ("Escrever é diferente de falar") se propõe a apresentar ao estudante as diferenças entre a norma culta e as variantes populares que ele aprendeu até chegar à escola, considerando que o material é voltado ao ensino de jovens e adultos. Ao tratar da diferença entre a língua oral e a escrita, afirma, por exemplo, que é possível dizer, em determinados contextos, 'os livro ilustrado mais interessante estão emprestado'.

"Para que possa aprender a utilizar a norma culta nas mais diversas situações, o estudante precisa ter consciência da maneira como fala. A partir de então, poderá escolher a melhor forma de se expressar", diz a ONG, em nota.

A nota afirma ainda que é preciso "cuidado com a divulgação de matérias com intuitos políticos pouco educativos e afirmações desrespeitosas em relação aos educadores".

Norma contra preconceito existe desde 1997

A orientação para que as escolas evitem o preconceito linguístico consta desde 1997 dos Parâmetros Curriculares Nacionais – ou seja, passou pelos governos FHC, Lula e Dilma.

Os documentos servem como orientação a escolas, professores e editoras.

Quando abordou nos PCNs o tema "qual fala cabe à escola ensinar", o Ministério da Educação já orientava que a escola "precisa livrar-se do mito de que existe uma única forma certa de falar".

A educadora Maria Cristina Ribeiro Pereira, uma das coordenadoras dos PCNs em 1997, diz que a inclusão do tema nos parâmetros teve como objetivo chamar a atenção da escola para preconceitos não visíveis.

"O preconceito em relação à fala acontece não apenas com jovens e adultos. É comum, por exemplo, quando uma criança sai de uma escola rural para uma urbana, sofrer preconceito pelo modo de falar." Ela não quis comentar o livro Por uma Vida Melhor por não tê-lo lido.

ABL reforça posição elitista ao condenar livro 

Na semana passada, a Academia Brasileira de Letras (ABL) também divulgou uma nota, mas condenando o livro e suas orientações de aceitação da norma popular. A nota da ABL faz vários elogios ao trabalho do MEC, mas defende a norma culta como a única aceitável no ensino da língua portuguesa.

"Todas as feições sociais do nosso idioma constituem objeto de disciplinas científicas, mas bem diferente é a tarefa do professor de Língua Portuguesa, que espera encontrar no livro didático o respaldo dos usos da língua padrão que ministra a seus discípulos, variedade que eles deverão conhecer e praticar no exercício da efetiva ascensão social que a escola lhes proporciona", diz o documento da ABL.

O presidente da entidade, Marcos Vilaça, afirma que o livro Por uma vida melhor é “completamente inadequado”. Na nota, a ABL afirma ainda que “estranha certas posições teóricas dos autores de livros que chegam às mãos de alunos dos cursos fundamental e médio com a chancela do Ministério da Educação, órgão que vem se empenhando em melhorar o nível do ensino escolar no Brasil”.

Leia a íntegra da nota divulgada pela ONG Ação Educativa:

"Livro para adultos não ensina erros

Uma frase retirada da obra Por uma vida melhor, cuja responsabilidade pedagógica é da Ação Educativa, vem gerando enorme repercussão na mídia. A obra é destinada à Educação de Jovens e Adultos, modalidade que, pela primeira vez neste ano, teve a oportunidade de receber livros do Programa Nacional do Livro Didático. Por meio dele, o Ministério da Educação promove a avaliação de dezenas de obras apresentadas por editoras, submete-as à avaliação de especialistas e depois oferece as aprovadas para que secretarias de educação e professores façam suas escolhas.

O trecho que gerou tantas polêmicas faz parte do capítulo "Escrever é diferente de falar". No tópico denominado "concordância entre palavras", os autores discutem a existência de variedades do português falado que admitem que substantivo e adjetivo não sejam flexionados para concordar com um artigo no plural. Na mesma página, os autores completam a explanação: "na norma culta, o verbo concorda, ao mesmo tempo, em número (singular plural) e em pessoa (1ª 2ª 3ª) com o ser envolvido na ação que ele indica". Afirmam também: "a norma culta existe tanto na linguagem escrita como na oral, ou seja, quando escrevemos um bilhete a um amigo, podemos ser informais, porém, quando escrevemos um requerimento, por exemplo, devemos ser formais, utilizando a norma culta".

Pode-se constatar, portanto, que os autores não estão se furtando a ensinar a norma culta, apenas indicam que existem outras variedades diferentes dessa. A abordagem é adequada, pois diversos especialistas em ensino de língua, assim como as orientações oficiais para a área, afirmam que tomar consciência da variante linguística que se usa e entender como a sociedade valoriza desigualmente as diferentes variantes pode ajudar na apropriação da norma culta. Uma escola democrática deve ensinar as regras gramaticais a todos os alunos sem menosprezar a cultura em que estão inseridos e sem destituir a língua que falam de sua gramática, ainda que esta não esteja codificada por escrito nem seja socialmente prestigiada. Defendemos a abordagem da obra por considerar que cabe à escola ensinar regras, mas sua função mais nobre é disseminar conhecimentos científicos e senso crítico, para que as pessoas possam saber por que e quando usá-las.

O debate público é fundamental para promover a qualidade e equidade na educação. É preciso, entretanto, tomar cuidado com a divulgação de matérias com intuitos políticos pouco educativos e afirmações desrespeitosas em relação aos educadores. A Ação Educativa está disposta a promover um debate qualificado que possa efetivamente resultar em democratização da educação e da cultura. Vale lembrar que polêmicas como essa ocupam a imprensa desde que o Modernismo brasileiro em 1922 incorporou a linguagem popular à literatura. Felizmente, desde então, o país mudou bastante. Muitas pessoas tem consciência de que não se deve discriminar ninguém pela forma como fala ou pelo lugar de onde veio. Tais mudanças são possíveis, sem dúvida, porque cada vez mais brasileiros podem ir à escola tanto para aprender regras como parar desenvolver o senso crítico."

 

Da Redação, com informações do UOL