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Movimentos pressionam por CPI do trabalho escravo no MA

Representando diversas entidades e movimentos sociais, o advogado Antonio Filho, do Centro de Defesa da Vida e Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH) entregou um documento para a deputada estadual Eliziane Gama (PPS-MA) exigindo que seja instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o trabalho escravo no Maranhão.

Filho chamou a atuação do estado no combate ao trabalho escravo de hipócrita. “É muita hipocrisia dizer que o Estado priorizou o fim do trabalho escravo. Existem vários planos que só estão no papel e, dificilmente, é emitido voz de prisão a um fazendeiro”.

Nonato Masson, representante da seção maranhense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), apóia a instalação da comissão. “A CPI é justamente para investigar porque o Estado é refém do trabalho escravo, tão lucrativo para o fazendeiro”.

Masson afirma que é necessário destrinchar a relação de subserviência do Estado com esses crimes. “É um absurdo verificar que uma das práticas do Estado é negociar com esses fazendeiros, onde muitos ainda alegam que não podem pagar. Não se pode negociar com criminosos, existe todo um aparato legal que os pode julgar”, comenta o advogado.

Para instaurar a CPI do trabalho escravo no Maranhão são necessárias, pelo menos, 14 assinaturas dos deputados estaduais.

Conjuntura

No Maranhão apenas dois fazendeiros estiveram, por algum momento, presos sob a acusação de manter trabalhadores em situação análoga à escravidão, Max Neves Cangussu e Gilberto Andrade.

Cangussu recebeu voz de prisão em 6 de outubro de 2001 e foi conduzido até a Polícia Federal em Imperatriz (MA), onde foi autuado em flagrante pelo delegado Antônio Danúzio Teixeira Almeida.

Antonio Filho relata que na sede da Delegacia da Polícia Federal em Imperatriz, o fazendeiro foi indagado pela coordenadora de fiscalização sobre a data que efetuaria o pagamento dos salários dos seus empregados e respondeu o seguinte: “não vou pagar nem morto. Eles é quem estão me devendo. Veja os cadernos onde estão anotados as dívidas comigo”.

“Essa foi a primeira prisão em flagrante pela prática do crime de sujeição de trabalhadores à condição análoga à de escravo no Maranhão e, estranhamente, continua sendo a única, apesar de tantas outras fiscalizações terem flagrado o crime nos últimos tempos”, lembra Filho.

“Nos últimos anos foram 200 flagrantes para apenas essa prisão”, complementa Masson.

Já Gilberto Andrade esteve preso em duas ocasiões, sendo até hoje o indivíduo que passou mais tempo detido preventivamente pela prática do crime, cerca de sete meses.

“Gilberto é de uma família de pecuaristas e grileiros tradicionais de Paragominas (município do estado do Pará), seu irmão Jairo de Andrade foi o primeiro tesoureiro nacional da União Democrática Ruralista (UDR). Essa família tem ficha grande em relação a conflitos com posseiros”, menciona Filho.

Além da prática do trabalho escravo, em 2000, o Ministério Público Federal solicitou que fosse decretada sua prisão preventiva diante de indícios de sua participação como mandante de mais de uma dezena de assassinatos de trabalhadores, mas naquele momento foi negado o pedido.

Em 2008, Gilberto Andrade foi acusado de torturar um trabalhador em uma de suas fazendas no Pará aplicando ferro quente em várias partes do corpo. “Esse ato foi base de fundamentação de novo pedido de prisão preventiva formulado pelo Ministério Público, que dessa vez prendeu o fazendeiro por sete meses, alojado a maior parte do tempo na sede do Corpo de Bombeiros do Maranhão ou em hospital particular em São Luís”, revela Filho.

Problemática

Se o Estado é omisso contra prática do trabalho escravo, sua ausência em outras instâncias culmina ainda mais para o agravamento da situação. A professora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Flávia de Almeida Moura, autora do livro “Escravos da Precisão – publicado pela editora EDUFMA”, estudou os meandros da economia familiar, além das estratégias de sobrevivência de trabalhadores rurais do município de Codó (MA).

Ela afirma que, embora ainda exista a figura do chamado "gato", o aliciador que leva os trabalhadores às fazendas ou carvoarias, em certas localidades do Estado maranhense muitos trabalhadores rurais são escravos por necessidade. “Eles vão para o trabalho escravo pela necessidade, não porque são enganados pelo gato, mas por um problema estrutural, por falta de políticas públicas”.

Segundo a professora, não se pode generalizar o trabalho escravo em qualquer atividade rural, embora muitas ainda sejam degradantes. No entanto, a professora aponta que esse trabalho se concentra justamente nas duas principais atividades econômicas do momento: pecuária e na cadeia produtiva do minério.

"O trabalho escravo não pode ser entendido por uma atividade econômica opcional, pois são trabalhadores sem-terra ou sem condições de se manter no campo com seu pedaço de terra”, avalia a professora Moura.

Para o procurador do Ministério Público do Trabalho de Cuiabá, Rafael Garcia, que esteve presente em audiência pública na Assembléia Legislativa do Estado do Maranhão, no dia 31 de maio, só uma ação poderá acabar de vez com o trabalho escravo: “mexer na estrutura fundiária desse país".

Segundo ele, "enquanto tivermos pessoas sendo expulsas do campo pelos grandes projetos do agronegócio ou sem recursos para gerirem seus espaços, o que teremos é o trabalho escravo como consequencia”.

Com MST