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Humala está em choque com gregos de Lima e troianos do altiplano

Acho que eu nunca tinha entendido realmente o conceito de "eleição polarizada" até cobrir o primeiro e segundo turnos do pleito presidencial no Peru, neste ano. O país ficou profundamente partido: de um lado, a elite de Lima e os saudosos das vitórias do fujimorismo sobre o Sendero Luminoso e a inflação; de outro, indígenas, povo do altiplano e da Amazônia, além de intelectuais temerosos da volta da censura e perseguição fujimorista.

Por Patrícia Campos Mello, em seu blog

O Peru inteiro estava engajado — contra Ollanta Humala ou a favor de Ollanta Humala. Alguns sinais perturbadores: o Nobel Mario Vargas Llosa é, obviamente, uma entidade no país. Era aplaudido em restaurantes antes de declarar apoio a Humala, segundo me contou seu amigo, o pintor Fernando de Szyszlo.

Pois bem, poucos dias antes do segundo turno, manifestantes fujimoristas levaram vários caixões para frente da casa do escritor (que estava em Madri), com cartazes de “traidor”. Os filhos de Vargas Llosa — Alvaro, Morgana e Gonzalo — recebiam ameaças anônimas por telefone. Para parte da elite fujimorista, era inconcebível um bem-pensante descendente de espanhóis votar em um “cholo chavista”.

Os jornais e as TVs, com exceção do La Republica, estavam em campanha aberta por Keiko Fujimori. "A prova dos petrodólares de Chávez para a campanha de Humala" — era a capa do jornal Peru21 dois dias antes da eleição de domingo. No caso, prova não tinha nenhuma, só o que houve foi uma entrevista do Roger Noriega, ex-secretário assistente de Estado no governo Bush que é conhecidamente um radical de direita, falando para a Univisión.

Humalistas tampouco economizaram munição, apesar da desvantagem midiática. Voltaram a circular pela internet as acusações de que o irmão de Keiko — Kenji, que foi o deputado mais votado desta eleição — tinha se masturbado com cachorros (com direito a vídeo no YouTube).

A acusação de que 300 mil mulheres pobres foram esterilizadas à força no governo Fujimori foi devidamente ressuscitada pelos humalistas e custou à candidata Keiko votos preciosos que podem ter feito a diferença na eleição. Nas redes sociais, todo mundo teve seu dia de Mario Amato, dizendo que, com Humala, milhares de investidores e empresários fugiriam do país.

Humala ganhou por três pontos porcentuais de vantagem, 51,5% contra 48,5% de Keiko. Está longe de ser uma aclamação popular. O presidente eleito sabe que vai ter de costurar várias alianças para governar. E mesmo se conseguir se aliar com a bancada de Alejandro Toledo no Congresso, seu partido, o Gana Peru, não terá maioria expressiva para adotar mudanças radicais, que tanto assustam os órfãos de Keiko.

O grande dilema de Humala, neste país polarizado, é que será impossível agradar a essas duas audiências tão díspares. Para acalmar o eleitorado de Keiko e o mercado, ele terá de manter a estabilidade macroeconômica, continuar afagando investidores como tanto fez Alan García, e não tomar nenhuma atitude radical.

No entanto, os pouco mais de 50% que o elegeram no domingo esperam o oposto —votaram em Humala porque se sentem excluídos do modelo econômico, que fez crescer muito o bolo peruano, mas pouco dividiu. Será difícil adotar as políticas sociais de distribuição sem comprometer a saúde fiscal do governo, e será quase impossível aumentar a receita do governo para aplicar tais políticas sem aumentar impostos sobre mineração e extração de recursos, irritando investidores.

Também será uma façanha de equilibrista lidar com os mais de 200 conflitos sociais que fervem no país — indígenas que se opõem a mineradoras e hidroelétricas (inclusive brasileiras) por causa dos danos a seu meio ambiente e por não verem os benefícios dessa exploração chegarem até eles.

Neste país polarizado, Humala se arrisca a desagradar tanto aos gregos de Lima quando aos troianos do altiplano.