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Manuel E. Yepe: As guerras dos EUA contra os fracos

Quando um bom amigo canadense me disse que estava me enviando um livro cuja leitura ele vivamente recomendava, supus, pelo título que me adiantou – War Against the Weak (Guerra contra os fracos) -, que seria sobre as frequentes agressões contra países do Terceiro Mundo executadas por Washington desde que, no final da Guerra Fria, tornou-se a única superpotência do planeta.

Por Por Manuel E. Yepe

Mas fiquei surpreso ao constatar, após recebê-lo, que o livro em questão se referia a uma outra competição desigual preparada pelos Estados Unidos desde o início do século 20 e colocada em prática entre as décadas de 30 e 60 do século passado, cujo objetivo era criar uma raça superior dominante.

Esta campanha estadunidense, praticamente ignorada hoje no mundo, em virtude do ocultamento midiático a que tem estado submetida, por razões óbvias, serviu de modelo para o Holocausto ao qual o nazismo alemão liderado por Adolf Hitler submeteu a população judaica.

Personagens e instituições da política e da economia que agora se apresentam como responsáveis paladinos da democracia e dos direitos humanos estiveram envolvidos neste genocídio.

O livro nos conta que, nas primeiras seis décadas do século 20, centenas de milhares de americanos rotulados como deficientes mentais ("feeble minded") porque não se ajustavam aos padrões teutônicos, lhes vedaram a reprodução.

Selecionados em prisões, manicômios e orfanatos pelos seus antepassados, sua origem nacional, raça, etnia ou religião, foram esterilizados sem o seu consentimento, impedidos de procriar e de casar-se ou separados de seus parceiros por meio da burocracia governamental.

Esta guerra perniciosa de "colarinho branco" foi realizada por organizações filantrópicas, professores de prestígio, universidades de elite, ricos empresários e altos funcionários do governo, formando um movimento pseudocientífico chamada eugenia (eugenia), cujo objetivo, para além do racismo, era criar uma raça nórdica superior que se impusesse no plano mundial.

O movimento eugênico gradualmente construiu uma infraestrutura jurídica e burocrática nacional para limpar os Estados Unidos dos "não aptos". Provas de inteligência, coloquialmente conhecidas como medições de QI foram inventadas para justificar a exclusão de "débeis mentais", que muitas vezes eram apenas pessoas tímidas ou que falavam outra língua ou tinha uma cor de pele diferente.

Foram promulgadas leis de esterilização forçada em cerca de 27 estados do país para evitar que pessoas detectadas pudessem se reproduzir. Proliferaram-se as proíbições de matrimônio para evitar a mistura de raças. À Suprema Corte dos Estados Unidos chegaram numerosos litígios cujo verdadeiro propósito era consagrar a eugenia e suas táticas no direito cotidiano.

O plano era esterilizar de imediato 14 milhões de pessoas nos EUA e vários milhões a mais em outras partes do mundo para, então, continuar erradicando o resto dos "débeis", até deixar apenas os nórdicos de raça pura no planeta.

Em suma, na década de 30, foram esterilizados coercitivamente cerca de 60 mil estadunidenses e não se sabe quantos casamentos foram proibidos por leis estaduais brotadas do racismo, do ódio étnico e do elitismo acadêmico, mascarados em um manto de ciência respeitável.

Eventualmente, a eugenia, cujos objetivos eram globais, foi espalhada pelos evangelistas norte-americanos na Europa, Ásia e América Latina, até formar uma intrincada rede de movimentos com práticas similares que, através de conferências, publicações e outros
meios, mantinha seus líderes e defensores à procura de oportunidades para expandir suas ideias e propósitos.

Foi assim que chegou à Alemanha, onde fascinou Adolf Hitler e o movimento nazista. O nacional-socialismo alemão trasformou a busca norte-americana de uma "raça nórdica superior" no que foi a luta de Hitler por uma "raça ariana dominante".

A eugenia nazista rapidamente deslocou a norte-americana por sua velocidade e ferocidade. Nas páginas deste livro, Edwin Black – de mão judia polonesa – demonstra como a racionalidade científica aplicada pelos médicos assassinos de Auschwitz, na Alemanha, foi concebida antes nos laboratórios eugênicos da Instituição Carnegie, em Cold Spring Harbor, em Long Island, onde se divulgava de maneira entusiasmada o regime nazista.

Também narra a ajuda financeira maciça concedida pelas fundações Rockefeller, Carnegie e Harriman para instituições científicas alemãs, onde começaram os experimentos de eugenia, que culminaram em Auschwitz.

Ao ser classificado como genocídio o extermínio de judeus pelos nazistas nos julgamentos de Nuremberg, as instituições norte-americanas relacionadas às práticas da eugenia a rebatizaram de "genética" e continuaram seus projectos por mais de uma década, esterilizando e proibindo casamentos "indesejáveis ".

O livro de Edwin Black, publicado pela Thunder's Mouth Press em 2003, é uma obra-prima do jornalismo investigativo, que, em sua 550 páginas, permite que o leitor constate o parentesco e as características comuns entre a trágica história que conta e a política a elite do poder dos EUA aplica hoje em suas relações com as minorias nacionais, os imigrantes e o Terceiro Mundo.