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Marcelo Cardia: a ciência, a soja e o dogmatismo ambiental

“O ambientalismo brasileiro acabará se desmoralizando se continuar nessa rota dogmática”, afirmou o físico e professor emérito da Unicamp Rogério Cézar de Cerqueira Leite, em artigo publicado na Folha de S.Paulo em 5 de agosto de 2010. Segundo Cerqueira Leite, “é preciso lembrar que, afinal, o homem também é espécie a ser preservada”.

Por Marcelo Cardia*

Essa observação nos dá uma boa pista sobre o porquê do atraso de setores da comunidade científica nos debates sobre o Código Florestal brasileiro. O atraso se dá pelo dogmatismo e pela pretensa ciência que produzem. Fruto de arrogância e desconhecimento da realidade brasileira, tais setores incorrem também no erro de considerar que a defesa do meio ambiente só pode ser feita a partir de suas pesquisas e trabalhos acadêmicos — que, aliás, são recentes e com pouca ou nenhuma experimentação.

Aos agricultores — sejam pequenos, médios ou grandes —, não dão o menor crédito, embora eles sejam os verdadeiros ecologistas deste país, aos quais o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) dedicou o relatório do Código Florestal aprovado por esmagadora maioria na Câmara.

Trago três exemplos da contribuição ao desenvolvimento do país que combinam produção agrícola e proteção ao meio ambiente — mas que são ignorados pela dogmática ciência ambiental brasileira.

A soja, demonizada pelos ambientalistas e por parte da esquerda política, é tão exótica quanto a manga e a banana. Oriunda da Ásia, de clima temperado, a planta da soja se adaptou aos trópicos. O grão tem de 35% a 50% de proteína em sua composição e é muito rico em óleo — o que possibilitou substituir a gordura animal (banha e manteiga) por um óleo vegetal, tornando mais saudáveis e baratas as refeições, principalmente dos mais pobres.

O farelo que resta após a moagem é usado com grande eficiência na alimentação dos rebanhos que produzem carne e leite, em substituição às farinhas de peixe e aos restos de carne. O rebanho bovino europeu sofreu a “vaca louca” pelo uso de restos de carne na alimentação. A partir da soja, a medicina desenvolve fitoestrógenos que regulam a menopausa e combatem o câncer.

Pois bem, a introdução da soja no Brasil deve-se ao trabalho pioneiro do agrônomo José Gomes da Silva, que foi um dos elaboradores do Estatuto da Terra, ex-presidente do Incra e fundador da Abra (Associação Brasileira da Reforma Agrária). Trabalhou no IAC (Instituto Agronômico de Campina), que publicou sua tese de doutoramento sobre variedades da soja no Boletim IAC Bragantia em 1958.

José Gomes ficou conhecido pelos colegas de profissão com o simpático apelido de “Zé Sojinha”. Foi um dos principais integrantes do então governo paralelo de Lula após as eleições presidências de 1989. Falecido em 2002, seu nome está imortalizado como patrono do Instituto de Terras do Estado de São Paulo.

O programa brasileiro de melhoramento da soja, iniciado em 1964, foi totalmente influenciado pelo trabalho de uma agrônoma, também “desconhecida” dos ambientalistas. Johana Döbereiner liderou, desde 1963, o desenvolvimento da técnica chamada de Fixação Biológica do Nitrogênio (FBN).

A FBN se dá por uma maravilha da natureza e da ciência. A planta da soja forma uma simbiose com bactérias, gerando um processo biológico capaz de captar o nitrogênio existente no ar que é composto de 78% de nitrogênio e 22% de oxigênio. O adubo mais exigido por qualquer planta é composto por três elementos NPK (nitrogênio, fósforo, potássio), que são chamados de macro nutrientes.

O nitrogênio é o principal agente do crescimento das plantas e desenvolvimento das folhas. A famosa fórmula NPK na adubação química da soja não carrega N, fazendo com que o país deixe de gastar mais de US$ 1 bilhão em adubos nitrogenados.

A Dra. Johana é pouco conhecida no Brasil, mas festejada no mundo inteiro. Foi indicada para o prêmio Nobel de Química em 1997. Em outro país, teria ficado rica com a patente de seus inventos. Falecida em 2000, viveu do salário de pesquisadora da Embrapa até o fim da vida. Em entrevista dada à Veja em 1996, disse que “nunca trabalhou para ficar rica ou famosa”.

E há muita soja cultivada no Sistema de Plantio Direto (SPD). O campo é semeado sem que se revolva o solo, ou seja, não usa o arado para revolver o solo nem a grade para nivelar. Assim, evita-se a erosão, preserva-se a microfauna e a microflora da camada de plantio e incorpora-se a matéria orgânica da palha que resta sobre o solo após a colheita.

No Brasil, foi desenvolvido pelo esforço pioneiro de agricultores do sul como Hebert Bartz, Manoel Henrique Pereira e Frank Dijkstra. Já de algum tempo, conta com o apoio da Embrapa e instituições estaduais. Só recentemente os órgãos governamentais de meio ambiente começaram a prestar atenção nas vantagens ambientais do SPD.

Em 2011, a Federação Nacional de Plantio Direto vai comemorar os 39 anos do pioneirismo produtivo e ambiental desses agricultores. A federação calcula em 30 milhões de hectares o plantio direto no país, área próxima da dos Estados Unidos.

Em 14 de fevereiro, o Clube Amigos da Terra (CAT) de Tupãncireta (RS) o prêmio “Ambientalista de Ouro” ao agricultor Hebert Bartz e ao deputado Aldo Rebelo. Tem tudo a ver. José Gomes da Silva, Hebert Bartz, Johana Döbereiner , Rogério Cézar Cerqueira Leite e Aldo Rebelo são exemplos de agricultores, cientistas e parlamentares que conhecem a realidade e trabalham duro para o desenvolvimento soberano e socialmente equilibrado do Brasil.

* Marcelo Cardia é agrônomo, secretário de Organização do PCdoB-SP e membro do Comitê Central do PCdoB