Carlos Lindenberg: A canonização em vida de FHC

É grande o esforço que se faz, país afora, tendo São Paulo como epicentro, para reinserir o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na cena política do país. O pretexto – ou a motivação, como queiram – são os 80 anos do ex-presidente, cujas comemorações começaram há uma semana e não têm data para acabar. Jamais na história deste país, pelo que se vislumbra uma festa de 80 anos terá durado tanto ou experimentará dimensão igual.

Não bastam os bolos, os jantares e almoços, com direito ao tradicional Parabéns para Você.Há concertos de gala, artigos em jornais e revistas, especiais de televisão e programas populares, como o Esquenta da apresentadora Regina Casé – daqui a pouco será a vez do Faustão, com o seu copioso Arquivo Confidencial – entrevistas e tudo o mais a que têm direito os candidatos à canonização em vida.

É evidente que o ex-presidente Fernando Henrique merece homenagens, não apenas dos amigos e correligionários, mas o que se vê nos dias que correm é algo mais do que festa de aniversário. É também natural que os 80 anos de alguém do porte do ex-presidente também exigem comemoração à altura, até porque Fernando Henrique chega a essa altura da vida com vigor e disposição intelectual invejáveis. Está escrevendo dois livros a um só tempo, percorre o mundo dando palestras e participando de atividades diversas, exatamente como ele gosta, daí quem sabe a boa performance – quem faz o que gosta, parece viver duas vezes mais, dizem.

Mas não parece que tanta festa é destinada apenas às comemorações dos 80 anos, ainda que, repita-se, não se chega a essa idade sem bater bumbo, ainda mais no caso de Fernando Henrique, a quem se atribuem altas doses de vaidade. O que parece claro é que o aniversário do ex-presidente está sendo usado para reinserir Fernando Henrique no quadro político nacional, do qual ele nunca se afastou, mas onde também perdeu fôlego desde que os candidatos tucanos, nas três últimas eleições presidenciais, o esconderam como estratégia de campanha. Consta que a cada aparição ou palpite do ex-presidente, os candidatos tucanos patinavam nas pesquisas, fato atribuído à baixa em que Fernando Henrique deixou a presidência da República, não conseguindo eleger o seu sucessor, José Serra, à época.

Esse redescobrimento de Fernando Henrique parece coincidir, também, com o recrudescimento da campanha contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem se atribui sempre o desejo de voltar. Curiosamente, o embalo dado às comemorações de Fernando Henrique partiu de um adversário, ninguém menos do que a presidente Dilma Roussef, cuja carta ao aniversariante teve o dom de incendiar a festa já iniciada. Coube a Dilma reconhecer, como proclama o PSDB, os méritos do ex-presidente na estabilização da economia e no combate à inflação, o que é verdade, ainda que tais méritos devessem também ser atribuídos ao ex-presidente e atual senador Itamar Franco, o homem que descobriu Fernando Henrique, em cujas mãos o mineiro depositou o tesouro do Plano Real.

É também verdade que Itamar andou, por certo tempo, se arrependendo da escolha, mas isso é outra história. De forma que os rojões que se acendem agora ao ex-presidente, merecidos até pela trajetória do homenageado, tem o sabor do resgate da figura pública de Fernando Henrique, c onvalidado pela carta que tem a presidente Dilma como missivista. Mas reparem como os holofotes direcionados a Fernando Henrique cumprem um direcionamento exatamente oposto ao ponto onde está o também ex-presidente Lula, de quem o outrora "príncipe dos sociólogos" tem reclamado por não ter sido chamado sequer para um café e dois dedos de prosa enquanto o ex- metalúrgico cumpria os seus oito anos de mandato presidencial – o que não tira de FHC o charme pessoal com o qual costuma cativar os interlocutores desde os tempos da USP.

Postado em 21 de Junho, 2011