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Manuela d´Ávila: A Copa do Mundo dos direitos humanos

A imprensa brasileira lembrou que há um ano se iniciava a Copa do Mundo da África do Sul. Ao som de vuvuzelas, relembraram os melhores momentos e mostraram o que o evento representou para o país e para seu povo, com erros e acertos. Como não poderia deixar de ser, o tema teve repercussão no Brasil, afinal, em pouco mais de três anos seremos nós a receber o mundo em nossas terras.

Por Manuela d´Ávila*

Muito se tem falado, nesse sentido, sobre obras, licitações, mudanças de legislação, prazos, mobilidade urbana, infraestrutura (responsabilidade dos municípios), e tudo o mais que envolve sediar o maior evento esportivo do mundo. Os desafios não são poucos, mas não estão apenas nessas grandes obras e investimentos. A Copa do Mundo se dá, também, em outras áreas, aquelas nem sempre vistas ou lembradas, mas que atingem os mais importantes envolvidos na Copa: a população brasileira.

Para além da dúvida – real e justificada – do nosso povo sobre os grandes investimentos, sobre segurança pública e sistemas de transporte, por exemplo, existe a preocupação da garantia dos direitos humanos em muitas das ações referentes à Copa. Alguns podem se perguntar: mas o que os direitos humanos têm a ver com a Copa do Mundo? Existem muitos aspectos que unem esses dois temas e alguns deles serão decisivos para a imagem que divulgaremos (e fortaleceremos) do nosso país para o mundo. Dois temas em especial podem ilustrar esse debate: as desapropriações e a exploração sexual.

Trago, aqui, para exemplificar, a desapropriação de moradias em Porto Alegre. Uma das obras prioritárias para a Copa do Mundo de 2012, segundo a administração municipal, é a duplicação da Av. Tronco, na zona sul da capital. Para tanto, será preciso remover mais de 1700 famílias, que moram em quatro vilas. Para onde vão essas famílias não está definido no projeto. A vontade delas, tampouco. Sabe-se que devem ser realocadas para locais que ficam a três quilômetros de onde vivem hoje. E, segundo o cronograma, a obra inicia em março de 2012.

Pergunto-me, assim, se há tempo para diálogo, se há garantia do direito à moradia dessas 1700 famílias. Pergunto-me, ainda, se essas famílias sentirão orgulho por sediarem jogos da Copa do Mundo e qual o sentimento que restará em cada um desses cidadãos após as obras.

Quanto à exploração sexual, a preocupação justifica-se a partir de um dado divulgado pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH): entre janeiro e março de 2011, 72,35% das denúncias de exploração sexual contra crianças e adolescentes feitas através do Disque Direitos Humanos (o Disque 100) foram registradas nas 12 cidades-sedes da Copa.

A preocupação aumenta quando relembramos o fato de que em alguns locais de grandes obras o índice de exploração sexual de crianças e adolescentes aumentou 18%.

A nossa Copa do Mundo pode ser a Copa que vai mudar para sempre a imagem do Brasil como país de turismo sexual e de exploração sexual de menores. A nossa Copa pode ser, também, a Copa que torna exemplo a relação do Estado com seu povo, ou seja, um Estado que respeita o direito à moradia – quando da desapropriação de famílias – para a realização das grandes obras (especialmente as de mobilidade urbana).

Mas isso são possibilidades. Assim como elas podem se concretizar, podem não ocorrer. Se não houver comprometimento dos governos na promoção e garantia desses direitos, nossa imagem poderá ser de desorganização e do jeitinho. Se não houver comprometimento da sociedade, que deve denunciar, por exemplo, os crimes de exploração de menores, tampouco mudaremos a imagem até então consolidada de país de turismo sexual.

Eventos como a Copa do Mundo têm, acima de tudo, um alto poder de transformação social. Foi assim na África do Sul – com a retomada do orgulho do seu povo, com geração de emprego e renda. Tem de ser assim no Brasil. Temos de nos organizar para que a marca da Copa seja de combate ao racismo e ao preconceito; de guerra ao turismo e à exploração sexual de menores; de assistência real às famílias removidas para a implantação de obras de mobilidade urbana que beneficiarão milhões de pessoas em todo país. O grande legado da Copa tem de ser para o povo brasileiro, assim, mudaremos as cidades para que os turistas vivam por alguns dias aquilo que queremos – os que aqui vivemos – todos os dias.

* Iniciou-se na política como líder estudantil, sempre militando no PCdoB. Aos 23 anos, tornou-se a vereadora mais jovem da história de Porto Alegre. Dois anos depois, foi a deputada federal mais votada em seu estado, com 271.939 votos. Em 2010, reelegeu-se com 482.590 votos. Na votação dos internautas no Prêmio Congresso em Foco 2009, foi considerada, de todos os parlamentares, quem melhor representou os brasileiros na Câmara naquele ano. Preside a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.

Fonte: Congresso em Foco