Mark Wisbrot: Uma moratória da dívida grega parece inevitável
O risco de contágio da crise grega aumentou significativamente desde o ano passado. Na época, vários economistas observaram que as políticas impostas pela “troika” (FMI, Banco Central Europeu e União Europeia) só agravariam a situação. Foi realmente o que aconteceu.
Por Mark Weisbrot*
Publicado 06/07/2011 16:19
As autoridades europeias estão neste momento a jogar um perigoso jogo de alto risco com a Grécia. Já está mais que na hora de os membros do Congresso dos EUA exercerem alguma supervisão sobre o papel do nosso governo neste processo, e sobre como deveríamos estar a preparar-nos para uma interrupção dos pagamentos da dívida grega. Dependendo de como ocorra, esse default pode ter graves repercussões no sistema financeiro internacional e na economia dos EUA (e mundial).
O governo dos EUA tem um papel direto e significativo na crise grega, porque o Departamento do Tesouro dos EUA tem voz predominante no Fundo Monetário Internacional (FMI). O FMI, em conjunto com a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu (BCE) – os três são habitualmente chamados de “troika” – está a negociar um novo pacote de austeridade com o governo grego. Este pacote promete mais sofrimento para o povo – o que é reconhecido por todos. Mas a “troika” acha que pode fazê-lo engolir pelo parlamento grego, com a ameaça de não desembolsar a parcela de 17 bilhões de dólares do empréstimo atual, colocando assim a Grécia numa situação de súbita bancarrota.
A troika ganhou o primeiro round desta batalha contra a cidadania grega, com um voto de confiança parlamentar na última terça-feira, e se a estreita maioria do partido no poder se mantiver, será aprovado o pacote de austeridade. Mas é uma aposta de alto risco, que não vai acabar com a instabilidade.
Muitas vezes se esquece que houve uma crise da dívida grega apenashá cerca de um ano, em Maio de 2010, que sacudiu os mercados financeiros mundiais. Foi exacerbada pelo extremismo do Banco Central Europeu, que na época também fez um jogo de alto risco. Na
quinta-feira, 6 de Maio de 2010, o BCE não quis se comprometer a comprar títulos de governos europeus no meio da crise. A ideia era que fazê-lo seria uma forma de “monetizar” a dívida dos países mais fracos da zona Euro, tal como o Federal Reserve dos EUA tem monetizado trilhões de dólares da dívida pública dos EUA nos últimos anos. Foi um anátema para o BCE, que está à direita do Fed. Mas depois de uma dura reação negativa nos mercados mundiais, incluindo uma queda abrupta das bolsas dos EUA, o BCE inverteu a sua posição, quatro dias depois, e começou a comprar dívida dos governos europeus e privada.
Talvez as autoridades europeias acreditem ter as ferramentas para conter qualquer pânico que possa desta vez ocorrer em resposta a um default grego. E, como aconteceu no ano passado, elas podem contar com a Reserva Federal para, se for necessário, abrir uma linha de swap (1) de dólares. Mas é interessante notar como a situação da dívida europeia se deteriorou ao longo do ano passado.
No auge da crise do ano passado, as taxas de juros dos títulos de 10 anos do governo da Grécia, de Portugal e da Irlanda, foram de 12,4%, 6,3% e 5,9%, respectivamente. Estão atualmente nos 16,8%, 11,4% e 11,9%. Os Credit default swaps (2) para estes três países – uma medida do risco de default – atingiram um pico de 891, 460, e 273 pontos-base na crise de Maio de 2010; estão atualmente nos 1.977, 827 e 799 pontos-base.
O risco de contágio da crise grega claramente aumentou significativamente desde o ano passado. Na época, vários economistas (eu inclusive) observaram que as políticas pró-cíclicas impostas pela “troika” só agravariam a situação da economia grega e da sua dívida. Foi realmente o que aconteceu, já que a economia encolheu 4,5% no ano passado, o desemprego continuou a subir para mais de 16% e a opinião pública grega voltou-se frontalmente contra as medidas de austeridade. Uma rolagem “voluntária” promovida por alguns credores, como se propõe atualmente, não vai resolver o problema.
E há limites para o castigo que a população grega (ou a população espanhola, que recentemente viu centenas de milhares de manifestantes nas ruas, face aos 21% de desemprego) pode aguentar. O governo grego já despediu 10% dos funcionários do Estado, e o novo plano de austeridade prevê o despedimento de 20%. Também prevê um total de 12% do PIB de aperto fiscal para 2011-2015 – uma receita de interminável recessão, com o objetivo de tentar pagar uma dívida impagável aos banqueiros e aos credores.
Uma moratória da dívida grega parece inevitável, e o potencial de contágio financeiro é significativo. O que é que o governo dos EUA está a fazer para evitar uma crise financeira, e para se preparar para as várias contingências que podem ser previstas? Depois do que aconteceu após o colapso do Lehman Brothers em 2008, os responsáveis do governo dos Estados Unidos deveriam estar a fazer estas perguntas.
Notas:
1- Swap: Troca feita entre moedas diferentes e efetuada entre bancos por meio de um jogo cruzado de escrituras, com concordância prévia e cláusula de resgate (venda com promessa de recompra). Saca-se sobre um crédito, e o direito ao saque é reconstituído em seguida, em curto espaço de tempo. (Operação de câmbio ou de tesouraria que consiste de transação simultânea em duas moedas diferentes. Num país, em moeda local, e no outro, em moeda forte, com prazos e valores idênticos).
2- Credit default swaps: derivados de crédito graças aos quais os bancos se seguram contra o risco dos seus devedores.
*Mark Weisbrot é co-diretor do Centro para a Investigação de Políticas Econômicas, em Washington, D.C. Também é presidente da Just Foreign Policy. Fonte: http://mrzine.monthlyreview.org/2011/weisbrot250611.html, tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net