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Mariela Castro: "Fidel e Raúl nunca perderam a ternura"

Nessa entrevista, a socióloga cubana Mariela Castro – filha de Raúl e sobrinha de Fidel Castro – fala sobre sua família, suas lembranças sobre os bastidores de importantes decisões políticas da ilha e seu fascínio pelo guerrilheiro Che Guevara. E qualifica como grosseiro e vingativo o governo Obama, por manter presos os cinco antiterroristas cubanos.

"Nós interpretamos isso como uma vingança do sistema mafioso de poder norte-americano", diz a sexóloga em uma entrevista transmitida pela televisão russa. A entrevista de meia hora foi realizada pela Atualidade RT.

Mariela, que é diretora do Centro Nacional de Educação Sexual (Cenesex), afirma ainda que Raúl Castro confessou-lhe que gostaria de desfrutar da mesma liberdade que ela e analisa a mudança produzida na mentalidade dos dois irmãos sobre temas como machismo e homossexualidade. Segundo a socióloga, nem Raúl nem Fidel perderam o romantismo da primeira etapa revolucionária. Veja abaixo a íntegra da transcrição da entrevista:

Atualidade RT:Você é a filha de Raul Castro e sobrinha de Fidel Castro. Na vida cotidiana, isso não te afeta?
Mariela Castro: Afeta. De um ponto de vista, é incomodo, mas, de outro ponto de vista, é bonito, porque tenho recebido muita gratificação espiritual, agradecimento, mensagens muito bonitas de agradecimento muito sincero de pessoas não somente em Cuba mas de outros lugares do mundo justamente por isso. Ou seja, me tem dado gratificações espirituais.

Atualidade RT: Você nasceu pouco depois do triunfo da revolução cubana. Como lembra o ambiente que reinava sua infância?
MC: Eu lembro minha infância muito feliz. Realmente meus pais me deixavam isso de explorar, eu lembro que sempre estava pendurada numa árvore, pendurada em qualquer coisa, subindo colunas… não havia essa limitação de por ser menina não podia fazer coisas de menino, ainda que sempre havia alguém que me dizia: “desce das árvores que isso é coisa de menino”. Mas sinto que havia liberdade, que recebiam com simpatia qualquer questionamento que fazia, sempre houve a possibilidade de buscar o espaço familiar do dialogo, inclusive do questionamento, de eles a nós e nós a eles, da própria sociedade, da história…

Lembro quando comecei na universidade, que comecei a estudar Filosofia Marxista, (que) me deu muitas ferramentas para questionar a realidade, lembro que lia a revista Literatura Soviética que vendiam aqui e era muito boa, e há uma que nunca vou esquecer, que era dedicada a Maiakovski, e me deu muita idéia do que foi essa época em que viveu Maiakovski, contraditória entre a época de Lênin, a desaparição de Lênin, quando começa Stalin, como mudou a maneira de experimentar o socialismo e ele (Maiakovski) como o sofreu.

E então li discursos do Lênin nos quais questionava o “a formação de tendências”, e um grupo que ele considerava que não ajudava ao processo de experimentação do socialismo, porque tergiversava sobre seu sentido, e eu lembro que isso me iluminou, me deu pistas para questionar a realidade cubana, e depois que a estudava, passava para o meu papai. Dizia-lhe: Olha, papai, isto tem que mudar aqui também, porque acontecia lá com Lênin, e está acontecendo conosco.

Tínhamos essa possibilidade de dialogar e de questionar a própria realidade cubana. E questionava o campo socialista também. E ao fim dos anos, me dou conta que tive essa possibilidade, essa liberdade, que falávamos muito abertamente em casa sobre muitas coisas. E realmente isso me deu muita fortaleza e me fez muito feliz de que pudéssemos ter essa possibilidade.

Raul Castro quer tanta liberdade como Mariela

Atualidade RT: Você mencionou que seus pais tem tratado de protegê-la da política, que sem dúvida não é um mundo simples. Mas, até que ponto isso tem sido possível? De qualquer maneira não é uma responsabilidade que vem com o nome?
MC: Não, não gosto de assumir responsabilidades públicas desde o nome, sem uma responsabilidade mínima como cidadã e uma responsabilidade de afeto familiar, porque eu não quero fazer coisas que lastimem meus pais, a minha família, como qualquer outra pessoa com sentimento de pertinência a uma família.

Mas não… Em algum momento quando eu era mais jovem me propunham como delegada a um congresso de uma organização estudantil, e então eu, [me perguntava] bem, e por que eu? Que, no fim, a realidade foi dizendo-me que sim, que teria que participar e assumir responsabilidades, mas não muito além das que eu assumia em âmbito mais simples…

E cada vez que alguém me propunha um trabalho, minha mãe [Vilma Spín] dizia que não, que me deixassem tranqüila onde eu estava. E meu pai também vejo que tem feito tudo o possível para evitar que quando alguém me propõe para alguma responsabilidade, ele pede por favor que me deixem tranqüila em meu trabalho e nas coisas que faço. Eu interpreto como se me protegesse. Eu sou muito apaixonada e eles, sobretudo meu pai que é muito apaixonado, e [vendo] que mundo político é complexo e contraditório, eles preferem que eu não viva essas contradições.

Os pais tendem sempre a proteger, ainda que digam que não, tendem a proteger. Talvez deva agradecer-lhes, porque eu identifico minha participação política desde a participação cidadã. Creio que me dá mais liberdade. Inclusive uma vez me disse; meu pai me disse que ele gostava muito da minha liberdade. Que queria ser tão livre como eu. E bom, talvez essa seja a mensagem que eu deva captar.

Atualidade RT: Uma vez, em uma entrevista com Ricardo Alarcón, ele nos falava de um forte campanha de descrédito contra Cuba. Você, sendo parte da família Castro, alguma vez se sentiu vítima dessa política?
MC: Sim. Acredito que todos os cubanos temos sido vítimas… Ou seja, todos os cubanos identificados com o processo revolucionário temos sido vítimas disso. Ainda que eu tenha que agradecer que a grande maioria dos jornalistas com os quais tenho tido vínculo tem sido muito gentil comigo, ainda que, bem, quando chegam as notícias às editoras ou meios de comunicação, as coisas possam mudar. Mas sim, tenho percebido, na grande maioria dos jornalistas com os quais tenho dialogado, honestidade.

Mais líder que tio

Atualidade RT: As grandes figuras da história muitas vezes têm que sacrificar o familiar por sua obrigação ante o povo. Em seu caso, até que ponto poderia dizer-se que Raul político não deixou espaço para Raul pai?
MC: Não, não poderia dizer. Porque tanto meu pai como minha mãe fizeram um grande esforço para dedicar tempo à família. Sobre todas as possibilidades, às vezes mesclavam reuniões de trabalho com presença familiar, se tinham que fazer algum almoço ou um jantar de trabalho pediam para estar com os filhos, ou seja, eles sentiam muita falta disso e por isso davam muita importância ao tempo que estávamos juntos.

E também por isso agradeço. Às vezes eu reclamava que queria ter uma mãe e um pai comuns e normais, e queria que estivessem na escola todos os dias como outros pais e outras mães, que nos levassem… Minha mãe teve mais tempo que meu pai para ir às reuniões de pais, de estar mais vinculada a nossas vidas cotidianas, mas ela também tinha muito trabalho. E ainda assim, buscava tempo.

Atualidade RT: Quando falamos de Fidel Castro, o mundo inteiro imagina esse herói, essa figura legendária que ousou fazer frente contra o império norte-americano. Para você, é somente tio Fidel, ou segue vendo a ele como uma figura?
MC: Não. Quando eu era menina, sim era tio Fidel, mas a medida em que, já depois da adolescência e da juventude, fui me dando conta com mais clareza de quem era Fidel, no sentido histórico e para o povo de Cuba, já comecei a vê-lo como Fidel, como todo mundo.

Atualidade RT: E surgiu certa distância?
MC: Sim, surgiu uma distância com respeito e, além disso, me dignificava ver Fidel como líder e não como tio. Sentia que era mais digno. É como crescer e dar-se conta: essa pessoa não é teu tio, essa pessoa tem uma responsabilidade social que te coloca em uma relação diferente diante dele.

Atualidade RT: O que você poderia nos contar dele como ser humano, como pessoa no cotidiano?
MC: No cotidiano, eu gostava muito dele desde criança. De repente diziam: Fidel vai chegar. Era sempre um acontecimento, uma grande emoção. Ou seja, passávamos bem na sua companhia e em escutá-lo. Realmente sempre tínhamos desejo de escutá-lo, de fazer-lhe muitas perguntas. Sempre que alguém vê Fidel tem vontade de perguntar-lhe muitas coisas, porque Fidel tem resposta para tudo, e além disso respostas engenhosas, respostas inteligentes.

Então, desde as perguntas mais banais até as perguntas mais complexas, dá vontade de perguntar-lhe. Sempre me deu muita satisfação ter a oportunidade de compartilhar momentos em que contava questões de história, coisas que haviam vivido, análises da realidade que se estava vivendo.

Mas sobretudo, mais no ambiente privado, era muito divertido quando se reuniam ele, meu pai, Ramon – o irmão maior-, e contavam coisas deles da infância, ao longo de sua vida, durante a guerra de guerrilhas, e era simpático escutar coisas que nunca haviam sido ditas entre eles, e que nesse momento diziam: “E naquele momento, me chamou a atenção e não gostei daquilo, porque eu não tive culpa.” E isso era muito simpático, riam-se muito relembrando coisas, inclusive
momentos difíceis também.

Atualidade RT: E do que contavam, alguma recordação da época da Revolução lhe impressionou em particular?
MC: Muitas. Foram muitos acontecimentos, porque eram muitas coisas e eu observava muito, porque havia muitas coisas que falavam em sussurros, em segredo, e eu sempre tratando de entender o que acontecia por ali, às vezes tratava de perguntar e às vezes não, para que não me excluíssem.

Queria entender seus pontos de vista sobre as coisas que aconteciam em Cuba e no mundo. Uma [coisa] que me impactou muito foi Angola, a Guerra de Angola, Cuito Canavale, que foi um momento fundamental na Guerra de Angola para levar à vitória final. Foi um acontecimento militar muito especial, no que se refere ao estudo de táticas militares (para as pessoas que se dedicam a isso).

E eu lembro esse momento em que os cubanos estavam no sul de Angola, cercados pelas forças sul-africanas e, no meio do cerco, de madrugada, construíram um aeroporto para que aterrissassem as tropas que fortaleceram as posições angolanas e cubanas nesse confronto, eu lembro que foi um momento muito tenso, de muito sofrimento, de muito silêncio. E eu era jovem, e não entendia o que acontecia, e eu pensava que havia algum problema comigo. E eu chegava e dizia: “Por que não falam? O que está acontecendo, mal educados? Que problema vocês tem?”

E eu saía, toda ofendida, e não sabia tudo o que estava acontecendo, até que um dia chego em casa e havia uma festa, todo mundo celebrando, contentes, estava Fidel e um monte de companheiros do Exército, e ali me interei o que havia acontecido. Olha, disse a mim mesma, não sabia que a coisa era tão grave, e eu pensava que havia feito algo mal. Com o tempo entendi que era melhor não saber o que não te correspondia e não perguntar o que não me correspondia.

Atualidade RT: Você, que viveu de dentro, durante esses momentos duros, sentia-se temor, uma atmosfera de dúvidas, de medo por algum momento?
MC: Sim. Desde que começou a situação que nos levou ao período especial com a queda do campo socialista, que foi vivido com muito sofrimento por todos os cubanos, e essa incerteza que já se estava esperando e quando surpreendeu-nos a todos. Fidel dizia: "se apagou o sol em um segundo, quando caiu a União Soviética". Esse foi um momento muito duro e tudo o que veio depois foi mais duro, com o sofrimento do que se ia perdendo, todos os avanços sociais que se iam perdendo. Isso se viveu com muito sofrimento a nível familiar.

A Guerra de Angola e nossos mortos em Angola viveu-se com muito sofrimento também; Elián, quando sequestraram a Elián González; lembro também quando sequestravam pescadores, víamos meu pai muito dolorido, muito angustiado, cada vez que havia um ato terrorista; o crime de Barbados sofreu-se muito na [minha] família, e em toda a família cubana, ainda sofremos a lembrança do crime de Barbados, [sobre ele] ainda não se fez justiça.

Os poucos avanços que se alcançavam vivia-se com muita felicidade, com muita história. Mas, lembro-me de 1994, quando houve uma das tantas tentativas de manipular, a nível de política internacional, os meios norte-americanos para intervir em Cuba, quando daquela crise dos balseiros. Lembro-me que eu fui a Santiago de Cuba com meu pai, que foi para controlar a situação na base Naval de Guantânamo, o que poderia passar, e vi que havia real possibilidade de [uma] invasão norte-americana. Vivi com muita angustia, [mas] Fidel o manejou a nível diplomático de maneira genial.

Diria que Fidel sempre fazia excelentes jogadas de xadrez – todos estávamos atentos à jogada que faria -, e ao final sempre fazia jogadas espetaculares que salvavam a soberania do país.

Outro acontecimento muito triste que está sendo vivido por minha família, por toda a imensa maioria das famílias cubanas, é a situação dos nossos cinco heróis presos ilegalmente, arbitrariamente, nos Estados Unidos por proteger o povo cubano dos atentados terroristas que são organizados desde os Estados Unidos com financiamento do governo norte-americano.

Isso estamos vivendo com muita impotência, com muita raiva, e tenho que dizer a palavra raiva porque ante a arbitrariedade, ante a injustiça, o ser humano sente-se mal. Seus direitos humanos são violados em todos os sentidos nesse processo, e nós o interpretamos – ao menos eu interpreto – como uma vingança do sistema mafioso de poder norte-americano, como um pretexto, um coringa: a jogada que eles têm para tratar de manipular as respostas de Cuba na política e na relação com os Estados Unidos.

Mas até agora não puderam fazer-nos curvar, não conseguiram que violemos nossos princípios mais importantes e realmente não sei qual será sua próxima jogada. Porque realmente são tão estúpidos que nem sequer querem trocar nossos prisioneiros pelo prisioneiro norte-americano que está aqui [Alan Gross], que já foi condenado em um julgamento legal e com todos os recursos relacionados aos direitos do prisioneiro. Então, estamos vivendo isso com muita indignação e não vamos parar de lutar para que se faça justiça.

Che era impactante

Atualidade RT: Junto com sua família, você teve a oportunidade de ver grandes figuras do século 20, entre outros Che Guevara visitava sua casa. Como os olhos de uma menina viam-no? Que lembranças tem de Che?
MC: Causavam-me muita simpatia todos os amigos de meu pai. Todos pareciam-me preciosos, atrativos, desde muito pequena, eu era muito comunicativa e queria estar perto [deles] para escutá-los falar. E eu tenho uma lembrança muito clara de Che. Uma vez, estavam fazendo um churrasco, estavam todos reunidos ao redor da carne, conversando, ainda vestidos de verde-oliva, e a lembrança que eu tenho do Che é que eu gostava muito dele, e eu queria sempre chegar nele cuidadosamente para que meu pai não brigasse comigo por estar incomodando, enquanto eles estavam ali conversando.

E eu chegava feliz, iluminada onde estava o Che, porque lembro que era muito terno. Um homem muito terno que sabia tratar as crianças. E para as crianças isso é importante, as pessoas que sabem tratar. E eu tenho assim uma lembrança muito especial, era fascinada por como era ele, por quem era ele, e todo o mais foi alimentando-se com as imagens posteriores, claro.

Mas quando eu contava essa cena a minha mãe, ela se surpreendia e me dizia: Como podes lembrar, se tinhas dois anos? Mas era assim mesmo, eu lhe descrevia toda a situação, que meu pai brigou comigo e então… “sim, foi assim mesmo, como é que podes te lembrar?”, me dizia. Bem, as coisas especiais não se esquecem. Che era uma pessoa impactante.

Atualidade RT: De outros que conhecesses, que lhe impressionaram, quem poderias mencionar?
MC: Giap. O General Giap, vietnamita. Era um homem inteligentíssimo, um ser humano fascinante, e sentia uma grande admiração por ele. General vietnamita que era Ministro da Defesa, que ganhou a guerra [contra] Japão, França, e derrotou os norte-americanos no Vietnam. E era de uma humildade, que era o que mais gostava nele, a humildade, esse espírito oriental humilde… Precioso.

Por esse homem, esse senhor, eu tinha muita admiração, já morreu. Mas há muito mais pessoas que agora não me lembro… Bem, [Gabriel] Garcia Marquez, um grande amigo da família, o escritor Garcia Marquez. Recordo a Angela Davis, que eu sentia muita admiração por ela; minha mãe a atendia pela organização de mulheres; todas essas mulheres vietnamitas… e Valentina Tereshkova, agradava-me muito, era muito simpática. Era uma amiga da família, não somente uma figura histórica. Muitas pessoas muito especiais.

Atualidade RT: E nota que, com o tempo, tanto seu pai como seu tio, como foram mudando?
MC: Olha, desde criança até ficar mais velha, eu vejo um trecho muito grande em como era meu pai quando eu era criança, como era Fidel, e no que foram mudando – em Fidel me dou conta por seus discursos, como foram mudando em muitos temas, e em meu pai em sua atitude pessoal ante muitas coisas. Foram mudando inclusive sua maneira de dirigir, em temáticas, por exemplo, nos temas do machismo como foram evoluindo, na visão sobre a pessoa homossexual como foram evoluindo, ainda que minha mãe o influenciou muito nas mudanças que foi aceitando em sua vida. Mas em geral sim, em maior maturidade e maior clareza.

Atualidade RT: Você diria que em algum aspecto perderam esse romantismo, essa força que tinham, que se desiludiram?
MC: Não, claro que viveram coisas difíceis, viveram muitas desilusões, mas também viveram muitas gratificações quanto ao que é estar cada vez mais convencidos do projeto social. Ou seja, ainda quando têm um sentido prático da realidade para buscar soluções que devem levar um pensamento frio, nunca perderam essa ternura, o romantismo não se perdeu. E eu gosto disso: eu creio que o romantismo não se pode perder nunca.

Atualidade RT: Houve diferentes rumores sobre o estado de saúde de Fidel. Há alguns meses Hugo Chavez esteve em nosso programa, nos contou que [Fidel] passa o tempo estudando e ensinando. O que você pode nos dizer?
MC: Bem, eu pessoalmente não o tenho visto, porque as visitas que se fazem são muito reduzidas. Mas sei por meu pai e sei pelo que escreve, que leio como todos os cubanos, podemos perceber que Fidel tem uma capacidade de recuperação impressionante. E tudo isso não está em sua genética, que como se vê tem uma forte genética familiar, [mas] acredito que tudo isso está em sua cabeça. Fidel sempre teve a capacidade de surpreender-nos. Ninguém sabe qual será a resposta, ninguém sabe qual será sua saída, mas uma das coisas que mais nos fascina em Fidel é essa sua capacidade de surpreender.

Atualidade RT: Em que conceitos implementados já na Revolução você se coloca como representante de outra geração?
MC: Eu sinto que o estudo da história de Cuba, o recurso da filosofia marxista, para mim tem sido uma ferramenta para interpretar a realidade junto a outras ferramentas teóricas e metodológicas, de outras ciências, não somente filosóficas, que te aportam recursos para interpretar, para ver o caminho que deves seguir para continuar transformando a realidade.

E esse espírito transformador da realidade que colocava Marx é uma das coisas que mais gosto em minha vida. Essa vocação de transformar, buscando cada vez mais justiça entre os seres humanos me encanta e eu creio que aí está também marcado o caminho da minha vida, pessoal, profissional e é o que estou tratando de fazer.

Ou seja, eu sim creio nas possibilidades do socialismo, creio que o socialismo teve inícios fascinantes com a experiência leninista, depois teve experiências que não foram tão boas, umas sim, outras não, mas nos ensinaram. A história de Cuba sempre nos deu outras pistas e isso foi o que permitiu que o povo cubano em seu processo de transformação esteja agora propondo que socialismo quer, de que maneira quer experimentar o socialismo como é cenário de justiça, de solidariedade, de equidade.

Socialismo sem dogmas nem preconceitos

Atualidade RT: Não é que se esteja negando ou afirmado no passado, mas seguir adiante…
MC: Não, eu acredito que o que se tem feito é a revisão crítica e com a experiência vivida do passado, e tomar do passado tudo valioso que sirva para seguir avançando. Há alguns professores cubanos que colocam que não foram erros o que consideramos que devemos descartar. Acredito que se deram experiências que nos deram a pista do que funciona e não funciona, e como devemos fazer essas mesmas coisas.

Atualidade RT: Até que ponto as novas gerações estão em condições de assumir o legado de uma geração tão forte de seu pai e seu tio, com esse romantismo, essa força de espírito?
MC: Eu acredito que sim, à medida em que sigam facilitando os mecanismos de participação popular, onde as novas gerações participem em assumir responsabilidades conscientemente, não formalmente, ou seja, que se cultive a população com esse conhecimento histórico, com essas experiências que nos estão dando a pista de como projetar o futuro. Na medida em que as jovens gerações participem desse processo de aprendizagem e questionamento…

Atualidade RT:
Estão participando?
MC: Sim, sim. Você se dá conta que na sociedade cubana há uma parte das gerações que participa e outra parte que não participa; uma parte que é mais consciente, que tem mais cultura e que portanto tem mais capacidade de participar, e outra parte que é mais inconsciente, que é mais ignorante. Essa é a debilidade, essa parte ignorante.

Ás vezes o que dizemos é: vamos criar o cenário para que se apropriem do conhecimento histórico que lhes permita dizer “isso é meu, porque eu tenho que entrar nesse projeto, porque eu tenho que tratar de mudar as coisas, que coisa é o que eu quero mudar…” O importante é que a gente participe de maneira consciente, que é a maneira de participar livremente, e sem manipulação de nenhum tipo, nem de nós mesmos nem de nossos inimigos, mas oferecendo conhecimentos e informação que permita tirar conclusões lógicas de acordo com a lógica histórica. Se lhes facilitamos isso, cada vez será maior a quantidade de pessoas que possam participar e aportar a nosso futuro.

Atualidade RT: Você vê o futuro com otimismo…
MC: Me encanta o que imagino…

Atualidade RT: Como você imagina Cuba?
MC: Um socialismo democrático, dialético, participativo, no qual predomine o pensamento dialético sem dogmas e sem preconceitos, e isso é o que te dá fortaleza como cultura, como nação; o que te dá fortaleza como nação soberana que está definindo seu próprio projeto. A unidade da nação cubana nessa busca criativa de sociedade é o que imagino como a sociedade que eu gostaria de viver aqui em Cuba.