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Tatiana Nascimento: O lado B da Espanha

Pois é. O país é bonito. As pessoas são simpáticas. É a terra da arte de Picasso, Goya e Dalí, do cinema de Pedro Almodóvar, do bicampeão de Fórmula 1 Fernando Alonso, da atual seleção campeã do mundo no futebol.

Por Tatiana Nascimento, em seu blog

Quem acompanha o blog na internet sabe que, até a última terça-feira, eu estive na Espanha participando do 10º Encuentro Santander – América Latina. Apesar do pouco tempo, deu para conhecer coisas bem legais. Mas também pude perceber alguns aspectos do lado B do país.

A Espanha está sofrendo. Como em uma dança de Flamenco. Governo e autoridades bancárias dizem que o país já está saindo da crise iniciada em 2008. “Piores estão Grécia, Portugal e Irlanda”. Mas experimente dizer isso para os milhares de desempregados. Espanhóis ou estrangeiros.

Para eles, falta muito para melhorar. Em 2006, quando o país ainda vivia o boom do crescimento, especialmente o imobiliário, a taxa de desemprego era de 8,3%. Hoje está na casa dos 20%.

Mais de quatro milhões de pessoas no país não têm emprego. A maioria dos desempregados é jovem ou é de gente que vem de fora do país. Gente como o marroquino Mohamed Ardiep, 45 anos. Para sobreviver, ele vende produtos que ganha de doação ou recolhe na basura (no lixo).

Mohamed estava com seus produtos dispostos em um lençol no Paseo del Prado, próximo ao Jardim Botânico. Ele me contou que mora em Madri há quase dez anos. Não tem emprego formal há dois.

Mohamed está solteiro. “Não tenho condição de ter mulher, nem filhos. Eu quero trabalhar, mas eles não dão emprego.” Ele também tem vontade de voltar ao Marrocos para visitar a família. Falta o dinheiro. “Divido um lugar com amigos. Mas muita gente aqui vive nas ruas.”

O búlgaro Rocky (vou ficar devendo o sobrenome porque não teve jeito de entender) está na capital espanhola há menos de um mês. Vive com outras vinte pessoas na Plaza de Oriente, vizinha ao Palácio Real.

Perguntei no meu espanhol feijão com arroz por que ele foi para a Espanha, se o país ainda está em crise. “Na Bulgária está cem vezes pior”, respondeu o rapaz num espanhol pior que o meu.

Rocky tenta ganhar a vida como “estátua viva” na Calle de Bailen, em frente ao palácio. Levanta uns cinco euros por dia e, naquele dia, só tinha conseguido comprar uma caixa de suco para se alimentar. Rocky contou que não sabe quanto tempo irá aguentar. Mas acredita que a situação vai melhorar.

Agradeci pela entrevista, coloquei umas moedas na latinha de Rocky e entrei no Palácio Real. O luxo lá dentro contrastava com a caixinha de suco do búlgaro lá fora. Lembrei dos antigos discos de vinil. Muitas vezes, as músicas do lado B emocionavam mais que as do lado A.

Fonte: Diário de Pernambuco