O significado da vitória do conservador Macri no 1º turno
Ainda que tenha obtido seu melhor resultado histórico na capital argentina, a Frente para a Vitória, de Cristina Kirchner, ficou a quase 20 pontos do direitista PRO no primeiro turno das eleições para escolher o novo prefeito de Buenos Aires. No dia 31 de julho ocorre o segundo turno. Estarão se enfrentando o atual chefe de governo e ex-presidente do Boca Juniors, Mauricio Macri – um admirador de José María Aznar e Sebastián Piñera – e o senador e ex-ministro da Educação, Daniel Filmus.
Publicado 12/07/2011 09:44
Por Martín Granovsky, no Página/12
Em um cenário de polarização extrema, só dois candidatos em onze repartiram 75% dos votos portenhos, e Mauricio Macri ganhou com 47% no primeiro turno das eleições contra Daniel Filmes, da Frente para a Vitória (FpV), que obteve seu melhor desempenho desde 2003: 28%. O atual chefe de governo em Buenos Aires venceu nas 15 comunas nas quais se divide a cidade.
Em terceiro, longe, ficou Fernando Pino Solanas, que não chegou a 13%. Depois, com 3,31%, veio María Eugenia Estenssoro, da Coalizão Cívica, liderada por Elisa Carrió. A radical Silvana Giúdici obteve 2,07% e o ex-chefe de governo Jorge Telerman, 1,76%.
Às 11 da noite, Filmus falou na sede da FpV e anunciou que disputaria o segundo turno em 31 de julho. “Vamos percorrer cada comuna para oferecer o projeto de uma cidade melhor”, prometeu. “Vamos convocar os melhores das forças políticas e os melhores que não estão em nenhuma força política, mas querem atuar de forma positiva, porque toda a cidade tem que ser digna”, afirmou.
Agora seu árduo desafio é não só ganhar os votos que foram para Solanas ou para Jorge Telerman, mas também os que foram para Macri e, nas pesquisas para outubro, afirmam que votarão por Cristina. Se essa franja representar cerca de 20% dos votos de Macri, a cifra a arrebanhar seria quase de 10% do universo de 47% conquistado por Macri.
O nível de participação foi alto, superior a 75%.
Se, em um segundo turno, diminuírem a participação ou os votos válidos, por motivos não só políticos, mas matemáticos, o beneficiário seria o primeiro.
Nada é, por definição, impossível, mas as chances de Macri parecem hoje definidas. O chefe de governo necessita somar somente 3% de votos frente os 22% que faltam a Filmus.
O voto para Cristina
Atento também para o fato de que as eleições de ontem têm um componente local mas ao mesmo tempo nacional, o macrismo manifestou na própria noite de domingo sua disposição de manter seus votos presidenciais “cristinistas” e, talvez, ampliar sua votação entre aqueles que votaram em Cristina e não votaram em Macri. “Há gente que vota em nós e diz que votará pela presidenta”, declarou o chefe de gabinete portenho Horacio Rodríguez Larreta. A deputada nacional do PRO, Gabriela Michetti o referendou.
A nacionalização da disputa foi compartilhada pelo kirchnerismo. “Os candidatos de (Elisa) Carrió, (Eduardo) Duhalde e (Ricardo) Alfonsín não obtiveram números importantes”, disse o ministro de Economia e candidato a vice-presidente Amado Boudou. “Na eleição presidencial anterior, o FpV obteve 23% na cidade de Buenos Aires e agora só a candidatura de Filmus é maior que esse número”.
Deste modo, Boudou fez uma constatação e, além disso, deixou transparecer, sem dizê-lo com todas as letras, uma picardia: quem ganhou no domingo não é candidato nacional, Macri, e também carece no momento de um candidato nacional. No entanto, é provável que os eleitores de Macri alimentem em outubro não só o caudal de votos de Cristina, mas, sobretudo, o de Ricardo Alfonsín ou Eduardo Duhalde.
A estratégia de Macri
Diferentemente do resto da oposição, Macri não insistiu na interpretação inicial das eleições de 2009 e da derrota de Néstor Kirchner nas mãos de Francisco de Narváez, na província de Buenos Aires, como a debacle final do kirchnerismo. Em especial, não sobrevalorizou sua própria importância quando advertiu para a notável recuperação da imagem e da intenção de voto de Cristina no último ano e meio.
No domingo, decidiu falar das eleições de outubro talvez como um modo de dar-se por eleito ou de apresentar o segundo turno como uma confrontação de fato com o kirchnerismo. “Assumi o compromisso de trabalhar pela unidade nacional”, disse à noite Macri em sua sede, antes de convidar Federico Pinedo, candidato a deputado nacional, para subir ao palco. O mesmo fez com Miguel del Sel, candidato a governador nas eleições de Santa Fé, de 24 de julho.
“Às vezes sinto que estamos enfermos de atitudes violentas, de confrontação, de intolerância, de lutas internas, e chegou a hora de acabar com nossos fantasmas do passado e nos entusiasmarmos com nosso futuro”, disse Macri. “A pobreza não é uma questão ideológica, mas sim concreta”, assinalou em outra passagem.
Pino X Lozano
Pino Solanas avaliou que a contenda foi “macrismo versus kirchnerismo” e se queixou de que “nestas eleições se enfrentaram os aparatos de dois governos”, coisa que ocorreu também em 2009 e, no entanto, permitiu uma grande votação do Projeto Sul. Ele anunciou que deixaria seus eleitores livres para votar em quem quisessem no segundo turno.
Como já estão livres, isso pode ser lido somente de uma maneira: Solanas não recomendará de maneira explícita um voto para o dia 31 de julho. “Em Macri, nem para síndico”, disse em troca Caludio Lozano, de Buenos Aires para Todos e primeiro candidato deputado nacional pela Frente Ampla e Progressista que leva para outubro a chapa Hermes Binner e Norma Morandini.
“O melhor resultado”
O kirchnerismo procurou instalar de saída um conceito inaugurado ainda no domingo pelo sociólogo Luis Alberto Quevedo, chefe de campanha de Filmus: “Foi o melhor resultado da Frente para a Vitória em toda a sua história”. O candidato a vice, Carlos Tomada, acrescentou que os resultados superam não só o registro histórico da Frente para a Vitória, como também os do peronismo na cidade.
“O PJ sempre teve dificuldades neste distrito, e há muitas referências do PJ que se integraram ao PRO e não à Frente para a Vitória”, matizou a ministra Nilda Garré, de origem peronista, mas integrante da Frente Grande.
O voto para legisladores de Buenos Aires talvez sirva para completar indícios em uma primeira análise. Do total de votos para chefe de governo da FpV, a lista de legisladores encabeçada por Juan Cabandié obteve a metade. A outra metade foi repartida entre Novo Encontro, de Martín Sabatella, com Gabriela Cerruti na cabeça, e a Frente Progressista e Popular, de Aníbal Ibarra.
Em 2007, Filmus obteve no primeiro turno 23,75%. Jorge Telerman conseguiu 21%. A novidade deste domingo não foi a soma de votos típica do segundo turno, mas sim o amálgama de forças no primeiro. Esse amálgama, em um marco de polarização aguda deu-se com um vértice kirchnerista como Filmus. A pergunta é que se a antecipação do segundo turno que ocorreu favorece ou não Filmus no segundo turno de fato. No segundo turno de 2007, ele alcançou 39,6% e foi derrotado por Macri que obteve 60,94%.
A comparação com 2009 é mais difícil, em parte porque aquela foi uma eleição legislativa e não executivo-legislativa como a de 2007 e a de domingo e, em parte, porque se realizou em meio à pior imagem do kirchnerismo. Os fenômenos mais notórios foram a queda da FpV e a aparição com força de Pino Solanas com 25% dos votos.
Universal
Em um voto que seguramente combinou valores, aspirações, ideologia, ingredientes nacionais e um grau importante de aprovação da gestão local, a polarização se plasmou de maneira similar nas 15 comunas portenhas. Em todas elas, que elegeram pela primeira vez suas juntas, a ordem foi a mesmo: Macri em primeiro, Filmus em segundo, Solanas em terceiro. O candidato do FpV foi relativamente melhor nos bairros de classe média média e pior nos de classe média alta e nos habitados por setores populares.
Na comuna 1 (Constitución, Monserrat, Retiro, San Telmo, Puerto Madero, San Nicolás), as cifras foram 48, 28 e 12%.
Na comuna 2 (Recoleta, Villa 31), 59, 18 e 10%.
Na comuna 3 (Balvanera, San Cristóbal), 43, 30 e 13%.
Na comuna 4 (Barracas, La Boca, Parque Patricios, Nueva Pompeya), 46, 32 e 11%.
Na comuna 5 (Almagro, Boedo), 42, 31 e 14%.
Na comuna 6 (Caballito), 45, 26 e 15%.
Na comuna 7 (Flores, Parque Chacabuco), 43, 30 e 14%.
Na comuna 8 (Villa Lugano, Villa Riachuelo, Villa Soldati), 42, 38 e 10%.
Na comuna 9 (Liniers, Mataderos, Parque Avellaneda), 43, 32 e 14%.
Na comuna 10 (Floresta, Monte Castro, Villa Luro, Versalles, Vélez Sarsfield, Villa Real), 43, 30 e 15%.
Na comuna 11 (Villa Devoto, Villa del Parque, Villa Santa Rita, Villa General Mitre), 46, 27 e 14%.
Na comuna 12 (Coghlan, Saavedra, Villa Pueyrredón, Villa Urquiza), 48, 26 e 13%.
Na comuna 13 (Belgrano, Colegiales, Núñez), 56, 20 e 11%.
Na comuna 14 (Palermo), 54, 21 e 10%.
E na comuna 15 (Agronomía, Chacarita, Paternal, Villa Crespo, Villa Ortúzar e Parque Chas), 41, 32 e 13%.
A maior diferença de Macri sobre Filmus ocorreu na comuna 2: 59 contra 18%. A menor foi na 15, com 41 a 32%.
Daqui até o segundo turno haverá outra eleição importante: Santa Fé, dia 24 de julho, quando se enfrentarão o socialista Antonio Bonfatti, Augustín Rossi, da FpV, e o macrista Del sel.